Todos os cristãos são chamados a viver os conselhos evangélicos, mas alguns dedicam a sua vida inteiramente a esta missão, assumindo os votos de castidade, pobreza e obediência. A estes consagrados o Concílio Vaticano II tem uma mensagem particular de esperança, ânimo e encorajamento que agora recordaremos.
Por Darlei Zanon, jornalista e assessor editorial da PAULUS Editora
Eis o artigo:
O Concílio Vaticano II promoveu uma grande transformação na vida da Igreja. Com muita clareza constatamos isso nos documentos analisados nos artigos anteriores, especialmente nas constituições sobre a Liturgia, a Sagrada Escritura, a missão e a constituição da Igreja. A vida consagrada, como elemento essencial do Cristianismo, não poderia ficar de fora. No decreto Perfectae Caritatis (PC) podemos ver as preciosas orientações dos padres conciliares para “a conveniente renovação da vida religiosa”.
Existem inúmeras formas de vida consagrada na Igreja, tais como a vida monástica, a vida religiosa apostólica, os institutos seculares e as novas comunidades, mas todas se caracterizam por viverem mais intensamente os conselhos evangélicos, através de um voto público.
O grau de seguimento e cumprimento desses conselhos evangélicos variam de instituto para instituto, mas basicamente se concretiza na profissão dos votos de pobreza, obediência e castidade. No Catecismo da Igreja n. 574, lemos que “o estado da vida consagrada aparece como uma das maneiras de conhecer uma consagração ‘mais íntima’, que se radica no Batismo e se dedica totalmente a Deus. Na vida consagrada, os fiéis de Cristo se propõem, sob a moção do Espírito Santo, seguir a Cristo mais de perto, doar-se a Deus amado acima de tudo e, procurando alcançar a perfeição da caridade a serviço do Reino, significar e anunciar na Igreja a glória do mundo futuro.”
Os religiosos, que podem ser leigos ou clérigos, revelam o rosto e o amor de Deus no seu dia-a-dia, nas suas múltiplas atividades, na sua oração e no seu testemunho de vida. O Vaticano II reconhece a riqueza deste modo de vida e seu papel fundamental na difusão da mensagem cristã no mundo e na construção do Reino (cf. PC, n. 25). Através do decreto conciliar, procura animar e renovar os diversos institutos e suas ações apostólicas a fim de darem uma resposta sempre mais adequada às exigências de cada tempo e lugar.
Antes de começar o Concílio, foram enviadas a Roma 558 propostas sobre o tema da vida consagrada. Uma comissão preparatória encarregou-se de selecioná-las e redigir um texto inicial. Dos 202 parágrafos, restaram apenas 52, longamente discutidos em assembleia, com cerca de 14 mil sugestões. Isso é o reflexo de uma necessidade de renovação da vida religiosa, em muitos aspectos obsoleta e distante das reais necessidades do povo cristão. O texto final apresenta 25 parágrafos e foi aprovado no dia 28 de outubro de 1965, com 2321 votos a favor e 4 contra.
Já no Proêmio constatamos os motivos desta urgente renovação: “Quanto mais fervorosamente se unirem, portanto, a Cristo por uma doação que abraça a vida inteira, tanto mais rica será a sua vida para a Igreja e mais fecundo o seu apostolado” (PC n. 1). Afirma que todos os consagrados, nas diversas formas e presentes ao longo de toda a história do cristianismo, são movidos pelo Espírito Santo e devem ser testemunhas de Cristo e do seu Evangelho.
Logo a seguir entra no tema da renovação, apresentando seus princípios (n. 2), critérios (n. 3) e agentes (n. 4). Destacam-se as orientações para se voltar às origens da vida cristã e à genuína inspiração dos fundadores e institutos, porém sempre adaptando-as às novas condições dos tempos. Popularizou-se o termo “fidelidade criativa”, que significa exatamente a inculturação e atualização (adaptar o modo de viver, orar e trabalhar às exigências da cultura, situação social e econômica e condições de cada membro), mas sem desvirtuar o espírito dos fundadores e o sentido de ser da vida consagrada: seguir mais de perto Jesus Cristo. O Concílio exorta também os religiosos a serem fiéis à sua missão específica, dando sentido à causa pela qual nasceram, pois cada instituto religioso surge para responder a uma necessidade específica da Igreja e do povo. Surgem para atender a uma carência e ser a presença de Cristo naquela realidade específica: educação, auxílio aos doentes, missões, comunicação social, etc.
No n. 5 temos o elemento comum de todas as formas da vida religiosa: “renunciando ao mundo, vivem exclusivamente para Deus”. Para tal é preciso saber conciliar a contemplação com o amor apostólico, dando primazia à vida espiritual (n. 6). Os nn. 7-11 recordam a especificidade de cada modo de viver a consagração: vida apostólica, vida conventual, vida laical, institutos seculares.
Os votos feitos pelos religiosos é o tema abordado a seguir. Diante da sociedade contemporânea, que difunde e exalta uma série de contravalores, a vivência dos conselhos evangélicos através dos votos públicos assume um desafio ainda maior e por isso mais louvável. Os que assumem a vida religiosa devem ser animados e reconhecidos como exemplo de vida.
O parágrafo 12 da Perfectae Caritatis trata da castidade, provavelmente o elemento mais polêmico e incompreendido da vida consagrada. Viver a castidade significa viver a sexualidade segundo os princípios da fé e é uma virtude exigida a todos os batizados. Para os religiosos, a castidade, através do celibato, visa ter um coração indiviso para Deus e viver intensamente o amor fraterno e a caridade. Não é uma simples negação da sexualidade e do casamento, mas a procura de uma doação total a Deus e à missão.
A pobreza é abordada no n. 13 e significa a renúncia dos bens materiais em favor de uma vida onde tudo esteja em comum, a exemplo das primeiras comunidades descritas no livro dos Atos dos Apóstolos 2,42-47 (este é também o tema da PC, n. 15). No n. 14 temos a obediência, sinal de humildade, prontidão e total dedicação ao Evangelho.
A seguir, o documento apresenta uma série de orientações práticas referentes à vida em comum (n. 15), à clausura (n. 16), ao hábito religioso (n. 17), à formação (n. 18), à fundação de novos institutos (n. 19), às obras apostólicas (n. 20), aos institutos decadentes (n. 21), às uniões de institutos (n. 22), às conferências de religiosos (n. 23) e às vocações (n. 24).
Muitos destes temas foram posteriormente retomados pela exortação apostólica de João Paulo II após o Sínodo do Bispos que tratou da “Vida consagrada e sua missão na Igreja e no mundo”, em outubro de 1994. O documento Vita Consecrata apresenta uma bela atualização do Concílio e insiste na renovação constante dos institutos, adaptando-se às exigências dos tempos, e na necessidade de se promover as vocações.
Muitos desafios são lançados hoje à vida consagrada, tais como a falta de valores, a falta de compromisso, a instantaneidade, a negação dos princípios cristãos e da Igreja enquanto instituição etc. É nesse contexto que a consagração recebe mais destaque e exige maior força, para que o seu testemunho seja mais eficaz e frutífero. O testemunho de vida e de ação apostólica é o melhor convite a abraçar e a respeitar a vida religiosa, por isso todos os consagrados são convocados a trabalhar com empenho para a edificação e o crescimento do Corpo Místico de Cristo e o bem da Igreja (cf. Christus Dominus, n. 33). “Todos os religiosos, portanto, difundam no mundo inteiro a boa nova de Cristo, pela integridade da sua fé, caridade para com Deus e para com o próximo, amor à cruz e esperança da glória futura, a fim de que o seu testemunho seja visível a todos e glorificado o nosso Pai que está nos céus” (PC, n. 25).