Publicado em janeiro-fevereiro de 2010 - ano 51 - número 270 - (pp. 16-21)
Um ensaio de atuação teológico-pastoral na cidade
Por Fr. Miguel Debiasi, ofm
INTRODUÇÃO
Ao iniciar o século XXI, não podemos deixar de olhar com especial atenção para temas pertinentes à caminhada da Igreja. Este ensaio focaliza seu olhar na atuação teológico-pastoral na cidade, no pensar e no agir da ação evangelizadora em ambientes urbanos. Essa não é uma questão isolada ou particularizada, mas fundamentalmente coletiva, de toda a comunidade Igreja. Desse agir do ser humano cristão e da comunidade eclesial depende a eficaz atuação teológico-pastoral, especialmente nos ambientes urbanos. O ensaio não se inicia dando importância à crise econômica, mas, sim, atentando para as formas de pensar e agir do povo e seus reflexos hoje na comunidade Igreja.
“A vida está cada vez mais urbana”; “Na cidade vive-se melhor”; “Sou da metrópole”[1]. Tais constatações apontam a tendência do senso comum e do imaginário social neste início do terceiro milênio. Dados estatísticos dizem que 80% da população brasileira e 50% da população mundial vivem em ambientes urbanos. Há novo ambiente social para o terceiro milênio. No imaginário social existe a ideia de que a cidade oferece mais alternativas. As cidades crescem, e o mundo tornou-se imensurável metrópole. A mudança não é apenas de lugar geográfico e social, mas também do ser e do agir do ser humano. Nasce outro mundo com cultura secularizada, suscitando modelos de vida que resistem ao espírito do evangelho. A sociedade urbana secularizada, com seu discurso e com seus “sacerdotes ascéticos”[2], põe a Igreja diante de novo tempo e nova realidade que desconcertam seu pensar e seu agir, os quais desejam sobreviver, talvez dentro de novo abrigo.
A sociedade urbana secularizada é fascinante. Até mesmo a complexidade de relações que ela impõe não impede a frenética sensação de sociabilidade, liberdade e emancipação. O homem urbano é a sua realidade, fruto do seu ser e do seu agir: autônomo, emancipado. Isso não é estranho, porque ainda nos primórdios da civilização ele escolheu viver em grupos, formando vilarejos para a subsistência e a preservação da espécie. Como espaço de agregação de grupos e de comunidades, a cidade constituiu, ao longo da história, o habitat natural das pessoas.[3]
A vida urbana está em permanente mobilidade, mutação e transformação, características do pós-moderno. A identidade do pós-moderno é a sua não fixação em coisas eternas e duráveis. A geração do futuro tende a caracterizar-se pela habilidade para tecer relações urbanas de autonomia, de emancipação. Apresenta-se grande tarefa para a atuação teológico-pastoral da Igreja: inculturar o projeto de Cristo nessa realidade urbana, hoje pós-industrial, pós-crise, pós-ontem. Tal missão exige criativo dinamismo e inserção para chegar às sociedades urbanas e suas culturas.
1. Atuação de Jesus Cristo: caminho possível na cidade
O futuro da Igreja neste mundo depende do seu modo de atuação, entendida como o pensar e o agir do ser cristão e da comunidade, iluminados pela graça divina. A atuação deve ser planejada e dirigida de forma estratégica para não colapsar a cultura teológico-pastoral, mas garantir a promoção dos valores de Deus e os alicerces para a continuidade da Igreja povo de Deus.
A percepção do senso comum acompanha a análise do episcopado latino-americano: “Sob a pressão do secularismo[4], chega-se a apresentar a fé como se fosse uma ameaça à liberdade e à autonomia do homem”[5]. Para anunciar Cristo nessa realidade, a Igreja do pós-concílio propõe criar um processo de inculturação mediante o anúncio, a assimilação e a reexpressão da fé.[6] Tal missão necessita do despojamento das velhas roupagens. Precisa revestir-se de um conjunto de atuação, não apenas no sentido de reorganização eclesial local, mas de mudança de mentalidade, de opção preferencial, de conversão teológico-pastoral, pessoal e institucional. A secularização exige que o seguimento de Cristo seja condizente, criativo e com comunidades eclesiais previdentes no pensar e agir. É necessária uma atuação capaz de propostas com novos métodos, renovado ardor, nova expressão de comunidade Igreja e tolerância religiosa, capaz de qualificado espírito que supere o agir marcado pelo ingênuo cultivo da fé e uma ação eclesial separada da inserção cultural.
Conectar as pessoas a Jesus Cristo e ao seu seguimento exige estratégias, encanto, amor e formação. A presente reflexão busca nos textos bíblicos iluminação para esse intuito. O primeiro texto ao qual recorremos é Lc 5,1-11. A metodologia de atuação teológico-pastoral de Jesus inspira e anima. Seguir o Mestre é lançar as redes com novos métodos, conteúdos e estratégias. Outra iluminação carismática, orgânica e pragmática são os textos de Paulo. Escolhemos 1Cor 3,10-17. A metodologia de atuação teológico-pastoral do apóstolo é uma proposta pertinente para a Igreja na conjuntura urbana. A linguagem da construção e a imagem do edifício traduzem o modelo de atuação da comunidade em Cristo. Os elementos de comunicação e os símbolos são da sociedade urbana. Para uma atuação teológico-pastoral na cidade, os textos são fascinantes.
1.1. Primeiro texto: Lucas 5,1-11
A) 1º passo: iniciação do processo
A cena narrada ocorreu nas margens do lago de Genesaré, ao amanhecer. Jesus anuncia a Palavra à multidão, da qual fazem parte os pescadores. Ao subir na barca de Simão, Jesus pede-lhe que se afaste da terra, a fim de ele poder ensinar às multidões que se aglomeram para escutá-lo à beira-mar (5,1-3). Sabendo do poder da palavra do Mestre, Simão atende ao pedido e a multidão passa a ouvi-lo melhor. Embora a cena seja simbólica, o evangelista constrói um plano de atuação teológico-pastoral da mensagem de Jesus. A Palavra bem proclamada é assimilada e evangeliza. O pregador está inserido na multidão e o discernimento de fé é a condição para aceitar a Palavra. Para proclamar a boa-nova na sociedade urbana, é preciso inserção cultural.
B) 2º passo: atuação teológico-pastoral
A evangelização prossegue com nova ordem de Jesus a Simão, dirigida de forma imperiosa a uma pessoa entre a multidão e entre os pescadores: “Faze-te ao largo; lançai vossas redes para a pesca” (5,4). A ordem dá a primazia a Simão sobre os demais. Ele responde: “Mestre, trabalhamos a noite inteira sem nada apanhar; mas, porque mandas, lançarei as redes”[7] (5,5). Uma equipe se faz necessária para lançar as redes em alto-mar, embora a ordem contradiga a sabedoria dos pescadores: “Será inútil lançar as redes pela manhã se a madrugada não foi de pescaria”[8]. A execução da ordem do Mestre exige fé sem considerações. Quando ela é cumprida, captura-se tamanha quantidade de peixes, que as redes quase se rompem e há necessidade da ajuda de outro barco. Simão presencia o milagre ao obedecer à ordem. O evangelista ressalta que é preciso ter fé na palavra do Mestre. Não há frustração na Palavra acolhida com fé. Assim como o Mestre exige de Simão, Deus age pela fé do seu povo. Para proclamar a boa-nova na sociedade urbana, é preciso imensurável atuação teológico-pastoral no discernimento da fé.
C) 3º passo: continuidade da atuação teológico-pastoral
A enorme quantidade de peixes apanhados põe Simão e seus sócios diante da epifania: “Afasta-te de mim, Senhor, porque sou um pecador” (5,8). A condição de pecador vem à luz da consciência e o espanto apodera-se dos outros.[9] A experiência do temer fortifica a fé, e o Mestre encontra nos pescadores apavorados o alicerce: “Simão, não tenhas medo, doravante serás pescador de homens” (5,10). Assim como o anjo tirou o medo de Maria, Jesus tira o de Simão: “Então, reconduzindo os barcos para a terra, eles deixaram tudo e o seguiram” (5,11). Deixar de apanhar peixes para tornar-se pescador de homens exige de Simão e de seus companheiros profunda mudança. Abandonar a barca, as redes, o pai, a família e o lar para seguir o Mestre e apreender sua doutrina, assimilar suas palavras e seu modo de viver, é uma opção de fé. Para proclamar a boa-nova na sociedade urbana, é preciso saber desfazer-se do velho anzol, da linha, da chumbada, a fim de não refluir ao passado centralizado, clerical e autoritário, mas apostar na Igreja ministerial com novas configurações.
1.2. Segundo texto: 1 Coríntios 3,10-17
A) 1º passo: iniciação do processo
Para o biblista Piero Rossano, a primeira carta aos Coríntios foi escrita por Paulo em Éfeso, durante a sua terceira viagem missionária.[10] A carta pastoral trata do problema da divisão entre os coríntios, que é superado pela comunhão de vida (koinonía) com Cristo, na qual reside a essência do espírito do ser cristão: “Somos operários com Deus, e vós sois a seara de Deus, o edifício de Deus” (3,9). O apóstolo rejeita as divisões e a divergência de interesses entre os coríntios, mostrando o absurdo que a comunidade está cometendo.
O problema das divisões nasce quando cada um quer se apegar a interpretações muito individualizadas, quando não interesseiras. Foi o que aconteceu na comunidade de Corinto, a qual mereceu a repreensão do apóstolo Paulo: “Quando alguém declara: ‘Eu sou de Paulo’, e outro diz: ‘Eu sou de Apolo’, não procedeis de maneira meramente humana? Quem é, portanto, Apolo? Quem é Paulo? Servidores, pelos quais fostes levados à fé; cada um deles agiu segundo os dons que o Senhor lhe concedeu” (3,4-5). A Igreja de Corinto ainda é imatura na mentalidade e na experiência cristã, faltando robustez, consistência óssea e firmeza do esqueleto que dá solidez ao corpo.[11] Como movimento de contraponto ao individualismo, ao isolamento, à fragmentação da vida humana e social, a unidade, além de fundamental para a maturidade da fé, é de suma importância para a caminhada eclesial na sociedade urbana.
B) 2º passo: atuação teológico-pastoral
Para o apóstolo, a riqueza da Igreja está em viver unida a Cristo: “Eu, como bom arquiteto, lancei os alicerces conforme o dom que Deus me concedeu; outro constrói por cima do alicerce. Mas cada um veja como constrói” (3,10). A exortação é pela unidade no corpo de Cristo, por quem Deus manifesta sua ação na história. Os diferentes dons são necessários para a unidade: “Ninguém pode colocar um alicerce diferente daquele que foi posto: Jesus Cristo” (3,11).
Dar testemunho de Jesus é trabalhar para formar um só povo, uma só fé e um só corpo: “Se alguém constrói sobre o alicerce com ouro, prata, pedras preciosas, madeira, capim ou palha, a obra de cada um ficará em evidência” (3,12-13). Não basta a inserção e a unção para a execução da obra recebida pelo batismo, mas todos deveriam mostrar a qualidade das contribuições pessoais, identificando-se com seu único fundamento, Jesus Cristo.
A finalidade única é de caráter de resistência ao fogo[12] ou juízo de Deus: “No dia do julgamento, a obra ficará conhecida, pois o julgamento vai ser através do fogo, e o fogo provará o que vale a obra de cada um” (3,13). É preciso testemunhar o amor a Cristo, formando a unidade dos cristãos, pois ele fará justiça. A sociedade urbana livre, emancipada e autônoma é cética quanto à ideia que inspire projetos, propostas e compromissos contrários ao seu modelo. A atuação teológico-pastoral deve criar condições de crescimento da fé do povo e adicionar ao legado sagrado que se herdou o novo: ministerialidade, protagonismo, mística de processo e planejamento.
C) 3º passo: continuidade da atuação teológico-pastoral
O resultado da obra divina é a Igreja, povo de Deus designado como edifício de Deus sobre o fundamento de Jesus Cristo: “Se a obra construída sobre o alicerce resistir, o operário receberá uma recompensa. Aquele, porém, que tiver sua obra queimada perderá a recompensa. Entretanto, o operário se salvará, mas como alguém que escapa de incêndio” (3,14-15).
Ao escrever a carta pastoral, o apóstolo tem como intenção os irrequietos cristãos de Corinto, que julgam os missionários com olhos humanos, esquecendo que exercem o mandato da parte de Deus. Os missionários são meios pelos quais todos os operários e colaboradores fazem parte do único edifício de Deus, a Igreja. Qualquer julgamento deve levar em consideração essa premissa.
Aderir a Cristo é superar os limites da ruptura para formar unidade cristã e apresentar-se como servidor protagonista com seus próprios talentos, levando os fiéis a encontrar o Senhor: “Vocês não sabem que são templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vocês? Se alguém destrói o templo de Deus, Deus o destruirá. Pois o templo de Deus é santo, e esse templo são vocês” (3,16-17). Pela fé forma-se a Igreja-comunidade fraterna, pois o Espírito de Deus habita nela. A sociedade urbana forma seu corpo social tendo em vista certo grau de utilidade e de imediata satisfação, um custo-benefício das coisas. A comunidade Igreja reunida na fé, corpo santificado pelo Espírito Santo, precisa desenvolver mística pastoral para persistir como locomotiva da história da salvação.
2. Nossa atuação no século XXI: protagonistas
O texto de Lucas quer evitar que o desânimo e o pessimismo venham a contaminar a atuação da comunidade. Quando uma ação não produz o impacto esperado ou a resposta almejada, faz-se necessário repensar as metodologias e não se acomodar a práticas que já deram (ou não) suas contribuições. Lançar novamente a rede é encontrar os métodos eficazes que contribuam com a realidade da comunidade eclesial.
A pesca milagrosa está em confiar na capacidade da comunidade de descobrir as formas pertinentes para evangelizar sem se deixar desanimar pela experiência de, por vezes, recolher a rede vazia. As dificuldades desafiam a comunidade eclesial a avaliar constantemente metas e ações executadas.
Para tornar-se pescadora de homens, a pastoral na cidade precisa ficar atenta aos métodos pelos quais o povo assimila a palavra de Cristo. Nem sempre recursos técnicos modernos e sofisticados favorecem a atuação. Às vezes aumentam o sentimento de impotência e convertem-se em direito de privar-se da comunidade, não assumir o compromisso batismal.
Pedro e seus companheiros voltaram atrás e lançaram novamente as redes depois de terem compreendido o Mestre. A Palavra compreendida é sinal de que também a pastoral urbana fará a sua grande pesca, preparando o caminho para os outros que vierem em seguida.
As múltiplas ações de pastoral executadas nas cidades visam a inculturar o evangelho nas diferentes realidades, mas criam o problema da falta de identidade da Igreja. Dessas ações nasce uma Igreja com identidade fragmentada, às vezes por conveniências espirituais, e supervalorizadora dos carismas personalizados.
Quando personalizada, a diversidade não faz a unidade da Igreja e cria para o povo de Deus dúvidas em torno da doutrina, do testemunho e da vivência da fé. Paulo procurou mostrar à comunidade dos coríntios o problema da falta de unidade em Cristo.
Hoje se usam múltiplas interpretações do evangelho para justificar práticas de fé que não somam coisa alguma à caminhada da Igreja e em nada contribuem para o crescimento espiritual da comunidade. As múltiplas propostas espirituais à livre escolha constroem um ser religioso livre e independente de qualquer compromisso eclesial. A comunicação midiática oferece diariamente alternativa.
A atuação teológico-pastoral precisa reaprender a cativar e formar os que ingressarão na comunidade eclesial. Para tanto, será necessário mudar o jeito de construir, recriando a experiência de ser Igreja de Cristo repleta de compaixão e sabedoria. Será preciso cultivar os sentimentos de compaixão e o espírito de sabedoria para não estreitar demais os laços da compreensão diante da diferença e da multipluralidade cultural.
Com novos métodos e novas expressões de unidade, entende-se que evangelizar o homem urbano não significa resgatar velhas práticas, costumes e tradições perdidas, mas fortalecer a consciência de que não há lugar privilegiado para manifestar o amor a Cristo.
Não será necessário o regresso das pessoas à comunidade clericalizada. Para evangelizar a cultura urbana, entretanto, será preciso superar a visão de que a cidade é apenas um espaço de consumo, de produção de bens materiais, de ostentação de riqueza. Será preciso perceber a existência de pessoas abertas e com nova consciência, as quais necessitam encontrar uma Igreja mais próxima da atuação de Cristo.
A Igreja está diante de uma cultura urbana de transição, porém sedenta da palavra de Deus, a qual necessita apenas de novos planejamentos, de nova metodologia de atuação. Nesse ambiente diferenciado que é a vida urbana, sendo a Igreja fiel à proposta de Cristo, renovará a obra de Deus para os homens e os homens para Deus. Trata-se de usar a criatividade, a coragem apostólica e missionária para apresentar de novas maneiras a proposta de Cristo aos novos sinais dos tempos, ao novo homem e ao novo mundo.
3. Contribuições da 5ª Conferência Geral do Episcopado
As conclusões da 5ª Conferência do Episcopado da América Latina e do Caribe impulsionam a atuação teológico-pastoral no espírito de novo Pentecostes. A sua mensagem teológica resume-se em seguir Jesus Cristo, Caminho, Verdade e Vida (Jo 14,6), para que todos os povos tenham vida nele (Jo 10,10). Os caminhos traçados em Aparecida buscam reavivar o espírito das conclusões do Vaticano II e das conferências anteriores, chamando os fiéis do continente a ser discípulos e missionários de Jesus Cristo. As decisões seguem a palavra inaugural do papa Bento XVI, que diz: “A ação da Igreja é de custodiar e alimentar a fé do povo de Deus em virtude do batismo recebido”. A ação da comunidade eclesial está na transmissão da fé em Cristo como a única fonte de vida plena para a pessoa humana e meio de transformação da realidade atual.
As motivações da conferência centralizam-se na ação eclesial, seguindo a palavra de Jesus Cristo como luz condutora do discípulo e missionário convocado a manifestar a fé em Deus e contrapor-se ao espírito do secularismo.
Alimentar a fé em Jesus Cristo é o primeiro compromisso da ação eclesial; assim se renovam as comunidades eclesiais e as estruturas pastorais. Mediante o discernimento comunitário e aberto ao sopro do Espírito Santo, todo batizado é chamado a participar dessa missão para levar a todos Jesus, o Bom Pastor, que disse: “Eu vim para que todos tenham vida em abundância” (Jo 10,10). As conclusões de Aparecida querem construir a unidade da Igreja e revitalizar a existência dos batizados, para que permaneçam no caminho do seguimento de Jesus Cristo como verdadeiros protagonistas. O chamamento para a unidade na atuação teológico-pastoral é o testemunho dos que apostam em Cristo como única verdade fundamental e caminho de realização plena da vida humana.
Conclusão: atuação com conversão pastoral
A presente reflexão conclui com a mensagem de Aparecida: “convocação do batizado a viver em Cristo a vida plena e o caminho de renovação da própria existência e da sociedade”. Os apelos por atuação teológico-pastoral vêm da necessidade de proporcionar aos batizados nova conversão e um encontro profundo com Cristo e com sua proposta.
Os homens do século XXI são os sinais de novo tempo para a Igreja que deseja ser nova, inserida no real, e age para a construção do ideal, a comunhão com a vontade de Deus.
A experiência em Jesus Cristo coloca a comunidade eclesial numa dimensão de protagonismo, revelando novo agir de fé e a construção de nova atuação teológico-pastoral. As formas pelas quais agimos com a fé determinarão o potencial da comunidade Igreja para renascer ou morrer diante da sociedade urbana.
O cultivo da fé e a atuação teológico-pastoral sobre ela conduzirão o encontro de promoção e revitalização em Jesus Cristo ou a sua negação diante do outro, o mundo urbano secularizado, autônomo e emancipado com sua locomotiva neoliberal. Como os gregos definiam, é na pólis, na cidade, que todos os assuntos se decidem. Não precisamos ter medo disso, pois é na cidade que há lugar para a pessoa ser cidadão, ser político e — por que não? — ser um cristão protagonista. É necessário novo desdobramento do agir da fé. Este requer o acompanhamento de uma atuação teológico-pastoral de sustentabilidade da pessoa, da comunidade e da instituição diante do outro que seduz, fascina e satisfaz com suas propostas.
Essa missão pastoral, em que todos são chamados ao protagonismo criativo, comunitário e profético, requer novas estruturas e novas organizações. Requer desembaraçar-se de mecanismos e estruturas de atuação que já não respondem a uma cultura liberal e ao seu livre-arbítrio. Exige ação de conjunto, estratégias comunitárias e inserção cultural para novo agir e pensar do ser cristão. São necessárias roupas diferenciadas para novas estruturas, sem engessar a fé que deseja ser revigorada na história, solicitando permanente vontade e empenho individual, coletivo e institucional para responder com novas configurações de comunidade Igreja ao chamado de Deus.
Nova atuação teológico-pastoral requer agentes novos, qualificados e capacitados, com discernimento de fé, maturidade de diálogo e objetividade nas propostas e nas razões de acreditar em Deus. O mundo urbano autônomo, emancipado e secularizado impõe seus argumentos. Dialogar ou contrapor-se a eles demanda formação e preparo, também diante da tolerância à diferença, a fim de saber incorporar novas experiências e visões sem comprometer a identidade de Igreja e sua fidelidade ao projeto de Jesus Cristo.
A sociedade urbana do século XXI que deseja manter liberdade, autonomia e emancipação também revela estar sedenta de respostas convincentes para a felicidade do ser humano. A metodologia de Jesus e de Paulo ainda tem muito a ensinar e encorajar para a inserção eclesial na cultura urbana do terceiro milênio.
BIBLIOGRAFIA
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BLANK, Renold. Ovelha ou protagonista? A Igreja e a nova autonomia do laicato no século XXI. São Paulo: Paulus, 2007.
CELAM. Conclusões da IV Conferência de Santo Domingo. São Paulo: Paulinas, 1992.
FINLEY, Moses. Economia e sociedade na Grécia antiga. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
ROSSANO, Piero. Meditações sobre são Paulo. São Paulo: Paulus, v. 1, 1969.
SILVEIRA, Denis Coitinho. Os sentidos da justiça em Aristóteles. Porto Alegre: Edipucrs, 2001.
SOUZA, Ricardo Timm de. Responsabilidade social: uma introdução à ética política para o Brasil do século XXI. Porto Alegre: RTS, 2003.
STOGER, Alois. O Evangelho segundo Lucas. Petrópolis: Vozes, 1984.
[1] Expressões recolhidas do cotidiano da população.
[2] Foi Nietzsche também quem cunhou o termo “sacerdotes ascéticos” para designar intelectuais (jornalistas, escritores, filósofos) fracassados ou amargos, cuja insatisfação pessoal leva-los-ia às suas vocações como militantes políticos e revolucionários.
[3] A experiência de cidade atual é diferente da pólis grega. “A pólis grega estava organizada na forma de cidade-estado, onde cada cidade-estado tinha sua autonomia política, econômica, social, cultural e religiosa e, por esse motivo, a prática dos cidadãos era diferente entre uma e outra. As maiores cidades-estado gregas são um exemplo disto: Atenas e Esparta (…). A pólis era uma comunidade política e ética e não simplesmente uma cidade como entendemos atualmente; combinava zona rural com zona urbana e significava sempre uma comunidade e não uma área territorial apenas. O urbano e rural eram considerados como uma unidade (…), até os agricultores que habitavam fora da cidade estavam ligados à pólis” (Denis Coitinho Silveira. Os sentidos da justiça em Aristóteles. Porto Alegre: Edipucrs, 2001, pp. 95-96).
[4] “O termo secularização foi aplicado a um movimento surgido na Europa do século XIX, durante o qual as propriedades eclesiásticas foram confiscadas e secularizadas, na maioria das vezes pelo Estado. No século XX, o termo se ampliou, indicando a exclusão da religião, especialmente da religião organizada em todos os níveis de influência política e social. Com o evidente abandono da religião, o secularismo deu origem a religiões seculares como a New Age. Outra consequência foi o impulso às religiões evangélicas não organizadas e às seitas que proclamam a autorrealização. O ponto central do secularismo é a libertação, ou seja, autonomia da pessoa humana. Esta autonomia leva ao individualismo e a uma alienação da pessoa humana, caracterizada pelo isolamento e por relações fragmentadas. O secularismo coloca plena confiança nas suas tecnologias, produtos de nossa própria invenção humana” (Carta Circular n. 26 de frei John Corriveu, ministrogeral da OFMcap, 30 de abril de 2006).
[5] CELAM. Conclusões da Conferência de Santo Domingo. São Paulo: Paulinas, 1992, p. 20, n. 11.
[6] Ibidem, p. 201, n. 256.
[7] As redes são as típicas do arrastão, um sistema de três redes medindo de 400 a 500 metros. Esse instrumento de pesca é para ser lançado no mar em relativa profundidade. Mais informações, conferir a coleção Novo Testamento – comentários e mensagem (Vozes, volume 3/1, p. 156).
[8] Há um provérbio popular entre os pescadores que diz: “Quem não madruga não empilha peixe”.
[9] Tiago e João, filhos de Zebedeu e sócios de Simão, também ficaram espantados. André também deveria estar presente por ser sócio de Simão, embora o texto de Lucas não mencione.
[10] O texto foi escrito por volta do ano 57, conforme 1Cor 16,8ss: “Entrementes, permanecerei em Éfeso até Pentecostes, pois aqui se abriu uma porta larga, cheia de perspectivas para mim, e os adversários são numerosos”. A carta pretende preparar o terreno para a vinda do apóstolo à cidade, superando problemas históricos e da vida cristã, que consiste na união pessoal com Cristo. Para Paulo, ser cristão é possuir uma união espiritual com Cristo que se instaura neste mundo, expande-se e revela-se na ressurreição (ROSSANO, Piero. Meditações sobre são Paulo. São Paulo: Paulinas, 1969, pp. 157-159).
[11] A distinção entre “seres espirituais” e “seres carnais” é questão fundamental no apostolado e na teologia de Paulo. Para ele, “seres feitos de carne” são ainda crianças em Cristo, por serem incapazes de ingerir o alimento mais sólido dos adultos. Segundo o teólogo Piero Rossano, a comunidade de coríntios recebe do apóstolo somente os primeiros rudimentos da fé, como a “narrativa da vida de Cristo e da salvação que ele opera, a doutrina do batismo, as normas morais, o anúncio da parúsia de Jesus e do juízo final” (Piero Rossano. Meditações sobre são Paulo. São Paulo: Paulinas, 1969, pp. 204-205).
[12] O apóstolo, ao falar do fogo, usa a imagem do pensamento profético, como o de Isaías: “o Senhor virá no meio do fogo, com seus carros semelhantes ao furacão, para satisfazer sua cólera num braseiro e cumprir suas ameaças em chamas ardentes; porque o Senhor fará justiça de toda a terra pelo fogo” (Is 66,15-16).
Fr. Miguel Debiasi, ofm