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Publicado em número 268 - (p. 3)

Dom Helder, pastor e profeta

Por Antônio Mesquita Galvão

Em 2009, o Brasil celebra o centenário do nascimento de dom Helder Pessoa Câmara, arcebispo emérito de Olinda e Recife, aquele que talvez tenha sido a voz brasileira mais conhecida no exterior. Junto com dom Paulo Evaristo Arns, dom Helder, por conta de sua inspiração e coragem, foi uma das personalidades mais temidas pela ditadura.

Tive oportunidade de conviver com ele quando lutávamos para estabelecer o movimento de cursilhos em João Pessoa (PB), em 1981. Foi um privilégio posterior ouvi-lo pregar, quando, em 1982, animou uma ultreya dos cursilhistas. Tal como se estivessem diante de um apóstolo ou de um santo Antônio, as pessoas paravam, largavam o que estavam fazendo, para ouvi-lo falar. No dia da ultreya, o guarda abandonou o controle do trânsito da esquina e entrou timidamente no salão das irmãs doroteias para escutar o pregador.

O prelado era homem corajoso e objetivo. É dele uma frase lapidar: “Se ajudo os pobres, me chamam de profeta; se pergunto por que existe pobreza, me tacham de comunista”. Certa vez, eu viajava de João Pessoa para São Paulo. O avião fez escala em Recife, onde dom Helder embarcou. Os passageiros se levantaram e aplaudiram aquele homem idoso e sorridente, em sua característica batina cinza.

Dom Helder foi um injustiçado na vida e na morte. Enquanto o piloto Ayrton Senna e o cantor Leandro, entre outros menos notáveis, tiveram pompas fúnebres de celebridades, ele teve um funeral modesto, aliás, digno de um homem humilde. Por sua coragem profética, capaz de denunciar as injustiças sem medo, foi perseguido. Foi chamado, pelos corifeus da ditadura, de “arcebispo vermelho”. Em 1972, esteve cotado para receber o Prêmio Nobel da Paz. Os generais, pessoas altamente “esclarecidas”, mexeram os pauzinhos para que ele não recebesse a comenda. Seria o único Nobel outorgado, até hoje, a um brasileiro. No âmbito religioso oficial, dom Helder também poderia ter sido mais valorizado. Por que, por exemplo, nunca o fizeram cardeal?

Certa vez, ligou para um empresário, pedindo emprego para um irmão seu. Dias depois, o homem de negócios dá o retorno: “Tudo certo, dom Helder, o rapaz já está trabalhando. Só não precisava dizer que ele era seu irmão. O senhor é Câmara e ele é Silva. Além disso, o senhor é branco e ele, negro!” Como o bispo insistisse na tese da irmandade, o dono da firma observou: “Pode ser seu irmão por parte de Adão e Eva, mas não é seu irmão de sangue”. A sentença do velho profeta é antológica: “Mas como não? Ele é meu irmão, e irmão de sangue, sim! E o generoso sangue de nosso Senhor Jesus Cristo, derramado na cruz, não nos torna irmãos de sangue a todos?”.

Solidariedade não dá ibope. Por causa do filtro ideológico imposto à mídia da época, a maioria dos atos de dom Helder nunca teve ampla divulgação nacional. Dessa forma, apenas uma parcela pequena da sociedade soube o que ele fez pelos pobres e oprimidos. Com sua morte, aos 90 anos, em 1999, perdemos um grande cristão nesta dimensão, mas ganhamos um intercessor junto a Deus. Esperamos que sua santidade seja um dia reconhecida oficialmente pela Igreja.

 

Antônio Mesquita Galvão