Artigos

Publicado em número 263 - (pp. 5-9)

A Homilia implícita

Por Pe. Silvio Sassi, ssp

Como veiculamos os nossos discursos? A mensagem não é só o conteúdo, mas também o modo pelo qual é apresentado. Como se faz a análise da linguagem da homilia, tendo presentes as funções (emotiva, poética, conotativa, referencial, metalinguística, fática), que envolvem a linguagem na relação entre duas ou mais pessoas? Com essa análise, o pregador pode ter uma ideia de postura e consideração para com a assembleia e do grau de comunicabilidade que há com ela.

É possível dispor de instrumentos de análise que permitam ao pregador uma avaliação de sua comunicação homilética? O desejo de melhorar a própria homilia pode contar com uma averiguação preventiva sobre o modo de pregar habitual? Como é possível, relendo (para quem faz a homilia por escrito) ou escutando uma gravação, formar uma ideia sobre aquilo que quisemos comunicar?

Para uma análise da qualidade comunicativa da homilia, tendo em vista a sua melhoria, pode-se fazer uso da semiologia, método de estudo rigoroso sobre todos os sistemas de signos. É um fenômeno típico da comunicação interpessoal.

 

1. Conteúdo implícito e conteúdo explícito

De início, vale precisar que o objeto deste artigo não é o conteúdo teológico, as ideias desenvolvidas, a exatidão doutrinal, a fidelidade exegética das interpretações e adaptações para o público. Ocupar-nos-emos do modo pelo qual os diversos aspectos da homilia se tornam um ato comunicativo dirigido a uma assembleia. Em termos sintéticos, poderíamos dizer que o assunto do artigo não é o que é dito, mas o modo de dizer. Não tomamos, portanto, o conteúdo explícito daquilo que é dito, mas voltamos a atenção ao conteúdo implícito das homilias.

A nossa convicção de partida é um fenômeno típico da comunicação interpessoal levado ao seu extremo na comunicação de massa: a mensagem não é somente o conteúdo do discurso, mas também o modo pelo qual o conteúdo é apresentado. Um bom ator de teatro pode pronunciar em cerca de 50 modos diversos a simples expressão “esta noite”.

No caso dos meios de massa, podemos exemplificar o fenômeno observando que, em um capítulo de telenovela, aquilo que é contado constitui o pedaço de uma história, que recebemos com os sentidos da visão e da audição, mas é apresentado também, bem misturado com a história, um mundo de valores que inadvertidamente recebemos.

Para a homilia, podemos dizer que, por meio daquilo que é dito e constitui o conteúdo, se produz uma série de fenômenos linguísticos que revelam, por exemplo, a concepção do pregador a respeito de seu ministério de pregador, talvez sem se dar conta, ou então a ideia que ele tem a respeito de seu público dominical.

Levando em conta sensibilidades diversas no modo de elaborar a homilia — da improvisação à preparação minuciosa —, é necessária, para um estudo posterior mais aprofundado, ou uma gravação da homilia, ou o texto exato, para quem faz a homilia com base em texto escrito.

 

2. Funções linguísticas e comunicação homilética

Sobre a homilia integral (em gravação ou texto), como foi proferida, podemos realizar uma parte da análise linguística. Esta consiste em descobrir a importância que proporcionalmente nós demos, na pregação, às emoções, à ordenação das ideias, à preocupação de ter a atenção da assembleia e também ao cuidado de explicar os termos usados que sejam pouco conhecidos.

Convém recordar, antes de tudo, que, no processo comunicativo da homilia, temos uma comunicação linguística completa nos seus vários aspectos:

1.  Emissor: aquele que fala = o pregador (função emotiva);

2.  Mensagem: o que é dito na homilia (função poética);

3.  Receptor: aquele que escuta = a assembleia (função conotativa);

4.  Código: a língua usada e o sentido das palavras (função metalinguística);

5.  Contexto: a situação concreta na qual se desenvolve a comunicação = os assuntos tratados como informação (função referencial);

6.  Contato: o canal usado na comunicação = a voz e os sentidos receptivos (função fática).

 

O linguista R. Jakobson vincula a esses elementos de todo processo comunicativo as funções que a linguagem assume ao pôr em relação duas ou mais pessoas (funções indicadas entre parênteses, acima).

Concentremo-nos sobre a compreensão de cada função e suas consequências para a comunicação homilética.

 

2.1. Função emotiva

A função emotiva exprime a atitude do emissor com relação à mensagem: são as tomadas de posição emotivas do pregador no confronto com aquilo que ele diz. Identifiquemos na gravação ou sublinhemos no texto da homilia todas as interjeições e as frases que terminam em exclamação. Esses elementos linguísticos são o instrumento de expressão da emotividade do pregador. Sabemos que as expressões emotivas são o espelho do estado de ânimo daquele que fala e uma pressão indireta exercida sobre quem escuta.

Na homilia na qual são numerosas as exclamações, há uma presença quase evidente da subjetividade de quem fala, incluindo também o desejo de tornar pública, no contexto da homilia, a própria emotividade. Dizer: “Que alegria, irmãos!”, ou então: “Que gestos insensatos!” exprime a alegria, no primeiro caso, ou um julgamento, no segundo, que não são necessariamente idênticos em quem escuta. Desse modo, julgar “insensato” um gesto exprime a emoção da reprovação, mas não automaticamente a motivação de uma reprovação compartilhada por quem escuta.

A função emotiva não nos informa sobre o conteúdo do que foi disposto, mas sobretudo, sobre o estado de ânimo e sobre os juízos de quem fala. Destaquemos ainda em nossa homilia todos os adjetivos, que são o índice mais vistoso da função emotiva, enquanto exprimimos os juízos de valor para aprovação ou desaprovação. A esse propósito, podemos nos perguntar: “Em qual relação estão a série de nossos adjetivos e o juízo da palavra de Deus?”.

Uma homilia na qual se encontra muita função emotiva (interjeições, exclamações, adjetivos e advérbios adjetivados) corre o risco de eclipsar o anúncio para pôr a subjetividade do pregador em primeiro lugar.

 

2.2. Função poética

A função poética acentua a mensagem em si: o pregador cuida da forma e da estrutura de sua homilia, convicto de que dará força àquilo que diz. Esclarecemos logo que “função poética” não significa uma homilia em forma de poesia com estrutura livre ou calibrada sobre uma métrica particular. Uma manifestação essencial de um texto em função poética é o seu ritmo.

Consideremos o trabalho operado sobre a nossa homilia para imprimir certa cadência: frases longas, frases curtas; frases coordenadas, frases subordinadas; frases causais, adversativas, modais, temporais. Faz parte da cadência também a estrutura global da homilia: uma sucessão de perguntas e respostas; uma homilia construída sobre uma série de negações com uma afirmação final; uma homilia simétrica de realidades a condenar e realidades a aprovar.

Outro elemento da função poética é o cuidado do estilo, que, no âmbito publicitário, encontra o seu cumprimento no slogan. Pode haver na homilia uma frase-slogan, que seja repetida de vez em quando, ou pela riqueza de seu conteúdo-síntese ou pela sua grandeza gramatical e sintática. O pregador a repete porque deseja que se imprima na mente do ouvinte como mensagem a recordar.

Uma última manifestação da função poética é o uso de imagens construídas, recorrendo a todas as figuras da retórica: metáfora, comparação, elipse, paradoxo etc.

Procuremos perceber no nosso texto, portanto, o ritmo, a cadência, a simetria, o estilo e as imagens retóricas e nos daremos conta da atenção que dispensamos à preparação da homilia ou ao efeito na audiência.

 

2.3. Função conotativa

A função conotativa é orientada ao receptor: a homilia chama diretamente em causa o ouvinte, no qual o coenvolvimento ocorre principalmente mediante o uso da segunda pessoa do singular ou do plural e mediante o imperativo e o vocativo.

Observemos, em nossa homilia, as frases em função conotativa, como: “Vocês que têm a possibilidade…”; “Vocês que desejam…”; “Se você quer obter…”; “Se você escuta somente…”. Além disso, voltemos a atenção a todos os imperativos: “Vocês devem…”; “Empenhemo-nos…”; “Não deixem escapar a ocasião…”; “aproveitem…” e as ordens impessoais do tipo: “É necessário…”; “Deve-se…”; “É preciso fazer tudo para…”.

Por meio dessa análise, o pregador pode ter uma ideia de como ele considera os seus fiéis. A comunicação nos diz que o receptor se sentirá chamado em causa à medida que compreender o apelo que lhe é dirigido. Aplicado à situação homilética, isso significa: o ouvinte se sente interpelado à medida que a exortação lhe é proposta em modo compreensível.

Uma consideração que podemos fazer sobre a função conotativa diz respeito à distância ou à proximidade do pregador em relação à sua assembleia. Por que dizer “vocês devem” e não “nós devemos”? Linguisticamente, o imperativo exprime a necessidade daquele que fala de distinguir-se daqueles que escutam. Pode-se objetar que usar “vocês” em vez de “nós” e recorrer com frequência ao imperativo são somente modos de falar e, portanto, é exagerado querer ver nisso o desejo do pregador de se isolar da assembleia. Nós estamos propondo, como base de trabalho, a ideia de que essas “inércias” linguísticas são, com efeito, a expressão de escolhas conscientes ou inconscientes que deixam transparecer a personalidade do pregador.

Uma última consideração sobre a função conotativa expressa nos vocativos e imperativos nos permite formar uma visão a respeito do tipo de argumentação escolhido na impostação da homilia. Revendo nossa homilia, perguntemo-nos: a força de persuasão alavanca a coerência do discurso (problema — argumentação — solução), a demonstração da verdade (aquilo que não é verdade põe em evidência a verdade), a emoção (sentimento de alegria, de dor), a lógica das perdas e ganhos, a relação pessoal com Deus, caracterizada pelo amor e pela Aliança?

Descobrindo a justificação que está na base de nossos vocativos/interpelações e imperativos, podemos nos dar conta se a nossa homilia é predominantemente discurso teológico, atualização, iniciação, moral.

 

2.4. Função referencial

A função referencial põe em evidência todas as informações que, na mensagem, dizem respeito a um contexto preciso: na homilia, procuramos os argumentos que se referem a um saber determinado. Podemos considerar a função referencial sob dois aspectos. Em primeiro lugar, ela nos faz refletir sobre a “situação” da comunicação homilética. Entendemos por situação o conjunto de circunstâncias em que ocorre a comunicação: o espaço material (igreja — acústica — disposição dos bancos — ruídos), o ambiente circunstante (tempo — horário), a identidade dos que estão presentes (assembleia apenas de crianças, ou de adultos, ou mista), os acontecimentos históricos gerais, paroquiais e familiares recentes dos quais se está ainda vivendo as consequências.

Observemos, em nossa homilia, as informações que nos revelam nosso interesse pelos fatores espaciais, temporais e históricos de nossa assembleia no momento em que esta se torna auditório de nosso discurso. Se não há frases ou acenos particulares à situação concreta, é preciso pelo menos interrogar-se se alguns desses critérios foram levados em consideração na preparação global da homilia: breve para uma circunstância alegre; mais longa porque a comunidade deve viver um momento particular; alusão direta ou indireta à situação histórica geral ou particular.

A função referencial, em seu aspecto de “situação”, informa-nos se a nossa homilia não é genérica, mas preparada levando em conta as coordenadas históricas e espaço-temporais da assembleia.

O segundo aspecto da função referencial nos dá a maneira de avaliar aquilo que escolhemos e queremos que a assembleia saiba por meio da pregação. Frases como: “Celebramos hoje a jornada de oração pelas vocações”, “para o dia das missões recolhemos…”, “essa palavra que usamos deriva do grego e significa…”, “o dogma da encarnação significa…” são de caráter referencial/informativo.

Estendendo a toda a homilia a reflexão de caráter informativo, devemos incluir a explicação catequética, dogmática e teológica, tendo sempre em conta que o critério de verificabilidade das nossas afirmações é dado pela fé, que é a garantia do nosso falar.

 

2.5. Função metalinguística

A função metalinguística serve ao emissor e ao receptor para verificar se usam ambos o mesmo código: o pregador se preocupa com que a sua palavra seja entendida pelo receptor no mesmo sentido dado por ele ao pregar. Frases como: “Quando dizemos…, queremos nos referir a…”, “usamos a palavra bem-aventurança no sentido evangélico, não como…”, “devemos nos pôr de acordo quando falamos ‘participação ativa’”, “quando digo…, entendo esse termo com um sentido diferente do uso ordinário” são de caráter metalinguístico porque contêm a preocupação de fazer-se entender e também de explicar o termo ou a frase utilizada.

Preocupar-se em fazer definições claras e simples em nossa homilia significa desejar uma comunicação de qualidade e querer que a assembleia entenda nosso discurso.

Devemos perseguir uma mútua compreensão entre pregador e fiéis em relação ao sentido no qual entender, sejam os termos religiosos, sejam os termos do falar corrente. É melhor uma definição a mais que esclareça o significado de nossa palavra do que uma série de afirmações ligadas a um termo, que se pressupõe entendido por todos, enquanto cada um compreende como achar melhor, com o risco de incomunicabilidade. A falta absoluta da função metalinguística na homilia pode ser indício de uma avaliação incorreta do nível de compreensão da assembleia: aquilo que é claro para o pregador não é automaticamente claro para ela.

 

2.6. Função fática

A função fática serve para estabelecer e pedir a atenção dos receptores: o pregador deseja captar e ter a atenção da assembleia. Frases como: “Vocês estão me acompanhando ou não?”, “o que vocês pensam disso?”, “estejam bem atentos”, “gostaria que vocês prestassem bem atenção nisso”; “me expliquei ou devo dizer em outros termos?”; “façamos o esforço de compreender juntos” estão na função fática, porque servem para chamar a atenção da assembleia.

Observemos, em nossa homilia, as expressões que revelam nossa preocupação em ter a atenção do auditório. O pregador atento ao efeito de suas palavras sabe que pode escolher entre um pedido de atenção explícito ou um mais indireto.

O pedido de atenção indireto consiste em levar em conta as leis da percepção e, portanto, recordar-se que, depois de cinco minutos de homilia, a atenção diminui progressivamente; no uso de frases breves sem muitos incisos e sem frases subordinadas; em um estilo que sabe variar entre reflexão, informação, exortação e apelo moral.

A presença ou a ausência da função fática em nossa homilia indicam em que medida consideramos as reações do público ao nosso discurso.

 

3. Conclusão

Observando as várias funções do texto linguístico, detivemo-nos um pouco nos diversos elementos que entram em jogo na comunicação homilética. Ao final de nossa análise, retomemos o texto da homilia, nos pontos em que destacamos as diversas funções. Demos atenção a elas porque não é fácil realizar uma homilia em uma só função: seria um discurso mutilado. Geralmente todas as funções estão presentes, mesmo que em grau quantitativo diferente: pode-se constatar até mesmo uma “hierarquia” das funções. Uma homilia será diferente da outra em razão da dosagem particular que põe em evidência essa ou aquela função.

A utilidade prática da análise que propomos se pode resumir em duas vantagens:

a) avaliando frequentemente as diversas funções, damo-nos conta de alguns mecanismos que não são o conteúdo, mas podem incidir sobre ele;

b) prestando atenção na variação das funções ao elaborar a homilia, talvez nos preocupemos mais com todos os aspectos da comunicação.

 

A perspectiva limitada e talvez um pouco técnica de nossa intervenção não pretende ser uma receita maravilhosa nem enfocar somente considerações sobre a habilidade no uso da palavra. Guia-nos a preocupação do papa Paulo VI expressa na encíclica Ecclesiam Suam:

Devemos voltar ao estudo não já da eloquência humana ou da retórica vã, mas da arte genuína da palavra sagrada. Devemos procurar as leis da sua simplicidade e da sua limpidez, da sua força e da autoridade para vencer a natural imperícia no emprego de tão alto e misterioso instrumento espiritual, o qual é a palavra, e para competir nobremente com tantos que hoje têm larguíssimo influxo com a palavra mediante o acesso às tribunas da opinião pública (51-52).

Pe. Silvio Sassi, ssp