Todos comeram e ficaram saciados: O milagre da multiplicação dos pães
O leitor sabe que para se arrear um burro manhoso é preciso ser muito prudente. Só chegando do lado certo e com bons modos é que se consegue evitar o coice.
Comecei falando de burro, porque o milagre da multiplicação dos pães, de Mc 6,30-44, tem-lhe certa semelhança. Se errarmos o lado de chegar ao texto, jamais conseguiremos dominá-lo. O melhor é dar umas voltas ao seu redor, com paciência, observando o jeito certo para começar a entendê-lo.
Se o leitor me permite, gostaria de lhe dar uma mão no caso deste “burro”. Creio que devemos fazer seis coisas:
1. A primeira é uma leitura de Mc 6,30-44. Mas não aquela leitura mal acostumada, onde vemos tudo o que está em nossa cabeça, mas não se enxerga uma linha do próprio texto. E é preciso ler mais de uma vez. Já disse um especialista no assunto que, “aqueles que não releem são obrigados a ler sempre e em todos os textos a mesma história”[1].
2. Em seguida, aproveitando enquanto a Bíblia está aberta, leremos mais cinco textos onde aparecem outros relatos da multiplicação dos pães. No próprio Marcos e nos outros evangelhos. Aí, já estaremos com muitos elementos para abordarmos o texto pela comparação dos vários modos de contar de cada evangelista.
3. Agora é a hora certa de se perguntar a Marcos por que ele contou este episódio neste lugar do evangelho. Afastando-nos um pouco e olhando mais de longe, verificaremos o plano geral do evangelho de Marcos e o contexto em que está o milagre em questão.
4. Por falar em milagre, é bem possível que houvesse naquele tempo uma maneira costumeira de contar um fato desse tipo, diferente, por exemplo, do modo de contá-lo hoje em dia. Ver isso pode ser nossa quarta tarefa.
5. Mas agora não podemos mais parar. É preciso perguntar imediatamente: o que se esconde por detrás deste modo de contar? Ou, qual é o recado que Marcos quer dar ao seu leitor?
6. Só então, depois de tantas voltas ao redor do “burro”, é que talvez possamos descobrir o sentido do texto para nós, leitores a quase dois mil anos de distância. Vamos lá?
1. Qual é o assunto do texto?
Bíblia aberta em Mc 6,30-44, você pode verificar que:
A) Os APÓSTOLOS chegam de uma missão, vão com Jesus, de barco, para UM LUGAR DESERTO a fim de descansarem, mas são PRECEDIDOS pela multidão. Jesus tem compaixão daquelas pessoas e começa a ENSINAR-LHES muitas coisas, porque elas são como OVELHAS SEM PASTOR.
B) Sendo já tarde, os discípulos querem despedi-las para que se alimentem. Jesus manda que eles mesmos LHES DEEM DE COMER, ao que retrucam que gastariam duzentos denários para COMPRAR pão para tanta gente. Verificando, porém, que tinham consigo CINCO PÃES e DOIS PEIXES, acomodam a multidão no chão, em grupos de CEM e de CINQUENTA. Jesus toma os pães e os peixes, ELEVA OS OLHOS AO CÉU, ABENÇOA E PARTE os pães. São os discípulos que os DISTRIBUEM à multidão. Os peixes são igualmente repartidos entre todos.
A’) TODOS COMERAM E FICARAM SACIADOS. E ainda recolheram DOZE cestos cheios de pedaços de pão e peixes. Eram, os que comeram, CINCO MIL HOMENS.
Chamam a nossa atenção, neste resumo do texto, duas coisas: as palavras em maiúsculo, que destacam coisas importantes, e a sequência A-B-A’.
A sequência A-B-A’ é uma maneira de o leitor perceber o projeto de construção do texto. É uma tentativa de encontrar aquilo que os biblistas chamam de estrutura do texto.
Parece que temos aqui três blocos, cada um composto de duas cenas, onde a intervenção de Jesus como pastor (A) transforma a fome/escassez (B) em saciedade/abundância (A’). Assim:
A) vv. 30-34: a chegada de Jesus como pastor
1ª cena: os apóstolos chegam, saem com Jesus para um lugar deserto e são precedidos pela multidão.
2ª cena: Jesus desembarca, tem compaixão e ensina à multidão.
B) vv. 35-41: a fome do povo e a escassez de alimento
1ª cena: constatação da fome e da escassez.
2ª cena: distribuição dos poucos pães e peixes.
A’) vv. 42-44: a saciedade da multidão e a abundância de alimento
1ª cena: cinco mil homens comem e ficam saciados.
2ª cena: sobram ainda doze cestos de pão e peixe.
2. Os outros relatos de multiplicação dos pães
Agora, após a leitura de nosso texto, podemos confrontá-lo com outros cinco relatos de multiplicação dos pães existentes nos evangelhos.
Mc 8,1-10 traz outra multiplicação dos pães. À primeira vista, é bastante parecida com a que acabamos de ler, mas há algumas diferenças. As maiores são:
— Jesus tem compaixão da multidão porque ela NÃO TEM O QUE COMER;
— os discípulos têm SETE pães e ALGUNS peixinhos;
— são recolhidos SETE cestos;
— os que comeram eram CERCA DE QUATRO MIL.
Mt 14,13-21 narra a multiplicação dos pães de modo muito parecido com Mc 6,30-44. São cinco pães e dois peixes, recolhem doze cestos de pedaços etc. Entretanto, observamos:
— Jesus tem compaixão da multidão e CURA SEUS DOENTES;
— os que comeram eram CERCA de cinco mil, sem contar mulheres e crianças.
Já Mt 15,32-39 apresenta uma segunda multiplicação dos pães, muito parecida com o segundo texto de Marcos (8,1-10): sete pães e alguns peixinhos, são recolhidos sete cestos e eram, os que comeram, quatro mil homens.
Paciência, leitor, pois falta pouco, e dessa aparente confusão vamos tirar alguma conclusão.
O próximo é Lc 9,10-17, onde conseguimos encontrar o texto mais parecido, entre todos, com Mc 6,30-44:
— como em Marcos, os apóstolos chegam da missão (em Mt eles são chamados de discípulos);
— Jesus falou à multidão do Reino de Deus e curou os doentes;
— os discípulos tinham cinco pães e dois peixes;
— a multidão acomoda-se em grupos de cinquenta (Mt não especifica a divisão dos grupos);
— são recolhidos doze cestos de pedaços;
— os que comeram eram quase cinco mil homens.
Finalmente, o último texto, o de Jo 6,1-13, parece conter elementos da 1ª e da 2ª multiplicação dos pães. Menciona os DUZENTOS DENÁRIOS, os CINCO pães e DOIS peixinhos, o recolhimento de DOZE cestos e o número de APROXIMADAMENTE CINCO MIL HOMENS. Mas nada diz, por exemplo, sobre o ensinamento ou as curas, nem menciona os grupos de cem e cinquenta pessoas.
Com este panorama, já podemos ver como os seis textos em questão se relacionam em suas semelhanças e diferenças:
1ª multiplicação 2ª multiplicação
Mc 6 → Lc 9 → Mt 14 Mc 8 → Mt 15
↘ ↙
síntese da 1ª e 2ª
Jo 6
Os especialistas, hoje são unânimes em afirmar que há um só relato na origem destes textos todos. Sabe-se que era muito comum as comunidades diversificarem os relatos orais de suas confissões de fé em Jesus, de tal modo que o evangelista Marcos, recolhendo a tradição querigmática cerca de quarenta anos após o acontecimento, conta-se duas vezes o mesmo caso. Atestam-no, pelo menos, as semelhanças entre Mc 6 e Mc 8 e a pergunta dos discípulos em Mc 8,4: “Como poderia alguém, aqui num deserto, saciar com pão a tanta gente?” Que sentido teria ela se isto já tivesse sido feito anteriormente?
As diferenças entre a 1ª e a 2ª são perfeitamente explicáveis pelas ampliações ocorridas no decurso da tradição oral.
Já Lucas e Mateus dependem grandemente de Marcos, usado por eles como fonte, enquanto João, o último a escrever, pôde fazer uma síntese dos vários elementos[2].
Olhando ainda um pouquinho para os dois textos de Marcos (Mc 6 e 8), verificaremos que os especialistas arriscam uma hipótese interessante sobre a origem deste duplo relato.
Observaram que Marcos usa, em grego, duas palavras para os cestos onde são recolhidas as sobras:
— Mc 6,43: kófinos: cesto;
— Mc 8,8: spyrís: cesta.
Acontece que os judeus usavam mais o primeiro e os gregos (= gentios, não judeus), o segundo termo.
Outra coisa: Mc 6 fala de doze cestos, enquanto Mc 8 fala de sete cestas e também de sete pães. Pode ser mera coincidência, já que o número sete se presta, na Bíblia, a muitas significações, mas a evangelização dos gentios começou com o grupo dos “sete”, escolhidos pelos discípulos especialmente para isso (At 6,1-6).
Além disso, o acontecimento de Mc 8 foi colocado em território gentio, na região da Decápole, como indica Mc 7,31, enquanto o de Mc 6 se passa em território judeu.
Disso, e de duas ou três coisas mais, decorre a hipótese de que falávamos: a primeira multiplicação representa uma tradição amadurecida em ambiente judaico-cristão, enquanto a segunda desenvolveu-se em um ambiente gentílico-cristão, ou seja, em comunidades de língua grega[3].
3. Quem é Jesus?
Chegou a hora de perguntarmos a Marcos por que ele colocou este episódio da multiplicação dos pães neste ponto de seu evangelho, no capítulo 6. Só assim saberemos o que ele pretendia com isso.
Olhando o evangelho de Marcos, uma coisa logo chama a nossa atenção. Ainda no seu início, em Mc 1,21-22, diz o texto que Jesus ensinava na sinagoga de Cafarnaum. Os seus ouvintes ficaram encantados com o seu ensinamento. E logo no v. 23 o texto passa a contar uma ação de Jesus.
E o que é que ele ensinava? O texto não diz. Mas o interessante é que casos como este vão se repetir por todo o evangelho (por exemplo, em Mc 2,13; 4,1; 6,2.6.34). Só a partir de 8,31 é que se indica o conteúdo deste ensinamento, mesmo assim só para os discípulos.
O que significa isto?
É que Marcos, ao contrário de Mateus e Lucas, preocupa-se muito mais com a prática de Jesus do que com o seu discurso. A narração de Marcos não é, na verdade, uma coleção de “palavras” ou de “discursos” de Jesus, mas a exposição de suas práticas e estratégias. Para Marcos o ensinamento de Jesus é a sua própria prática. Jesus ensina fazendo.
Então, para entendermos Marcos é bom que nos preocupemos com as atitudes de Jesus e com a reação daqueles que se movimentam ao seu redor.
As ações de Jesus vão suscitando, em seus ouvintes (a multidão, os discípulos e os inimigos), três perguntas fundamentais:
— Quem é Jesus?
— Com que autoridade ele faz estas coisas?
— Será que chegou o momento da intervenção definitiva de Deus na história?
E aí podemos perceber como todo o evangelho é construído na forma de uma escada, onde cada degrau vai respondendo, pouco a pouco, a duas grandes questões, que dividem o texto em dois lances:
1º) Quem é Jesus?
— Mc 8,29: “Tu és o Messias (o Cristo)”
2º) Que tipo de Messias ele é?
— Mc 8,31-33; 9,30-32; 10,32-34: um Messias que sofre e morre na cruz, mas ressuscita.
O evangelho de Marcos pode ser esquematizado assim:
3.1. 1º lance da escada: Quem é Jesus?
1,1: título do livro: evangelho de Jesus Cristo.
1,2-15: o caminho de Jesus: Galileia-Judeia-Galileia.
1,16-45: um dia de Jesus na Galileia.
2,1-3,6: Jesus versus escribas e fariseus: rejeição da ideologia judaica.
3,7-8,30: os discípulos compreendem que Jesus é o Messias.
3.2. 2º lance da escada: Que tipo de Messias ele é?
8,31-10,52: a subida a Jerusalém: um Messias diferente.
11,1-13,37: Jesus prega, em Jerusalém, o fim do judaísmo.
14,1-16,8: Jesus é condenado como subversivo morre na cruz e ressuscita.
3.3. Junção dos dois lances da escada
8,29: o Messias.
Agora podemos entender a função da multiplicação dos pães neste lugar do evangelho: Jesus quer fazer os discípulos compreenderem que ele é o Messias.
Há, em Mc 8,14-21, um episódio que confirma esta ideia: utilizando a metáfora do fermento para falar do perigo da ideologia dos fariseus e de Herodes, e não sendo compreendido pelos discípulos, Jesus procura analisar, com eles, a multiplicação dos pães. E os repreende, pois eles não tinham entendido que quem tem o poder de alimentar tanta gente e ainda faz sobrar grande quantidade só pode ser o Messias.
4. Jesus fez mesmo o milagre?
Uma ideia que já deve estar passeando pela cabeça do leitor, nesta altura dos acontecimentos, é a de que estamos falando muito do texto, do que Marcos fez ou não fez, mas não foi dita uma palavra sequer sobre o milagre em si mesmo: Jesus multiplicou mesmo os pães e os peixes?
Lamento decepcioná-lo, caro leitor, mas a sua dúvida, colocada de forma assim tão direta, não tem solução. É o caso do burro, lembra-se? Vamos, para chegar nele, andar, de novo, ao seu redor.
Chamo a sua atenção para uma coisa inquietante, presente nos textos, em todos os seis, sobre a multiplicação dos pães: em momento algum, nenhum deles fala de uma multiplicação dos pães. Fala, isto sim, de uma superabundância de alimento tirada da escassez reinante.
E não é sem motivo. Na mentalidade dos primeiros cristãos, assim como na dos judeus em geral, milagre não é algo acima ou contra as leis da natureza, como costumamos pensar. Milagre não é aquele fato definitivo e assustador que prova alguma coisa. Por sinal, este tipo de “prova” é rejeitado por Jesus em Mc 8,11-13 e em Mc 13,21-22. Milagre não prova nada. Pode até ser o contrário, ser sinal do mal, como suspeitam os escribas, de Jesus, em Mc 3,22.
Através de todos os evangelhos, verifica-se que o milagre é um sinal. E que exige fé para ser aceito como sinal. Não é o fato em si que está em primeiro plano, é o seu significado. É a pergunta clássica: uma rosa é apenas uma rosa?
Os sinais messiânicos — assim devem ser lidos os milagres — não violam nenhuma “lei da natureza”, segundo os evangelhos. Mesmo porque ninguém suspeitava, naquele tempo, da existência de leis da natureza. Para o judeu, a própria vida — seu nascimento e sua permanência — é o maior milagre, o maior sinal da ação de Deus na história.
Assim, voltamos a Marcos. Mais uma vez é ele quem nos esclarece: você percebeu que os relatos de milagres estão quase todos na primeira parte do evangelho? Pois confira. Só há dois milagres após 8,29, quando Pedro confessa que Jesus é o Messias. São os textos de Mc 9,14-29 e Mc 10,46-52. Mesmo assim, ambos têm relação óbvia com a confissão de fé dos discípulos.
A primeira parte, porém, nos transmite dezessete milagres. Se você está pensando nos acontecimentos de Jerusalém como miraculosos, desista. Em Jerusalém não acontece milagre algum, pois a figueira seca e o encontro do jumentinho são de outra categoria, são atos proféticos. E, finalmente, os fenômenos que acompanham a morte de Jesus não pertencem ao gênero literário dos milagres[4].
Ora, os milagres em Marcos servem para provocar a questão básica: quem é Jesus? E esta leva à confissão de Pedro em 8,29: “Tu és o Messias”. Depois disso, eles não são mais necessários.
5. O recado de Marcos
Pois bem, se Marcos não quer nos mostrar “uma coisa do outro mundo”, qual é então o seu recado? Vamos tratar disso agora.
O ponto é este: Jesus é o Messias. Mas, ainda fica obscuro: o que tem a ver o Messias com a transformação da escassez em abundância, da fome do povo em saciedade?
Neste instante, somos convidados a dar um passeio pelo Antigo Testamento e pelo judaísmo, para tirar essa dúvida.
A esperança messiânica compreendia que a intervenção definitiva de Deus na história resolveria de uma vez por todas os problemas enfrentados pelo povo israelita em sua atribulada caminhada. O Messias seria o libertador da opressão, da miséria, da fome, da doença, da desgraça, da pobreza, da morte.
O judaísmo o descrevia como um novo Moisés, aquele que repetiria o milagre do maná, aquele que transformaria, no deserto, a fome em saciedade. Quanta semelhança com o nosso texto, não?
E há realmente muitos elementos em Mc 6 que apontam nesta direção:
— O lugar deserto lembra o ambiente do êxodo e do maná.
— Jesus teve compaixão, porque o povo estava como ovelhas sem pastor: no AT os lideres de Israel são chamados habitualmente de pastores do povo e são duramente criticados pelos profetas por pastorearem a si mesmos e abandonarem seu rebanho. Marcos apresenta Jesus como o verdadeiro pastor do povo abandonado (lembro a você que, em Marcos, o poder político é sempre apresentado como repressivo e sanguinário, portador da morte: cf. Mc 6,14-29; 14,1-2.55-65; 15,1-15.23-41).
— Os discípulos falam em comprar, Jesus fala em dar: o Messias opera uma verdadeira subversão do sistema econômico corrente, uma radical negação do sistema de mercado através do dinheiro e uma defesa do sistema de partilha. Puxa o tapete do sistema de classes daquela sociedade, onde muitos passam fome, mas só alguns detêm toda a riqueza e o poder. Essa distribuição entre todos, esse compartilhar do alimento, operado pelo Messias, se relaciona com a memória histórica do tempo do êxodo, com um povo em processo de libertação, com a lembrança de uma sociedade sem um sistema social tão estratificado, onde todos produzem e todos consomem, como era a sociedade tribal seminômade.
— A divisão dos homens em grupos de cem e cinquenta (antiga divisão militar israelita: por isso Marcos só fala em homens) era considerada no judaísmo como a que seria feita no momento da intervenção do Messias em Israel.
Mas há ainda outra questão: normalmente este texto é lido em relação com a celebração da eucaristia. Esta leitura é correta?
O v. 41 é o elemento central dessa leitura: Jesus “elevou os olhos ao céu, abençoou e partiu os pães e deu-os aos discípulos para que os distribuíssem”.
Essa sequência de gestos era, no judaísmo, a que realizava o pai de família à mesa: orava, elevando os olhos ao céu, abençoava, partia o pão e o distribuía aos comensais. Gestos usados por Jesus na última ceia.
O que parece ter acontecido com a tradição sobre a multiplicação dos pães foi o seguinte: a comunidade primitiva transmitia o episódio no contexto de uma catequese eucarística, como recurso para recordar a sua missão. São os “apóstolos” (= enviados) que estão com Jesus e são eles que distribuem o alimento. A comunidade prossegue a sua tarefa.
“Assim a comunidade que se reúne para participar do pão, recorda o milagre de Jesus alimentando a multidão e encontra nisso a definição do que ela é chamada a ser: o povo de Deus do fim dos tempos, reunido em torno do novo Moisés, pelo ministério apostólico”[5].
6. Hoje a fome mata demais
Assim a leitura deste texto, em nossa comunidade cristã, está mais do que atualizada. A pregação desta boa-nova, por aqueles que creem no Cristo, como nós, é urgentíssima: neste imenso país, como de um modo geral no Terceiro Mundo, estão morrendo de fome milhares de pessoas. Basta verificarmos os insuspeitos dados da ONU e de dezenas de outras organizações competentes. Dados que duramente nos recordam que morre tanta gente não exatamente por falta de recursos do planeta, por falta de terra onde plantar, por pouco alimento produzido. Morre o nosso contemporâneo, o nosso compatriota, o nosso vizinho, o nosso próximo porque a ganância corre solta, o lucro não tem freios, os recursos de sobrevivência estão concentrados nas mãos de poucos homens.
E nós, e você, caro leitor, o que estamos fazendo para concretizar, de verdade, a missão que Cristo nos legou?
[1] R. Barthes. SIZ. Trad. do francês de Udia Lonzi. Torino: Einaudi, 1973, p. 20.
[2] Cf. um interessante questionário sobre as semelhanças e diferenças entre Mc 6 e 8 em AI. Weiser (O que é milagre na Bíblia. Trad. do alemão de D. Mateus Rocha. São Paulo, Paulinas, 1978, p. 57).
[3] Cf. J. Delorme. “Leitura do evangelho de Marcos”. Trad. do francês de Benôni Lemos. Cadernos Bíblicos. São Paulo: Paulinas, nº 11, 1982, pp. 76-81. Aliás, recomendo àqueles que desejarem um guia seguro para a leitura de Marcos, este pequeno livro (146 páginas).
[4] Cf. para a questão do milagre, VV.AA. Os milagres do Evangelho. Trad. do francês de Álvaro Cunha. São Paulo: Paulinas, 1982. Para a lista dos milagres de Marcos, cf. as pp. 47-48.
[5] L. Delorme, op. cit., p. 75; servi-me também, para comparar vários elementos deste caso e hipóteses de especialistas, de um texto de De La Potterie (Exegesis synopticorum. Sectio panum in evangelio Marci (6,6-8,33), Curso do Pont. Instituto Bíblico, Roma 1971-72).
Airton José da Silva