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Publicado em número 238 - (pp. 3-10)

Sonhar de novo Introdução ao livro do Segundo Isaías (Is 40-55)

Por Maria Antônia Marques

Era uma noite fria e estava garoando. Por volta das 22 horas, ao terminar o encontro bíblico na comunidade São Marcos, situada na zona leste de São Paulo, retornávamos para a zona sul, região de Santo Amaro. No caminho, antes de entrar numa grande avenida, enquanto esperávamos o semáforo abrir, aproximou-se uma criança pedindo uma moedinha. A frágil menina devia ter entre 5 e 6 anos. Demos-lhe o lanche que recebemos no encontro, e a menina saiu correndo. Olhamos pelo retrovisor do carro e vimos uma cena impressionante. Em vez de comer, ela foi dividi-lo com outras crianças.

 

Na fragilidade e nos pequenos gestos vemos a chama da vida ser alimentada. Ao nosso redor, no dia a dia, constatamos o crescimento do número de pessoas empobrecidas. Nos ônibus e nas rodoviárias, nas ruas e avenidas, nas portas das igrejas e de nossas casas, na feira e nos supermercados, a todo o momento deparamos com pedintes nas mais diversas situações. São as exiladas e os exilados de hoje.

Na vida, como na Bíblia, encontramos muitas situações de exílio. No livro de Isaías lemos: “O povo de Javé é um povo espoliado e roubado, todos presos em cavernas, trancados em prisões. Era saqueado, e ninguém o libertava; despojado, e ninguém dizia: ‘Devolvam isso’” (Is 42,22).

O livro de Isaías é formado por um conjunto de 66 capítulos. Aí encontramos três livretes que, embora de épocas e autores diferentes, têm em comum as situações de opressão. Vejamos:

Primeiro Isaías (1-39). Esta profecia é do século VIII a.C. O grupo enfrenta conflitos com a monarquia e com o império assírio.

Segundo Isaías (40-55). No contexto do exílio, por volta de 540 a.C., o povo vive sob a tirania do império babilônico.

Terceiro Isaías (56-66). Surge em Judá, entre os anos 520 e 450 a.C. No processo de reconstrução de Jerusalém, o grupo profético denuncia a corrupção e a exploração das elites judaicas e do império persa.

 

Este artigo oferece algumas pistas para ajudar a entender e conhecer, um pouco mais, o chão de onde brotou o grito de fé e esperança do grupo profético do Segundo Isaías. Vamos pisar nessa terra para compreender melhor a sua mensagem.

 

1. Contexto histórico

A profecia do Segundo Isaías surgiu no final do exílio da Babilônia, por volta de 540 a.C. Vamos retomar os acontecimentos que provocaram as deportações do povo de Israel. Voltemos um pouco no tempo. Em 602 a.C., o rei Joaquim se recusa a pagar tributo para a Babilônia. Alguns anos mais tarde, em 598 a.C., o exército babilônico marcha contra Judá e cerca a cidade. Nesse tempo, o rei adoece e morre, e seu filho, Joaquin (Jeconias), é colocado no trono (cf. 2Rs 24,8).

O rei Joaquin segue a mesma política de seu pai. Em 597 a.C., Nabucodonosor, imperador da Babilônia, com seus oficiais tomam a cidade de Jerusalém (cf. 2Rs 24,1-17). Os dirigentes de Jerusalém são deportados para a Babilônia. Nesse grupo está o rei, sua família, os altos funcionários, os artesãos de Jerusalém, a aristocracia militar e os sacerdotes oficiais, entre eles Ezequiel (cf. 2Rs 24,12-16; Ez 1,1-3). É a primeira deportação.

As pessoas da primeira deportação são assentadas em pequenas colônias, podendo assim manter seus costumes e a esperança de voltar em breve. Para governar Judá, os babilônios escolhem Matanias, mudando-lhe o nome para Sedecias (cf. 2Rs 24,17). Este, apesar das advertências de Jeremias de que ir contra o jugo da Babilônia é pôr a vida do povo em risco (cf. Jr 27,16-17; 28,14), rebela-se contra a Babilônia em 589 a.C. Nabucodonosor sitia Jerusalém e, um ano e meio depois, entra na cidade.

Sedecias tenta fugir, mas é preso, obrigado a assistir à execução de seus filhos, tem os olhos furados e, finalmente, é levado para a Babilônia (cf. 2Rs 25,6- 7; Jr 52,9-11). Essa segunda invasão a Jerusalém é uma catástrofe: a cidade é destruída e o templo saqueado, profanado e incendiado. Alguns cantores do templo, trabalhadores civis, pequenos comerciantes e artesãos são levados para a Babilônia (cf. Jr 52,28-32). Esse grupo sofre mais com a tirania do império: é tratado como escravo e despojo de guerra. É a segunda deportação.

Em Judá fica a população camponesa e alguns cidadãos de Jerusalém (cf. 2Rs 25,12; Jr 52,16). Os babilônios nomeiam Godolias, um cidadão de Jerusalém, sem ligação com a monarquia, para governar Judá. Jeremias, em vista da sobrevivência do povo, faz aliança com o novo governador (cf. 2Rs 25,22; Jr 40,6). Masfá passa a ser a nova capital (cf. 1Sm 7,5-6).

Jeremias e Godolias procuram reconstruir a vida do povo pobre fazendo uma redistribuição da terra. A vida começa a prosperar, chegando-se a fazer colheita abundante (cf. Jr 40,11-12). Mas um grupo ligado à monarquia mata Godolias e foge para Amon (cf. Jr 41,1-3). Em 582 a.C., muitas pessoas, com medo de uma represália da Babilônia, fogem para o Egito (cf. 2Rs 25,22-26; Jr 52,15). Novamente os poderosos põem a vida do povo em risco. É a terceira deportação.

As deportações dão origem a diferentes grupos sociais.

1ª deportação: 597 a.C. O rei, a nobreza, os sacerdotes e profetas oficiais, entre eles Ezequiel, são levados para a Babilônia. Poucos anos depois, esse grupo ganha semiliberdade e alguns conseguem altos cargos na administração persa. Em Jerusalém, Sedecias é imposto como o novo rei. A maioria da população continua na cidade e no interior de Judá.

deportação: 587 a.C. Além do rei e das pessoas ligadas à corte, são levadas para a Babilônia as pessoas que trabalham no templo, entre as quais o grupo de cantores, artesãos, pequenos comerciantes, agricultores e viticultores (2Rs 25,11-12). Esse grupo é tratado como escravo. No interior de Judá permanece a maioria da população, sob a liderança de Jeremias e Godolias.

3ª deportação: 582 a.C. Pessoas ligadas a Godolias e Jeremias.

 

O grupo do Segundo Isaías representa a voz dos pobres. A profecia desse livro procura reunir e organizar o povo na resistência contra o opressor. Em cada uma de suas páginas há sinais de esperança e, ao mesmo tempo, a insistência em afirmar que Javé está do lado das pessoas pobres e enfraquecidas. O objetivo do Segundo Isaías é levantar o ânimo e a autoestima das pessoas que se encontram exiladas na Babilônia. Vamos dar mais um passo em nossa caminhada e ver os possíveis autores e destinatárias(os).

 

2. Segundo Isaías: autoria e destinatárias(os)

Esse livro pode ter nascido entre os cantores do templo, formado por sacerdotes levitas, que provavelmente são exilados na segunda deportação (587 a.C.). Vejamos um pouco da história dos sacerdotes levitas.

Nos inícios da formação do povo de Israel, os levitas são uma espécie de pregadores itinerantes que ajudam na organização de uma sociedade igualitária, procurando manter as Leis que garantem a solidariedade com as pessoas mais pobres.

Na monarquia, os levitas entram em conflito com os reis, sendo expulsos no tempo de Salomão (cf. 1Rs 2,26-27). Sadoc, um sacerdote estrangeiro, é consolidado como chefe do templo (cf. 1Rs 2,35). A partir desse momento, surgem dois tipos de sacerdotes: os levitas, que atuam no interior, procurando preservar a tradição tribal; e os sadoquitas, que apoiam a monarquia e controlam o templo de Jerusalém.

No tempo de Josias (640-609 a.C.), os levitas do interior são trazidos à força para Jerusalém. Aqueles que não aceitam são destituídos e perseguidos — e alguns são mortos (cf. 2Rs 23,8-9). Em Jerusalém, os levitas são considerados sacerdotes de segunda categoria. Na segunda deportação, muitos levitas são levados para a Babilônia, enquanto outros ficam nos arredores da cidade de Jerusalém e no interior de Judá. No exílio, esse grupo dá origem ao Segundo Isaías.

O domínio da Babilônia dura pouco tempo. É um império rodeado por vários povos inimigos. As guerras são constantes. Para complicar a situação, há muitos conflitos internos, especialmente quanto à questão religiosa. Marduk, representado pelo sol, é considerado a divindade suprema. O rei Nabônides, adorador da divindade Siri, simbolizada pela lua, tenta elevá-la à categoria de divindade oficial. Essa atitude gera revolta e descontentamento entre os sacerdotes e os adoradores de Marduk.

A situação econômica é assustadora. As guerras e as grandes construções dos reis fazem os preços subirem muito: 50% entre os anos 560 e 550 a.C. Nos anos seguintes o custo de vida se torna pior, chegando a subir 200%. O campo fica abandonado. A principal vítima dessa crise é a população pobre, especialmente a maioria exilada, que trabalha como mão de obra semiescrava na agricultura e em obras públicas ou está confinada em prisões.

Por volta de 550 a.C., Ciro se torna a principal ameaça para a Babilônia. A aproximação desse imperador faz reacender a esperança entre os grupos de judeus exilados na Babilônia. É bom lembrar que os persas têm estratégia política diferente dos babilônios. Eles mantêm os povos dominados em sua própria terra, concedendo-lhes liberdade religiosa e cultural, mas em troca exigem a submissão política e o pagamento de impostos.

Com o avanço dos persas, o grupo profético do Segundo Isaías sente-se esperançoso. Em sua profecia transparece grande entusiasmo com a possibilidade de o império babilônico ser derrotado e o exílio chegar ao fim por meio de Ciro, a ponto de esse grupo anunciar: “Assim diz Javé a Ciro, o seu ungido, que ele tomou pela mão: Dobrarei as nações diante dele e desarmarei os reis; abrirei diante dele as portas, e os batentes não se fecharão” (Is 45,1). Ciro é chamado de justiceiro, pastor, ungido e águia (cf. Is 41,2; 44,28; 45,1; 46,11).

A mensagem desse grupo se dirige a pessoas cansadas, enfraquecidas e sem esperança (Is 40,29; 42,3), escravizadas, espoliadas, saqueadas e perseguidas (cf. Is 42,7.22; 47,6; 50,6), pobres e indigentes, necessitadas de tudo, também da água (cf. Is 41,17; 49,13; 55,1-2). Um grupo desprezado e rejeitado socialmente (cf. Is 53,3). E alguns ainda carregam o peso da religião, pois acreditam que o exílio é castigo de Deus pelo pecado (cf. Is 40,2; 42,24).

Para fortalecer a fé do povo judeu, o grupo do Segundo Isaías recupera a memória do êxodo. O seu ponto de partida é a libertação da Babilônia: o novo êxodo. A sua preocupação é reavivar a fé e a esperança entre as pessoas exiladas. É fazer sonhar de novo!

Já estamos conhecendo melhor a realidade das pessoas que receberam a mensagem do Segundo Isaías. Vamos ver como esse livro está organizado?

 

3. Um espelho do livro do Segundo Isaías

A mensagem profética do Segundo Isaías pode ser dividida em duas partes (40 a 48 e 49 a 55,5), com uma apresentação e um resumo final.

Eis o esquema do livro:

A) 40,1-11: Apresentação. Introduz os temas do novo êxodo e da Palavra de Deus.

B) 40,12-48,22: Primeira parte. A libertação e o retorno a Jerusalém, tendo como modelo o êxodo. Esta parte põe um acento especial em Javé como o Deus da história.

C) 49,1-55,5: Segunda parte. O projeto de reconstruir Jerusalém. Nesta parte predomina a figura do servo e a cidade de Jerusalém.

A’) 55,6-13: Resumo final. O poder da Palavra de Deus e a realização do novo êxodo.

 

Até aqui apresentamos alguns elementos do contexto histórico do Segundo Isaías, os possíveis autores, as pessoas destinatárias e um esquema do texto. Com o esquema do texto, vamos ler o livro e descobrir como o Segundo Isaías ajuda as pessoas exiladas a reavivar sua fé e esperança em Javé. Queremos, com esta caminhada, encontrar luzes para as nossas comunidades de hoje.

 

3.1. A) 40,1-11: Aqui está o Deus de vocês

A esperança é uma nota característica do Segundo Isaías, pois o tempo do cativeiro está no fim. Quem primeiro deve saber dessa boa notícia é Jerusalém, a esposa do Senhor: “Falem ao coração de Jerusalém, gritem para ela que já se completou o tempo da sua escravidão, que o seu crime já foi perdoado, que ela já recebeu da mão de Javé o castigo em dobro por todos os seus pecados” (Is 40,2; cf. Is 54,5-6).

As circunstâncias históricas nos possibilitam entender que a volta para Jerusalém faz parte da estratégia política dos persas de manter os povos dominados em sua própria pátria, favorecendo a sua religião em troca da submissão política. Mas as pessoas exiladas têm outra visão dos fatos: analisam o exílio como consequência do pecado de uma parcela do povo judaico, especialmente da elite. Como Israel repara o seu pecado, aliás, sofrendo mais do que o necessário (cf. Is 40,2), chega o tempo da consolação: “Consolem, consolem o meu povo, diz o Deus de vocês” (Is 40, 1).

Para sustentar a esperança das pessoas exiladas, o grupo profético afirma: “Todo ser humano é erva e toda a sua beleza é como a flor do campo: a erva seca, a flor murcha, quando sobre elas sopra o vento de Javé; a erva seca, a flor murcha, mas a palavra do nosso Deus se realiza sempre” (Is 40,6-8). As promessas de Javé se realizarão. A volta das pessoas exiladas é comparada a um rebanho conduzido por seu pastor, no amor e na ternura, em que são priorizadas pessoas fracas (cf. Is 40,11 b).

 

3.2. B) 40,12-48,22: Javé é o Senhor da história

A profecia do Segundo Isaías nos situa no fim do exílio da Babilônia. Quem fica em Judá se sente perdido, sem os seus referenciais: sem rei, sem templo e sem a terra. E os grupos que vão para a Babilônia também se sentem arrasados, sem perspectivas. As principais vítimas dos desmandos e da ambição dos dirigentes, como em todos os tempos, são as pessoas pobres.

Aqui e ali começam a surgir questionamentos contra Deus: “Por que retiras tua mão esquerda e manténs a direita escondida dentro do peito?” (Sl 74,11). O povo se sente abandonado e clama: “Não entregues para a fera a vida de tua rola. Não esqueças até o fim a vida dos teus pobres” (Sl 74,19). “Javé dos Exércitos, até quando ficarás irado enquanto o teu povo suplica?” (SI 79,5). O livro do Segundo Isaías procura mostrar que o exílio não é culpa de Deus.

 

3.2.1. O exílio não é culpa de Deus

Para as pessoas que se sentem abandonadas por Javé, o Segundo Isaías responde que não há motivos para perder a esperança, pois Deus é criador e mantém a sua fidelidade para com Israel, o povo escolhido (cf. Is 41,9). Às pessoas que acusam Javé de ser cego e surdo, o grupo profético vira a mesa, dizendo que cego e surdo são aqueles que não entendem a ação de Deus: “Surdos, escutem; cegos, olhem e vejam!” (Is 42,18).

Quem é cego e surdo? O texto afirma ser “o meu servo” (Is 42,19). O termo servo no livro do Segundo Isaías é usado para o povo, chamado de Israel ou Jacó (cf. Is 41,8; 44,1.2.21; 45,4; 49,3), para um grupo de israelitas (cf. Is 49,1-13; 52,13-53,12), para o próprio profeta (cf. Is 50,4-11) ou para Ciro, (cf. Is 44,26-28). Podemos entender a figura do servo, em Is 42,19, como o povo de Israel, especialmente um grupo da elite judaica: “Você viu muitas coisas e nada percebeu; abriu os ouvidos, e nada ouviu!” (Is 42,20).

O grupo profético se dirige às pessoas que negam a sua responsabilidade pelas desgraças do povo e acusam Deus de ser o culpado pela situação de exílio. O anúncio profético é muito claro: o exílio não é culpa de Deus, mas consequência da ambição e da ganância dos dirigentes. Isso pode ser confirmado pelo testemunho de alguns profetas daquela época: “Ai dos pastores de Israel, que são pastores de si mesmos. Vocês dominam com violência e opressão. Por falta de pastor, minhas ovelhas se espalharam e se tornaram pastos de feras selvagens” (Ez 34,2.5; cf. Jr 23,1-4).

A intenção do Segundo Isaías é ajudar o povo a criar consciência da justiça e da lei de Deus. No pensamento de quem escreve, Javé é criador e senhor da história. A sua lei é para garantir a vida. Mas, como o grupo dirigente age contra a Lei de Javé, buscando os próprios interesses, provoca conflitos com o império babilônico e causa a ruína do povo, que é “espoliado e roubado, todos presos em cavernas, trancados em prisões. Era saqueado, e ninguém o libertava; despojado, e ninguém dizia: ‘Devolvam isso’” (Is 42,22).

O sofrimento do povo exilado não é culpa de Deus, mas se trata de punição provocada pelo pecado dos dirigentes e de todas as pessoas que agem contra a Lei da vida: “Seus dirigentes profanaram o meu santuário. Por isso eu entreguei Jacó à destruição e Israel à caçoada” (Is 43,28). Essa maneira de pensar também se encontra no livro das Lamentações, escrito após a destruição do templo e da cidade, por volta de 580 a.C.: “Foi pelos erros dos profetas e pelos crimes dos sacerdotes que derramaram sangue inocente dentro da cidade. Javé os espalhou e já não cuida deles” (Lm 4,13.16a).

Aquelas e aqueles que buscam os próprios interesses provocam a destruição do povo. Assim agem os reis de Israel e todas as pessoas que aderem a este sistema. Os acontecimentos de 586 a.C., especialmente o incêndio do templo, a destruição da cidade de Jerusalém e o cativeiro, marcam profundamente a vida do povo judeu, que se sente castigado por Deus: “Então Javé despejou sobre ele todo o ardor de sua ira e o furor da guerra: as chamas dele os rodeavam, mas eles não compreenderam; eram queimados, mas nem fizeram caso” (Is 42,25).

Conforme a mentalidade daquela época, as catástrofes provocadas pelas guerras ou por fenômenos naturais são atribuídas à ira de Deus. O grupo do Segundo Isaías também pensa dessa maneira e afirma que o exílio ocorreu porque uma parte do povo foi infiel à Lei da vida. O anúncio profético tem a finalidade de fazer o povo abrir os olhos e os ouvidos para perceber a realidade e voltar para Javé: “os surdos ouvirão as palavras do livro; e os olhos do cego, libertos da escuridão e das trevas, tornarão a ver” (Is 29,18; cf. 35,5; 42,7; Jr 31,8; Sl 146,8).

 

3.2.2. Acreditar em Javé

No Oriente, tanto naquela época como nos dias de hoje, política e religião caminham juntas. Quando um império domina o outro, ele impõe suas divindades. A vitória da Babilônia é atribuída a Marduk, a principal divindade dos babilônicos, e vista como triunfo desse deus sobre Javé.

Como continuar acreditando em Javé? Afinal de contas, a divindade Marduk parece ser mais poderosa. Muitas pessoas que são levadas para a Babilônia perdem a fé em Javé. Conforme a maneira de pensar daquela época, Marduk ajuda os exércitos de Nabucodonosor a vencer. Assim, esse deus é reconhecido como mais poderoso que Javé. Além do mais, vivendo na Babilônia por tanto tempo, é natural que as pessoas assumam as práticas religiosas e sociais do novo lugar.

Na Babilônia há muitas divindades. Marduk ocupa a posição principal por ter destruído o monstro marinho e criado o mundo. O culto à deusa Sin, ao deus-sol e a deusa-planeta Ishtar também exerce muita influência sobre a vida de seus habitantes. Uma característica forte da religião da Babilônia é o encantamento e a adivinhação. Os sonhos, o movimento dos astros e dos animais, de maneira especial dos pássaros, tinham sentido. Os sábios e os sacerdotes tinham a função de interpretar os presságios celestes e dar conselhos.

Por isso, há muitas passagens em Isaías contra as práticas religiosas da Babilônia, por exemplo: “Eu sou Javé, que faço tudo: sozinho eu estendi o céu e firmei a terra. Quem estava comigo? Eu embaralho os sinais dos feiticeiros e os adivinhos ficam bobos; faço voltar atrás os que são sábios e transformo o seu conhecimento em tolice” (Is 44,24b-25). O objetivo das críticas é descrever Javé como Deus todo poderoso e superior às divindades da Babilônia (cf. Is 40,18-20; 4.4,7-11; 41,21-29).

O grupo profético do Segundo Isaías reúne as pessoas exiladas e projeta a volta para Jerusalém. O primeiro passo é reavivar a fé em Javé, Deus todo poderoso, mas ao mesmo tempo muito próximo, que chama pelo nome. Israel é chamado de “meu servo”. Esse termo supõe relação e compromisso entre as duas partes: serviço da parte do servo e o sustento e proteção da parte do Senhor. O compromisso não será mais com a Babilônia, mas com Javé.

O relacionamento entre Deus e o seu povo é vivido como gratuidade. “Eu escolhi você, Jacó, descendente do meu amigo Abraão” (Is 41,8). É uma longa história de amizade. Deus, no decorrer da história, continua renovando a aliança com os descendentes de Abraão (cf. Gn 12,7; 13,15.16; 17,7-9). O novo povo, como Abraão, é escolhido para ser servo de Javé: “Você é o meu servo; eu o escolhi e jamais o rejeitei” (Is 41,9; 43,5; cf. 44,3; 48,19; 54,3). A escolha supõe atenção cuidadosa, predileção, carinho.

 

3.2.3. Caminhar na certeza da fidelidade de Deus

O povo revive a experiência de um Deus que é presença na caminhada: “Não tenha medo, pois eu estou com você” (Is 41,10; cf. 41,13-14; Ex 3,12). Esse oráculo de salvação é muito frequente no livro do Segundo Isaías (cf. Is 40,9; 41,10.13.14; 43,1.5; 44,2.8; 51,7; 54,4). O projeto da volta para Jerusalém exige acreditar e manter a memória da fidelidade de Deus, que jamais abandona o seu povo.

Javé renova sua aliança: “Eu sou o seu Deus” (Is 41,10.13; cf. Ex 20,2; Dt 5,6). É ele que fortalece, ajuda e sustenta Israel com sua direita vitoriosa (cf. Is 41,10.13). No Segundo Isaías, Javé sempre fala na primeira pessoa. Eis um exemplo: “Eu mesmo, Javé, responderei a eles; eu, o Deus de Israel, não os abandonarei. Pois eu vou rasgar córregos em colinas secas” (Is, 41,17b-18a).

Israel, apesar de sua fragilidade e pequenez (cf. Is 40,6-7), sente-se escolhido e amado por Deus: “o seu redentor é o Santo de Israel”. A palavra hebraica para redentor é go’el. Conforme a tradição judaica, se um parente for assassinado, o redentor deverá vingar o sangue que foi derramado (cf. Nm 35,19-27). E no caso de um parente morrer sem deixar filho, o redentor se casa com a viúva, dando-lhe um descendente (cf. Gn 38; Rt 3,12-4,14). O redentor deverá ainda pagar as dívidas de um parente próximo que cair na miséria ou na escravidão (cf. Lv 25,23-28).

O livro do Segundo Isaías, ao atribuir a Deus a função de redentor, considera-o como um parente próximo. Porém, podemos ir além: é mais do que um parente, pois não existe relação consanguínea entre Deus e Israel, mas de escolha gratuita e amorosa.

Nessas profecias há ênfase especial na presença amorosa de Deus. Por exemplo: “Javé se compadece dos pobres” (Is 49,13; 52,9). O verbo compadecer é tradução do hebraico raham, da mesma raiz de útero. É possível entender que Deus ama desde as entranhas: “Pode a mãe se esquecer do seu nenê, pode ela deixar de ter amor pelo filho de suas entranhas? Ainda que ela se esqueça, eu não me esquecerei de você” (Is 49,15). Veja que coisa linda! O amor de Deus não tem limites.

O povo vive a experiência da fidelidade de Deus. Da mesma maneira que Deus, por meio de Moisés, fez brotar água da rocha para saciar a sede do povo (cf. Ex 17,1-7), ele vai providenciar água em abundância para o seu povo. E mais: o deserto será transformado num jardim. Os pobres encontrarão a água que procuram. Quem escreve o Segundo Isaías tenta reconstruir, passo a passo, o sonho do povo de voltar para a sua pátria, certo de que Javé, o Santo de Israel, caminha à sua frente (cf. Is 41,18-20; 52,11-12)

 

3.2.4. O novo êxodo: Javé caminhará à frente do seu povo

Depois de muitos anos no exílio, as pessoas, pouco a pouco, abandonam a fé em Javé. O caminho que o grupo do Segundo Isaías encontra para reanimar as pessoas exiladas é retomar as tradições do êxodo. Esse tema está presente em todo o livro. Logo na introdução lemos: “Uma voz grita: ‘Abram no deserto um caminho para Javé; na região da terra seca, aplainem uma estrada para o nosso Deus. Que todo vale seja aterrado, e todo monte e colina sejam nivelados; que o terreno acidentado se transforme em planície, e as elevações em lugar plano’” (Is 40,3-4).

O caminho de volta será feito sem maiores obstáculos, pois Javé não abandonará o seu povo (cf. Is 41,17b). Ele estará presente derramando a bênção da água, ou seja, garantindo a vida. E mais: o grupo anuncia como será o novo êxodo: “Não fiquem lembrando o passado, não pensem nas coisas antigas; vejam que estou fazendo uma coisa nova: ela está brotando agora, e vocês não percebem? Abrirei um caminho no deserto, rios em lugar seco” (Is 43,18-19). A memória do passado só tem sentido quando alimenta a esperança no presente.

O que significa essa coisa nova? É a saída de Israel da Babilônia. Não adianta ficar preso às lembranças anteriores, é preciso esperar e acreditar que Javé realizará o novo êxodo. A coisa nova é a libertação do povo judeu que acontecerá em breve: “Cantem a Javé um cântico novo! Que o louvem até os confins da terra; que o celebrem o mar e tudo o que nele existe, as ilhas e seus habitantes… Javé avança como um herói, como guerreiro acende seu ardor; solta gritos de guerra, mostrando-se forte contra seus inimigos” (Is 42,10.13).

O novo êxodo acontecerá com a participação de todas as pessoas. Deus quer que o seu povo assuma uma nova liderança: “Ele não gritará nem clamará, nem fará ouvir sua voz na praça. Não quebrará a cana que já está rachada, nem apagará o pavio que está para se apagar. Promoverá fielmente o direito” (Is 42;2-3). Esse jeito de agir passa pela defesa da vida ameaçada. É um caminho feito na pequenez e na fragilidade, com as pessoas enfraquecidas e desanimadas. E Deus está ao lado, fortalecendo e encorajando, sustentando e animando aquelas que estão fraquejando.

 

3.2.5. O poder da Babilônia está chegando ao fim

O profeta anuncia que o povo, em breve, ficará livre da Babilônia. Quem garante esse novo êxodo é o próprio Javé, o Deus que vê a opressão do seu povo e desce para libertá-lo das mãos dos opressores (cf. Ex 3,7). O enviado de Javé trará a libertação para as pessoas exiladas e castigo para a Babilônia: “Os cânticos dos caldeus vão se mudar em gemidos” (Is 43,14b).

No capítulo 47 há um oráculo contra a Babilônia: “Desça e sente-se no pó, jovem Babilônia. Sente-se no chão, capital dos caldeus, pois nunca mais chamarão você de delicada. Que o seu corpo fique descoberto e se vejam as suas partes íntimas. ‘Eu vou me vingar e ninguém se oporá’, diz o nosso redentor, que se chama Javé dos exércitos, o Santo de Israel” (Is 47,1.3-4). Descobrir a nudez é uma expressão usada no hebraico para falar de relação sexual.

No dizer do grupo profético, Deus se vingará da Babilônia por causa de sua crueldade e violência contra o povo de Israel (cf. Is 47,6). A Babilônia é comparada a uma jovem mulher que vai perder a sua beleza e ser objeto de desprezo. A violência sexual contra as mulheres tem o sentido de aniquilamento. É extrema humilhação. É afirmação dos dominadores sobre a propriedade dos dominados (cf. Nm 31,9-17; Dt 20,10-17; 21,10-14; Lm 5,11).

É a hora da mudança: a capital dos caldeus agora deve exercer o trabalho de uma escrava: “Pegue o moinho para fazer a farinha, tire o véu, levante a saia, mostre as pernas, atravesse os córregos” (Is 47,2). Quem está ouvindo esse texto são pessoas escravizadas, acostumadas com esse trabalho. Em geral, o gesto de levantar a saia é uma preparação para o estupro (cf. Jr 13,22.26; Na 3,5-6). A Babilônia será destruída e reduzida ao silêncio, “nunca mais será chamada de senhora dos reinos” (Is 47,5b).

A cidade imperial expressa o seu pensamento: “Serei senhora para sempre” (Is 47,7), porém o que lhe sobrevirá é a viuvez e a perda de seus filhos (cf. Is 47,8-9). A mulher sem marido e sem filhos não tem condições de sobreviver. Porém, a Babilônia depositava confiança nas suas práticas religiosas de magia e encantamento, na ciência e na sabedoria. Acredita ser eterna: “Só eu, e ninguém mais além de mim” (Is 47,10b). Ironicamente, essa é uma prerrogativa de Javé (cf. Is 45,5; 46,9). Em resposta à sua pretensão, a Babilônia será castigada com calamidade e catástrofe (cf. Is 47,11).

O capítulo 47 conclui afirmando que os numerosos conselheiros da Babilônia e os astrólogos não têm poder para salvá-la: “É isso que acontece aos seus adivinhos, com os quais você se fatigou desde a juventude: cada um vai para um lado e ninguém vem ajudar você” (Is 47,15). Conforme a teologia do Segundo Isaías, Javé é o único salvador, nenhuma outra divindade tem esse poder (cf. Is 43,3.11.12; 45,15.20).

O poder da Babilônia está no fim. A chegada de Ciro destruirá o seu reinado: “Meu amigo cumprirá a minha vontade contra a Babilônia e contra o povo dos caldeus. Eu mesmo falei e pessoalmente o chamei, eu lhe quero bem e torno feliz o seu caminho” (Is 48,14-15). O novo imperador é considerado o instrumento de Javé, amado, pastor e ungido (cf. Is 48,14; 44,28; 45,1). É ele que realiza o projeto de Javé (cf. Is 44,28; 46,10).

As pessoas exiladas são convocadas a cantar: “Saiam da Babilônia, fujam dos caldeus. Anunciem e proclamem isso com gritos de alegria, espalhem a notícia até os confins da terra. Digam assim: ‘Javé redimiu seu servo Jacó. Quando os levou pelo deserto, eles nunca passaram sede; fez brotar água da pedra, bateu na rocha, e a água correu’” (Is 48,20-21). A volta exige um povo que assuma a missão de servo e um projeto de reconstrução.

 

3.3. C) 49,1-55,5: O servo é chamado para reconstruir o povo e a nação

A profecia do Segundo Isaías propõe nova visão sobre a aliança. A nova aliança não será com o rei, mas com todo o povo: “Farei com vocês uma aliança definitiva” (Is 55,3b). Quem tem nas mãos o poder para realizar o projeto de Deus é o servo (cf. Is 53,10). Essa parte retoma o chamado do servo e apresenta a proposta de uma nova Jerusalém.

 

3.3.1. Eu ainda estava no ventre materno, e Javé me chamou (Is 49,1)

O servo de Javé se apresenta: “Eu ainda estava no ventre materno, e Javé me chamou; eu ainda estava nas entranhas de minha mãe, e ele pronunciou o meu nome” (Is 49,1). A sua missão é reunir e restaurar o povo disperso. As qualidades que ele recebe estão diretamente relacionadas ao anúncio da Palavra: “Ele fez da minha língua uma espada afiada e me escondeu com a sombra de sua mão; ele me transformou numa seta pontiaguda e me guardou na sua caixa de flechas” (Is 49,2).

Vamos retomar a vida e a vocação do servo. Ele é o escolhido de Javé e recebe o espírito para realizar o direito entre as nações (cf. Is 42,1). O espírito é a força de Deus que impele o ungido para realizar a missão. O servo é chamado para exercer o serviço da justiça (cf. Is 42,6). Seu poder não nasce da violência, mas do amor, da ternura e do compromisso com as pessoas enfraquecidas. É uma forma de agir que segue na contramão do poder oficial da monarquia. Ele estará ao lado das pessoas enfraquecidas: “Não quebrará a cana que já está rachada, nem apagará o pavio que está para se apagar. Promoverá fielmente o direito” (Is 42,3).

No primeiro cântico, o servo é apresentado como alguém chamado por Javé, colocado como aliança de um povo e luz para as nações (cf. Is 42,6). No segundo cântico, o servo descobre a sua vocação: “desde o ventre materno, desde as entranhas” (Is 49, 1).

O servo reconhece a responsabilidade e o desafio de sua missão e acredita na força de Javé: ‘Agora fala Javé, que desde o ventre me formou para ser o seu servo, para eu lhe trazer de volta Jacó e reunir Israel para ele” (Is 49,5). O servo é consciente de ter recebido de Deus uma missão: “Faço de você uma luz para as nações, para que a minha salvação chegue aos confins da terra” (Is 49,6b).

No terceiro cântico (cf. Is 50,4-9), o servo retoma a sua vocação: chamado para anunciar a Palavra e exercer a justiça: “ajudar os desanimados com uma palavra de coragem” (Is 50,4a). Em consequência de sua missão, o servo sofre: “Apresentei as costas para aqueles que me queriam bater” (Is 50,6a). Mas resiste, é fiel: “nem escondi o meu rosto dos insultos e escarros” (Is 50,6b). Em meio à realidade de sofrimento, o servo acredita que Javé virá em seu socorro (cf. Is 50,7-9).

O quarto cântico (cf. Is 52,13-53,12) apresenta o servo como um povo experimentado na dor. Nem parece gente. Provavelmente, por causa da fome e da violência dos opressores. O exílio, a perseguição, a dor, a injustiça, e o desprezo eram vistos como castigo de Deus. Porém nesse cântico a novidade é que o sofrimento não é apresentado como castigo, mas como fonte de bênçãos: “O meu servo vai ter sucesso, subirá e crescerá muito” (Is 52,13). As nações e os reis vão ficar boquiabertos.

Porque assume a sua missão, o servo é morto. A sua morte não é castigo de Deus, mas consequência de sua prática da justiça e de sua capacidade de doação até a morte (cf. Is 53,10-11). “Por meio dele, o projeto de Javé triunfará” (Is 53,10c). O servo morre, mas a sua vida terá continuidade por meio de seus descendentes. O projeto de salvação, ou seja, de libertar o povo da situação de escravidão, triunfará (cf. 53,11).

O servo entrega a sua vida livremente, num gesto de solidariedade até as últimas consequências. Com base na vida, vocação e entrega do servo, o grupo profético do Segundo Isaías quer evidenciar que o importante não é a prática da Lei ensinada pelos reis e governantes, a qual muitas vezes conduz à morte. O que salva é a prática da Lei voltada para a justiça e a vida da irmã e do irmão. O servo, ao tentar implantar a justiça, entra em confronto com os interesses dos ricos e poderosos, por isso é eliminado. Porém, a sua morte se transforma em vida para muitos.

 

3.3.2. Desperte! Desperte! De pé, Jerusalém! (Is 51,17)

Enquanto a Babilônia é chamada a sentar-se no pó, no chão (cf. Is 47,1), Jerusalém é convocada a ficar de pé: “Desperte! Desperte! De pé, Jerusalém! Você que bebeu da mão de Javé a taça cheia do seu furor, um cálice de vertigem, que você bebeu e esvaziou. Duas desgraças atingiram você. Quem se compadece? Destruição e ruína, fome e guerra. Quem a consola?” (Is 51,17.19). O grupo profético apresenta uma inversão da realidade, indicando que se aproxima a libertação de Jerusalém.

A palavra é dirigida a Jerusalém, que se encontra humilhada, sem forças, submetida à Babilônia. “Desperte! Desperte! Revista-se de força, Sião! Vista a roupa de festa, Jerusalém, cidade santa!” (Is 52,1). A ordem para despertar e revestir-se de força aponta para o futuro. A libertação se aproxima: “A minha justiça está perto, a minha salvação já brotou, o meu braço governará os povos: as ilhas esperam por mim e colocam em meu braço a sua esperança” (Is 51,5). É hora de projetar a volta para Jerusalém, pois, na linguagem profética, Javé arregaçou a manga do seu braço santo (cf. Is 52,10a).

“Os resgatados de Javé voltarão! Estarão de volta a Sião, cantando e com alegria sem fim sobre suas cabeças; serão acompanhados de alegria e contentamento; dor e aflição ficarão para trás” (Is 51,11). E Javé caminhará à frente do seu povo (cf. Is 52,12). A aliança não será mais com o rei, mas com toda a comunidade (cf. Is 55,3). O sonho desse grupo é restabelecer a paz e a justiça (cf. Is 54,14).

Na visão do Segundo Isaías, a nova Jerusalém será uma cidade onde as pessoas terão vida em abundância. “Todos os que estão com sede, venham buscar água. Venham os que não têm dinheiro: comprem e comam sem dinheiro e bebam vinho e leite sem pagar” (Is 55,1). Essa nova proposta provém do passado. Trata-se de uma retomada do projeto tribal da partilha e da solidariedade (cf. Is 55,1-2).

Após o convite para o banquete, lemos uma advertência: “Ouçam-me com atenção. Deem ouvidos a mim, venham para mim” (Is 55,2b.3a). Aquelas e aqueles que ouvem a Javé “comerão bem e saborearão pratos suculentos” (Is 55,2c). Elas e eles viverão (cf. Is 55,3b). Terão vida em abundância. Javé vai renovar a sua aliança com o povo.

O grupo profético prepara o povo para voltar a Jerusalém. Essa preparação requer um projeto de reconstrução. A condição básica desse projeto é vida plena para todas as pessoas. A aliança agora não será mais entre Deus e o rei, mas com todo o povo. O caminho para reconstruir Jerusalém é comunitário. Portanto, é uma retomada da proposta que havia no período tribal (1250-1000 a.C.). A aliança renovada envolve a responsabilidade de todas as pessoas.

A renovação da aliança será com o servo, ou seja, com a comunidade que assume a prática da justiça e da gratuidade. A ação do servo será na fragilidade, na pequenez, no cuidado amoroso com a vida ameaçada: “Fiz dele uma testemunha para os povos” (Is 55,4). O grupo do Segundo Isaías sonha que a nova Jerusalém, em pouco tempo, será habitada por seus filhos e filhas provenientes dos vários países onde se encontram espalhados (cf. Is 45,20.22-25; 48,20; 49,12).

 

3.4. A’) A Palavra de Javé se realizará (Is 55,6-13)

A condição para que o novo êxodo aconteça é a conversão: “Procurem a Javé enquanto ele se deixa encontrar; chamem por ele enquanto está perto” (Is 55,6). O projeto do Segundo Isaías é ajudar o povo a acreditar que Javé vai realizar o novo êxodo. É o próprio Javé que garante a libertação, e a sua Palavra é eficaz.

Em Is 55,10-11, a Palavra de Deus é comparada com a chuva que fecunda a terra e a faz germinar, produzindo frutos. A chuva garante às camponesas e aos camponeses as condições para ter o pão. O mesmo acontece com a Palavra de Deus, que garante a libertação do povo, ou seja, o novo êxodo.

A Palavra de Deus tem a força de gerar vida: “Da mesma forma como a chuva e a neve, que caem do céu e para lá não voltam sem antes molhar a terra, tornando-a fecunda e fazendo-a germinar, a fim de produzir semente para o semeador e alimento para quem precisa comer, assim acontece com a minha palavra que sai de minha boca” (Is 55,10-11). O novo êxodo depende de a comunidade acreditar, arregaçar as mangas e se pôr a caminho.

O livro do Segundo Isaías termina com a procissão da volta: “Vocês sairão com alegria e serão conduzidos em paz. Na presença de vocês, colinas e montes explodirão de alegria, todas as árvores baterão palmas” (Is 55,12). A natureza se transformará: em vez de espinhos e urtigas, ciprestes e murtas, árvores que dão sombra (cf. Is 55,13a). A saída da Babilônia será verdadeira festa: “Será um monumento eterno, que nunca se apagará” (Is 55,13b).

 

4. Para concluir

O principal objetivo da mensagem do Segundo Isaías é suscitar a fé e a esperança das pessoas exiladas. Em meio à opressão da Babilônia, esse grupo profético procura recuperar a memória do êxodo, afirmando que Javé novamente vai libertar o seu povo.

O livro do Segundo Isaías ajuda as pessoas a se reerguer. São palavras de encorajamento que devem ter caído no coração de muitas pessoas, criando raízes. Motivado por essa profecia, o povo se reúne e começa a preparar o projeto de uma nova sociedade, onde todas as pessoas tenham condições dignas de vida. É preciso ajudar o povo a sonhar, a não perder a esperança de buscar uma nova terra.

Temos em mãos algumas chaves para ler o Segundo Isaías. Você poderá mergulhar nessa leitura e descobrir que Deus é um eterno apaixonado por seu povo e está sempre disposto a renovar sua aliança com ele, ajudando-o a se reunir, se organizar e caminhar. Que essa, certeza possa animar a nossa vida!

Maria Antônia Marques