Artigos

Publicado em setembro-outubro de 2011 - ano 52 - número 280

A caminhada no deserto: Introdução à leitura de Êxodo 15,22-18,27

Por Equipe do Centro Bíblico Verbo

Javé “guiou o seu povo no deserto,

porque o seu amor é para sempre!”

(Sl 136,16)

Na espiritualidade do povo de Israel, recordar a caminhada no deserto é renovar a certeza do amor de Javé que se manifesta na sua história. Essa lembrança é fonte de esperança, fortalece o povo em sua caminhada cotidiana, fazendo-o reviver a mesma experiência em todos os tempos. Este artigo oferece algumas chaves de leitura para Ex 15,22-18,27: a caminhada no deserto, quem sabe, ajudar-nos-á a refazer a mesma travessia com as nossas comunidades.

É hora de atravessar o deserto, de pôr-se a caminho. A travessia é o espaço entre a saída do Egito e a entrada na Terra Prometida. No caminho descobrimos novas perspectivas. É um tempo propício para refazer a vida. Por isso, a travessia é feita de conflitos e sofrimentos, vitórias e alegrias. Ao longo de sua história, o povo de Israel sempre fez memória da experiência vivida no deserto. Essa lembrança o ajudou a enfrentar as dificuldades do momento presente. Os obstáculos cotidianos podem ser superados mais facilmente quando acreditamos que Deus e outras pessoas caminham conosco!

As narrativas em torno do êxodo são muito conhecidas. Há filmes que retratam a saída do Egito. De alguma forma, já ouvimos falar da escravidão dos israelitas na mão do faraó, do nascimento de Moisés e de sua fuga para Madiã. O encontro de Moisés com Javé na montanha do Horeb já suscitou muitas reflexões e novas experiências de encontro com Deus. O confronto de Moisés com o faraó e a saída do Egito também são muito populares. A cena de Moisés abrindo a passagem no mar Vermelho com o seu bastão já foi representada de várias formas.

 

1. CONTEXTO DAS NARRATIVAS DA TRAVESSIA NO DESERTO

Ao sair do Egito, o povo caminha no deserto. As narrativas que descrevem essa jornada podem ser divididas em seis unidades. Vejamos:

  1. Água amarga (15,22-27): falta de água para beber.
  2. O maná e as codornizes (16,1-36): necessidade de comida.
  3. A água da rocha (17,1-7): novamente, a dificuldade da falta de água.
  4. Guerra contra Amalec (17,8-16): conflitos com outros povos.
  5. Encontro de Jetro com Moisés (18,1-12): o sogro de Moisés, sua esposa e seus dois filhos vão ao encontro de Moisés no deserto.
  6. Descentralização do poder (18,13-27): nova organização do povo.

 

O livro do Êxodo preserva uma memória antiga, mas grande parte desse livro foi escrita no período do pós-exílio, por volta do ano 400 a.C. Nesse período, a observância da Lei de Deus era central. Como podemos constatar, a insistência na observância da Lei aparece diversas vezes nos textos da caminhada no deserto. Eis alguns exemplos:

– Observar a Lei garante saúde e bem-estar: “Se ouvires atento a voz de Javé teu Deus e fizeres o que é reto diante dos seus olhos, se deres ouvido a seus mandamentos e guardares todas as suas leis, nenhuma enfermidade virá sobre ti, das que enviei sobre os egípcios. Pois eu sou Javé, aquele que te restaura” (Ex 15,26). Essa concepção é própria da teologia da retribuição, cujo princípio é que Deus retribui com bênçãos – descendência, riqueza e vida longa – as pessoas que observam a Lei, visão consolidada no tempo de Esdras e Neemias (450-398 a.C.).

– A exigência de guardar o sábado: “Javé disse a Moisés: ‘Até quando recusareis guardar meus mandamentos e minhas leis? Considerai que Javé vos deu o sábado, e que por isso vos dará ao sexto dia pão por dois dias. Cada um fique onde está, ninguém saia do seu lugar no sétimo dia’” (Ex 16,28-29).

– Conhecimento das leis: “(…) e lhes faço conhecer os decretos de Deus e as suas leis. Ensina-lhes os estatutos e as leis, faze-lhes conhecer o caminho a seguir e as obras que devem fazer” (cf. Ex 16,18.20). Porém, é importante perceber que, conforme a narrativa, Moisés só recebe a Lei mais à frente, no capítulo 19.

– Concepção de Israel como povo eleito e exclusão dos estrangeiros: tema evidente na guerra contra os amalecitas, que, por não serem do povo eleito, deviam ser exterminados (Ex 17,8-16).

Esses elementos comprovam que grande parte dos textos de Êxodo 15-18 foram compostos no período do pós-exílio, por volta do ano 400 a.C. A expressão pós-exílio indica o período que começa em 539 a.C., com o fim da soberania da Babilônia e o início da dominação persa. Em 538 a.C., os judeus exilados na Babilônia recebem a permissão do império persa para voltar e reconstruir Jerusalém.

Para melhor controlar o povo e a arrecadação de tributos, os persas favorecem a reconstrução do Templo, o que ocorreu em torno de 515 a.C. Os grupos que haviam ficado na terra não queriam a reconstrução do Templo, pois isso significava o fortalecimento do poder de Jerusalém e a volta do antigo sistema de opressão.

Por volta de 445 a.C., o Templo já está em pleno funcionamento, mas isso não é o suficiente para a reorganização e o controle do povo. Por isso, os persas enviam Neemias, um judeu educado na corte da Pérsia, o qual vem com a missão de reconstruir os muros da cidade de Jerusalém e organizar a economia de Judá. Dentre as suas reformas, destaca-se a tentativa de resgatar a identidade do povo judeu, eliminando os estrangeiros, especialmente as mulheres (Ne 11,23-27), a instituição do tributo para o sustento dos sacerdotes e a insistência na observância do sábado (Ne 13,10-22).

Em seguida, por volta do ano 400 a.C., os persas enviam Esdras, um sacerdote-escriba e doutor da Lei (Esd 7,11.12.21). Sob o patrocínio do império persa, ele promulga a Lei: “E tu, Esdras, segundo a sabedoria de teu Deus, que tens em mãos, estabelecerás escribas e juízes que administram a justiça para todo o povo da Transeufratênia, para todos os que conhecem a Lei de teu Deus. E deverás ensiná-la a quem não a conhece. Todo o que não observar a Lei de teu Deus – que é a Lei do rei – será castigado rigorosamente: com a morte ou o desterro, com multa ou prisão” (Esd 7,25-26). Nesse período, o código de pureza e o da santidade sacerdotal são retomados, ampliados e aplicados a todo o povo (Lv 11-26).

Com a lei da pureza (Lv 11-16), todos os aspectos da vida das pessoas eram postos sob a jurisdição dos sacerdotes que controlavam o Templo. A maioria do povo era explorada pelo império persa e pelas elites política e religiosa de Judá (Ne 5,1-5). O projeto de Neemias e Esdras favoreceu a posição da Golá – grupo que voltou do exílio e se considerava o verdadeiro Israel; os demais foram considerados impuros e excluídos do sacerdócio e dos serviços ligados à administração pública. Os habitantes da terra passaram a ser vistos como o maior perigo para a infidelidade de Israel. Ser fiel a Javé e seus mandamentos era manter a separação entre a Golá – a semente santa – e as mulheres dos povos de Judá (Esd 9-10).

Nesse período, uma pessoa é considerada justa quando consegue cumprir todas as exigências da Lei. Caso contrário, é considerada impura e excluída da participação do Templo e da vida comunitária. O rito de purificação exige o sacrifício e a entrega de produtos ao Templo. No entanto, alguns grupos vivem em situação de impureza permanente – por exemplo, os estrangeiros e os deficientes (Lv 13,45-46; Dt 23,4-9; Esd 9,1-10.44).

É nesse período, entre os anos 538 e 333 a.C., governado pelos sacerdotes a partir do Templo, que se dá a redação final dos livros que fazem parte da Torá/Lei. Na elaboração final do livro do Êxodo, as tradições do povo foram retomadas e receberam novos acréscimos. A fuga do Egito foi ampliada e transformada em grandiosa libertação das doze tribos de Israel por meio de poderosa intervenção de Javé. O sábado, a teologia do povo eleito e protegido por Deus, a circuncisão – sinal da pertença a esse povo – e o monoteísmo – a concepção de Javé como Deus único e poderoso – foram atribuídos à ação de Javé no deserto. No entanto, essas instituições só se consolidaram com o regime teocrático, ou seja, governado por sacerdotes e escribas de Judá a serviço do império persa, por volta do ano 400 a.C.

 

2. COMO ENTENDER O LIVRO DO ÊXODO?

O livro do Êxodo faz parte de um conjunto mais amplo, conhecido na tradição judaica como Torá, termo que, em geral, é traduzido por Lei e, na tradição cristã, Pentateuco, palavra grega que significa cinco estojos ou rolos. O centro teológico dessa coletânea é o livro do Levítico, que apresenta Israel como um povo santo e fiel à Lei.

Os cinco primeiros livros da Bíblia, de acordo com as traduções gregas e latinas, são nomeados com base em seu conteúdo; na tradição judaica, são nomeados por suas palavras iniciais. Por isso, o livro do Gênesis – origem – é chamado de bereshit (no início); o livro do Êxodo – saída – é shemot (nomes); o livro do Levítico – leis – é wayyiqra (ele chamou); Números – recenseamentos – bemidbar (no deserto); e o Deuteronômio – segunda lei – é debarim (palavras).

O livro do Êxodo relata o início da história de Israel. Esse livro pode ser dividido de diversas formas. Para favorecer esse estudo, optamos pela divisão em quatro partes: 1,1-15,21; 15,22-18,27; 19,1-24,11; 24,12-40,38.

a)   1,1-15,21 – narra a opressão do povo de Israel pelo faraó, a promessa de salvação por meio de Moisés, a luta de Javé com o faraó e a salvação de Israel: a passagem no mar.

b)   15,22-18,27 – a caminhada no deserto e as dificuldades em encontrar água e comida; conflitos com outros grupos e necessidade de descentralizar o poder.

c)   19,1-24,11 – a manifestação de Javé no monte Sinai, entrega da Lei e celebração da aliança.

d)  24,12-40,38 – descrições do santuário e de rituais sacerdotais.

A saída do Egito e a passagem pelo deserto são consideradas elementos constitutivos da história do povo de Israel. Esses acontecimentos foram lidos e relidos por diversos grupos e predominaram sobre os outros eventos, como a entrada na terra de Canaã, a instauração da realeza, a consolidação de um Estado, o exílio e a dispersão do povo de Israel. Os acontecimentos do êxodo são considerados pontos referenciais para a reflexão teológica de Israel: “Recorda que foste escravo na terra do Egito, e que Javé teu Deus te resgatou” (Dt 15,15a).

O êxodo é acontecimento sempre vivo. Deve ser lembrado sempre. É a história de um povo a caminho. Um ensinamento que deve ser celebrado de geração em geração: “Naquele dia, assim falarás a teu filho: ‘Eis o que Javé fez por mim, quando saí do Egito’. E será como sinal na tua mão, um memorial entre os teus olhos, para que a lei de Javé esteja na tua boca, pois Javé te tirou do Egito com mão forte” (Ex 13,8-9). Ao recordar a história, cada judeu deve se sentir como alguém saído do Egito.

Na base do livro do Êxodo está a narrativa de um pequeno grupo que conseguiu se libertar da opressão do Egito ou de uma cidade controlada pelo império egípcio. Essa libertação foi atribuída a uma divindade sensível à violência e à injustiça e que se faz presente junto aos oprimidos. A história da saída do Egito foi contada muitas vezes antes de ser escrita; diversos grupos retomaram esse fato até alcançar a forma escrita que tem hoje em nossas Bíblias.

A visão da história no pós-exílio assim como as instituições oficializadas nesse período e até mesmo a teologia monoteísta do Deus único foram inseridas na narrativa do êxodo. Isso garantia legitimidade, pelo fato de essa nova compreensão da história ser vinculada à experiência da Divindade como presença libertadora que caminha junto aos oprimidos, experiência que, apesar de todas essas releituras, permanece viva no coração do livro do Êxodo. Muitos séculos depois, Jesus, com sua vida e prática, tentará resgatar esse núcleo mais sagrado da fé de Israel.

Os textos que relatam a travessia do deserto (Ex 15-18) foram escritos vários séculos depois do acontecimento. Na elaboração dessas narrativas foram apresentados conflitos e dificuldades posteriores da vida do povo de Israel. Independentemente dos grupos que retomaram essas narrativas e fizeram novas interpretações do tempo do deserto, permanece a memória da presença de Deus que caminha com o seu povo: “Uma voz clama: ‘No deserto, abri um caminho para Javé; na estepe, aplainai uma vereda para o nosso Deus’” (Is 40,3).

A saída do Egito e a caminhada do povo no deserto são elementos fundamentais do povo de Israel. São um verdadeiro manancial, de onde sempre brotam novas águas para reanimar a vida do povo em todos os tempos. É com essa perspectiva que queremos ler os textos da caminhada e refletir sobre eles, procurando novas luzes para a nossa travessia.

 

3. CHAVES DE LEITURA

Ler o texto e interpretá-lo na perspectiva de seu horizonte sociopolítico e cultural exige conhecer o contexto do surgimento do texto. É bom ter sempre presente que as narrativas da caminhada do deserto remontam a um núcleo histórico do século XIII a.C.: a fuga de escravos hebreus do Egito. Mas esse fato foi contado, recontado, ampliado, escrito e reescrito por diversos grupos, e a forma final que temos na Bíblia é do fim do século V ou do início do século IV a.C., por volta do ano 400 a.C.

Eis algumas chaves de leitura para a caminhada que vamos empreender:

  1. As dificuldades do povo e seus clamores por mais vida. Há duas passagens que relatam a dificuldade com água: Ex 15,22-27 e 17,1-7. Em ambas, o povo murmura contra Moisés. Na segunda narrativa, além da murmuração, o povo discute com Moisés e o acusa: “Por que nos fizeste subir do Egito, para nos matar de sede a nós, a nossos filhos e a nossos animais?” (Ex 17,3b). Essa murmuração representa as muitas queixas do povo por mais vida ao longo de sua história, especialmente no pós-exílio, quando o texto recebeu a sua forma final. Nesse período, o povo era governado por sacerdotes mediante o Templo e a Lei. Os códigos da pureza e da santidade (Lv 11-5 e 17-26) determinavam quem era puro e quem era impuro. A pessoa impura não participava do Templo e da vida comunitária. Só voltava a participar mediante o sacrifício de purificação. Esse sistema provocou endividamento, aumento da pobreza, exclusão e discriminação. As queixas no meio do povo aumentaram, muitos pensaram que Deus estava distante de sua vida: “Da cidade sobem os gemidos dos moribundos e, suspirando, os feridos pedem socorro e Deus não ouve a sua súplica” (Jó 24,12). Nesse contexto, Ex 17,1-7 é escrito para responder à dúvida do povo: “Está Javé no meio de nós ou não?” Deus se faz presente em nossas murmurações, especialmente quando gritamos em defesa da vida ameaçada.
  2. É proibido o acúmulo. A tradição do maná e das codornizes (Ex 16,1-3.12-21) transmite a lição de que é proibido acumular. Ao longo de sua história, o povo era obrigado a pagar tributos sobre toda a produção da terra ao rei ou aos sacerdotes. Muitas pessoas se endividavam e eram forçadas a vender suas terras e a si mesmas como escravas (1Sm 8,11-18; Ne 5,1-5). Nos momentos de sofrimento, ao relembrar as suas origens, o povo faz memória dos tempos do deserto. Na fuga, tentando escapar do exército egípcio, o povo enfrentou muitas dificuldades, sobrevivendo com o que encontrava no deserto. Em relação ao maná, em hebraico man hû, “o que é isso?”, há duas possíveis explicações: 1) alguns afirmam que o maná é produzido pela secreção de insetos que se alimentam de tamargueiras. Trata-se de substância composta de açúcar que se solidifica no ar seco e frio, tornando-se semelhante a pequenas folhas, mas derrete e desaparece sob o calor do sol. 2) Para outros, esse alimento é a resina de uma árvore existente na região central do Sinai, semelhante a uma semente de coentro. Colhido, ele era moído no pilão, depois se cozinhava e se fazia bolo. É possível encontrá-lo nos meses de maio a junho. No que se refere às codornizes, em setembro, ao voltarem de sua migração na Europa, elas são impelidas pelo vento oeste e abatidas em grande quantidade sobre a costa do deserto. Depois de muitos séculos, o povo revê a sua caminhada e relê esses fatos como providência de Deus. A experiência da gratuidade de Deus deve ser sempre reavivada no coração das pessoas, de ontem e de hoje, para a travessia do deserto.
  3. A tradição da guerra santa (Ex 17,8-16). A guerra santa é tradição existente no Antigo Oriente e entre muitos povos de hoje. De acordo com a mentalidade da época, os povos que adoravam outras divindades deviam ser aniquilados. Um dos relatos de guerra santa registrados pela Bíblia é a guerra contra os amalecitas, descritos como nômades que viviam no deserto do Sinai. Essa história foi reescrita no tempo do exílio da Babilônia (586-538 a.C.) e do pós-exílio (538-333 a.C.), na perspectiva de Javé como o único Deus e de Israel como o povo eleito e santo. O fato de não pertencer ao povo eleito e não adorar a Javé justifica a destruição. Deus quer a guerra? A redação final do texto bíblico sobre a tradição de guerra santa esconde interesses sociais, econômicos, políticos e religiosos dos governantes sacerdotais. Nessa ótica, queremos reforçar a crença de que Deus quer vida em plenitude para todos os povos, nações e línguas. Diferentes etnias, crenças, sexos e classes sociais não são motivo para exclusões. Acima de tudo, o que importa é o compromisso com a justiça e a solidariedade.
  4. Relações cotidianas no Antigo Israel. O relato de Ex 18,1-12 – o encontro de Moisés e seu sogro, sua mulher e filhos – é espelho por meio do qual refletiremos sobre as relações cotidianas. Na sociedade do Antigo Israel, a unidade básica era a família ampliada, constituída de duas ou mais famílias com várias gerações. Uma casa chegava a ter entre 50 e 80 pessoas. Todos os membros participavam ativamente dos diferentes trabalhos. O papel da mulher era ativo no espaço doméstico, porém limitado no espaço público. Na monarquia, o poder e a religião são centralizados em torno de homens, e o papel da mulher é secundário. No tempo do pós-exílio, as mulheres são excluídas do cenário sociopolítico e religioso, pois a sociedade é governada por sacerdotes, que exercem seu poder por meio do Templo e da Lei. Em Ex 18,1-12, a celebração cultual se realiza somente entre os homens: Moisés, seu sogro e os anciãos. A mulher e as crianças não aparecem no espaço público: são apenas mencionadas. Um olho na sociedade do Antigo Israel e outro em nossa sociedade. Que possamos colaborar para a construção de relacionamentos fundamentados no amor, na liberdade e no respeito às diferenças sociais, culturais, étnicas e de gênero. As diferenças biológicas não justificam a dominação de um sobre o outro nem a desigualdade.
  5. Protestos contra a centralização do poder. Ex 18,13-27 contém uma proposta de descentralização do poder. Todo poder centralizador destrói o sistema igualitário. É uma volta simbólica ao Egito. Na monarquia (1030-586 a.C.), o poder estava nas mãos do rei e de sua corte, e as decisões eram tomadas em favor dos interesses dos grandes, explorando e oprimindo o povo. Algumas vozes se ergueram contra essa organização social: “Escutem isto, governantes de Israel, vocês têm horror ao direito e entortam tudo o que é reto; constroem Jerusalém com sangue” (Mq 3,9-10). A centralização do poder se tornou ainda mais forte no período da dominação persa (538-333 a.C.), em que os sacerdotes e escribas formaram uma classe que vivia à custa da exploração e opressão do povo. Utilizavam o nome de Deus todo-poderoso e vingativo, o Templo, o tributo religioso e as leis para controlar o povo. A narrativa em torno do conselho do sogro de Moisés para o seu genro também representa uma voz contrária à centralização do poder. Sempre que há opressão, há grupos de resistência e de busca de melhores condições de vida. Esses mesmos gritos continuam ecoando em nossa sociedade e em nossas comunidades.

Ler e entender as narrativas da caminhada no deserto é refazer o mesmo percurso. Sonhamos com uma sociedade na qual os direitos humanos sejam respeitados e não haja acúmulo nas mãos de uma minoria, enquanto a maior parcela das pessoas vive relegada à margem. Uma sociedade sem exclusões e discriminações. É preciso manter vivas as lições da história e retomar sempre o projeto do reino de Deus. A caminhada está aberta para todas e todos. Que possamos realizar cotidianamente a travessia.

 

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

DOZEMAN, Thomas B. Exodus. Grand Rapids Michigan: Eerdmans, 2009.

LIVERANI, Mario. Para além da Bíblia: história antiga de Israel. São Paulo: Paulus: Loyola, 2008.

ZENGER, Erich (Org.). Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Loyola, 2003.

 

Equipe do Centro Bíblico Verbo