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Publicado em número 165 - (pp. 29-35)

Desafios da evangelização para o Presbítero hoje

Por Pe. Antônio José de Almeida

1. Contexto

O ponto de partida da presente reflexão é o IV Encontro Nacional de Presbíteros (ENP), realizado em Itaici, de 11 a 16 de fevereiro de 1992, sob os auspícios da Comissão Nacional do Clero (CNC), e que teve como tema exatamente “Os desafios da evangelização para o presbítero hoje” e como lema “Presbíteros, atendam aos sinais dos tempos”.

Ora abordando questões mais ligadas à pessoa do presbítero, ora voltando-se para assuntos mais relacionados com sua missão, já se celebraram quatro encontros nacionais de presbíteros: 1º) “O presbítero na Igreja povo de Deus, servidora do mundo” (Itaici, outubro de 1985); 2º) “Ser padre: novos desafios para uma vocação que permanece” (Itaici, outubro de 1987); 3º) “Presbíteros: fraternidade e serviço” (Itaici, outubro de 1989); 4º) “Os desafios da evangelização para o presbítero hoje” (Itaici, fevereiro de 1992).

O IV ENP está ligado, tematicamente, às novas Diretrizes Gerais da Ação Pastoral da Igreja no Brasil para o quadriênio 1991-1994.

Com efeito, a CNC ampliada (reunião dos dezessete presidentes das comissões regionais do clero, mais quatro representantes dos presbíteros de cada regional), em novembro de 1990, em Brasília, optou por incorporar ao Instrumento Preparatório do IV ENP parte do material que estava sendo usado pela CNBB e por toda a Igreja no Brasil para a preparação das novas diretrizes.

Concretamente, o Instrumento Preparatório continha três capítulos: 1º) “A quem evangelizar?” (onde se apresentavam traços da modernidade e, especialmente, as mudanças em curso na sociedade brasileira); 2º) “Como evangelizar?” (levantando as possíveis respostas pastorais e discutindo o que deveria ser mais acentuado no futuro próximo); 3º) “Quem evangeliza?” (tirando as consequências para o ministério do presbítero e sua formação, articulado com outros sujeitos da ação evangelizadora).

Para preparar o IV ENP, a CNC ampliada indicava três passos, que seriam também os objetivos do encontro: 1º) compreender os desafios da realidade; 2º) apontar pistas pastorais; 3º) situar o ministério de presbítero, de modo a estimular conjuntamente seu empenho missionário e sua realização pessoal.

Levando em conta o que consta nos relatórios vindos dos regionais e o que se aprofundou durante o próprio encontro, que desafios os presbíteros estão percebendo e como os estão interpretando? Como pensam reagir pastoralmente a estes desafios? Como visualizam o seu ministério?

 

2. O desafio da modernidade e das mudanças na sociedade

2.1. Descrição

Nos sulcos abertos pela CNBB, os presbíteros começam a descobrir (reflexa e tematicamente, é claro) a “modernidade” e, de modo geral, concordam com a descrição oferecida pelo Instrumento Prepara­tório: centralidade do econômico; deslocamento da religião de sua posição central para a esfera do privado, crescente autonomia e especialização das diversas esferas da sociedade; passagem da sociedade tradicional, predominantemente rural, para a sociedade moderna, predominantemente urbana, que exige do indivíduo relações múltiplas e diversificadas com “mundos” diferentes; crise das ideologias e das instituições (família, escola, Igreja, Estado); ambiguidade dos meios de comunicação social (MCS); abalo nas crenças das ideologias modernas no futuro e no progresso permanente; resultados opostos das transformações econômicas, aumentando o fosso entre “ricos” e “pobres”; pluralismo religioso; tendência ao enfraquecimento da prática religiosa ou da “religião institucionalizada”; busca de experiências religiosas subjetivas, gerando fenômenos como a “adesão parcial”, o “sincretismo”, a “experimentação”; crescimento do indiferentismo; para lá de uma generalizada atitude imediata face à existência, o indivíduo encontra-se ante o risco de cair na insegurança e fragmentação, ou então ante a chance de se tornar o protagonista de sua realização pessoal.

De modo geral, os presbíteros concordam também com a descrição das mudanças na sociedade brasileira feita pelo Instrumento Preparatório: prioridade do econômico sobre o social; frustração do projeto de uma democracia participativa e social; o empobrecimento do povo como fruto de omissões políticas e econômicas; pluralismo cultural e papel dos MCS na difusão da nova mentalidade, agredindo a moral tradicional e a cultura do povo, manipulando a opinião pública em favor dos detentores do poder econômico, concentrando em poucas mãos o poder de informar; o avanço da secularização e do pluralismo religioso (desintegração da uniformidade religiosa católica; o deslocamento das preocupações religiosas tradicionais para as dimensões éticas do cristianismo, sobretudo nas Igrejas históricas; a permanência de uma religiosidade de fundo; o declínio do catolicismo; o enfraquecimento da identidade confessional).

Alguns fenômenos chamam mais a atenção dos presbíteros:

a) Na esfera individual: Exacerbação da subjetividade; individualismo; imediatismo; crise de identidade pessoal, chegando, às vezes, às raias do patológico; insegurança existencial; fragmentação da vida; superficialidade; abertura para o diálogo e para a participação democrática.

b) No campo socioeconômico: Crise da família; fragilidade da família moderna em face dos novos desafios; pouca influência da família na educa­ção dos filhos; prolongamento da adolescência; descomprometimento da juventude; indústria do sexo; alastramento da droga; êxodo rural; urbanização descontrolada, gerando problemas graves de moradia, educação, saúde, trabalho, segurança etc.; as consequências sociais (desemprego e empobrecimento) das transformações econômicas recentes; o crescimento das desigualdades sociais; marginalização crescente de amplas parcelas da população; caráter predatório, concentrador e antissocial do avanço da modernização no campo (sobretudo no Norte e Nordeste); a expansão do capitalismo moderno trazendo dependência, exploração e dominação; o avanço da ideologia neoliberal; manipulação dos acontecimentos do Leste europeu para ocultar os malfeitos do capitalismo; o mecanismo perverso das dívidas interna e externa.

c) No campo cultural: Perda da memória cultural; o papel dos MCS, gerando pseudovalores, consumismo, individualismo; invasão cultural por parte dos países avançados e do eixo Rio de Janeiro-São Paulo; os MCS formando mentalidade e opinião a serviço da classe dominante; os MCS inibem o senso crítico e a criatividade; os MCS são intransitivos (apenas da fonte para o receptor); o fenômeno da cultura urbana; a perda de cosmovisão; valores da modernidade; o desejo da paz e da não violência, de justiça social, de autonomia, liberdade e valorização da pessoa humana etc.; parcelas da população urbana com mentalidade parcialmente rural e vice-versa.

d) No campo ético: Perda dos valores ético-morais; exacerbação do subjetivismo, do individualismo, do relativismo e do liberalismo moral; crescimento do espírito de acumulação, competição, carreirismo; busca do lucro a todo custo, sem atenção à dimensão ética e social da atividade econômica; friabilidade dos compromissos; hedonismo; desmoronamento dos valores tradicionais e sua não substituição por outros universalmente aceitos; pluralismo ético.

e) No campo religioso: Irreversibilidade da transferência da religião para a esfera do privado e das opções individuais; pluralismo religioso; enfraquecimento da prática religiosa; utilitarismo religioso; aceitação “parcial” do evangelho; indiferentismo; perda do sentido da transcendência; secularismo; ateísmo; queda das referências religiosas e éticas que davam sentido à vida das pessoas, gerando angústia, insegurança e medo.

f) No campo político: Descrédito das instituições políticas; retrocesso autoritário na postura do governo; derrocada do socialismo real acompanhada de retomada do liberalismo e do conservadorismo; vazio ideológico; desejo de democracia do povo e desilusão com os políticos; paternalismo; clientelismo político; predomínio da impunidade, da corrupção, dos atravessadores, da desonestidade político-administrativa, da institucionalização da violência (extermínio de menores, aparelhos de repressão paralelos, apoio à pena de morte), do desrespeito à vida, da institucionalização da “lei de Gérson”.

 

2.2. Tentativas de interpretação

Embora alguns regionais tenham acenado, para alguma interpretação mais global da modernidade e das atuais mudanças na sociedade brasileira, parece-nos que este não seja o espaço para questão tão complexa e controvertida.

 

3. Respostas pastorais

3.1. A quem evangelizar

Segundo os presbíteros, a evangelização destina-se a todos, devendo atingir todas as classes, todas as categorias de pessoas, sem preconceito e sem discriminação.

Mas deve, por imperativo evangélico, privilegiar os empobrecidos e marginalizados, rurais e urbanos, da sociedade e da Igreja. Sem ideologizá-la, a opção preferencial pelos pobres deve constituir-se em critério fundamental para determinar opções pastorais, distribuição do clero e de agentes de pastoral, construção de igrejas e criação de obras sociais.

Os presbíteros estão conscientes de que a faixa mais moderna da sociedade (intelectuais, professores, empresários, médicos, advogados, políticos, operários, estudantes, jovens etc.) está sendo pouco atingida.

Nos jovens se refletem melhor as mudanças da sociedade atual. Na sociedade, a juventude é instrumentalizada pelo consumismo; na Igreja, é “objeto” e quase nunca “sujeito” da pastoral. É urgente uma presença mais significativa no meio da juventude e um esforço maior em termos de pastoral da juventude: prestando atenção ao novo que surge em seu seio; investindo na comunicação popular e de massa; partindo do afetivo para o socioeconômico; propiciando-lhes, uma formação permanente.

 

3.2. Como evangelizar

A questão urbana, seja do ponto de vista demográfico (grandes concentrações humanas), seja do ponto de vista social (periferias desprovidas dos serviços públicos essenciais: água, esgoto, moradia, educação, saúde etc.), seja do ponto de vista cultural (nova mentalidade), chama a atenção por sua novidade e complexidade. Os presbíteros sentem a necessidade de conhecer a dinâmica da cidade e de criar estruturas pastorais que lhes sejam adequadas. Nossas estruturas pastorais — gestadas num mundo pré-moderno e rural — mostram-se inadequadas para enfrentar o mundo urbano. Donde a necessidade de implementar uma pastoral urbana que encare a cidade como um todo, relativizando e repensando a estrutura paroquial, diversificando as formas de vivência comunitária, articulando os presbíteros e os demais agentes de pastoral numa efetiva pastoral de conjunto, que garanta presença significativa da Igreja na cidade.

A estrutura paroquial é alvo de pesadas e repetidas críticas: feudalização, centralização, burocratização, anonimato, consumismo religioso, falta de missionariedade. Não se propõe — via de regra — a sua abolição, mas uma profunda reformulação. As paróquias devem transformar-se em “rede de comunidades”, “comunhão de comunidades”, “centro articulados de comunidades e pastorais”. Para tanto, propõe-se como estratégia a multiplicação de pequenos grupos (de catequese, círculos bíblicos, de rua…), de pequenas comunidades (onde cada um possa ser acolhido e valorizado como pessoa) e de pastorais específicas, articulando todas essas realidades em conjuntos maiores.

Segundo os presbíteros, há que se intensificar a formação de comunidades eclesiais de base nas periferias urbanas, priorizando as massas empobrecidas, dando apoio total aos movimentos populares, investindo mais na formação dos leigos e dos coordenadores, reconhecendo os vários serviços e ministérios que surgem da base, recuperando a dimensão comunitária da fé e o sentido festivo do encontro nas comunidades, favorecendo o surgimento de comunidades de agentes.

Não se trata apenas de criar (ou de manter) novas estruturas, mas de criar novas atitudes: em relação ao mundo moderno, às pessoas em geral e às diferentes culturas.

Em primeiro lugar, conhecer o mundo moderno. Apesar de estarem profundamente envolvidos pela modernidade, os presbíteros sentem a necessidade de uma visão mais abrangente e profunda da modernidade. Desejam a ajuda de especialistas para poderem captar e interpretar os “sinais dos tempos” modernos.

Em relação às pessoas em geral, os presbíteros criticam (em si próprios e em outros agentes de pastoral) atitudes como a frieza, a massificação, a rigidez, a pressa, o estilo empresarial (programação-produção-eficiência-resultados) e advogam atitudes mais personalizadas e dialogais: atenção à pessoa, respeito à individualidade, capacidade de ouvir o outro, valorização das capacidades individuais, desenvolvimento de uma pedagogia dialogal.

Essas atitudes deveriam consubstanciar-se em práticas pastorais coerentes com os seus postulados: iniciação à vida cristã como experiência pessoal de Deus e de sua Palavra; acolhimento na comunidade eclesial; dinâmica de acompanhamento; formas organizadas de aconselhamento; contatos pessoais, visitas domiciliares…

O respeito às diversas etnias e culturas terá que favorecer uma autêntica inculturação. A inculturação implica, sem dúvida, em fidelidade à Palavra consignada na Escritura, na Tradição e no Magistério, mas, em não menor grau, em abertura às diferentes culturas, com suas práticas, seus símbolos, seus valores.

Necessidade de inculturação sente-se principalmente nos domínios da catequese e da liturgia.

Postula-se uma liturgia inserida na vida e na cultura do povo, que leve em conta o universo simbólico das comunidades, com menos discursos e mais símbolos. Sugerem-se celebrações mais vivas, participativas, criativas e festivas. Fala-se de uma liturgia “missionária”.

Deve-se levar adiante e fazer avançar a catequese renovada, integrando fé e vida, dimensão pessoal, comunitária e social da fé, respeito à mensagem cristã e às diferentes culturas. A catequese deveria ser cada vez mais um processo permanente e progressivo, atingindo não apenas as crianças (a serem valorizadas como “agentes” por sua penetração na família, na escola e na sociedade), mas igualmente os jovens e adultos. Seria renovada, permanente, existencial, inculturada e libertadora, iluminando todas as dimensões da vida (afetiva, familiar, social, política, ideológica etc.). Seria uma catequese capaz de “gerar convicções” e não simplesmente de “ensinar ideias”. Fala-se de uma catequese “missionária”.

Os movimentos eclesiais (a menção mais frequente é da renovação carismática) são vistos mais como desafio do que como resposta pastoral. Os presbíteros estão preocupados com o alastrar-se de uma religiosidade individualista, intimista, setorizada, estanque, alienante. Reconhecem, porém, que a procura dos movimentos põe a descoberto um tipo de demanda que outras estruturas pastorais não estão atendendo. Percebem também a necessidade de se acompanhar os vários movimentos e de os presbíteros estarem preparados para isso. Os critérios de comunhão e participa­ção devem nortear o ingresso e a atuação dos movimentos nas dioceses e paróquias.

Em contrapartida, os movimentos populares recebem uma simpatia incontestavelmente maior. Enfatiza-se o dever de “caminhar sempre mais com o povo oprimido”, “priorizar as massas empobrecidas e marginalizadas”, “colocar-se evangelicamente a servi­ço dos pequenos, dos simples e dos mais necessitados”, “ser pobre com os pobres”. Para tanto, é necessário conhecer os pobres reais, reconhecer que são verdadeiros sujeitos históricos, apoiar os movimentos populares, reivindicando, com o povo, a efetivação das políticas sociais básicas (emprego, salário justo, moradia, alimentação, saúde, educação etc.), defender os direitos dos mais fracos, colocar os próprios bens (materiais e culturais) a serviço dos mais pobres e de suas lutas, ser ativamente solidários e cooperar com todos os movimentos sociais que buscam a justiça e promovem os direitos humanos. A ideologia neoliberal, com sua idolatria do mercado e suas nefastas consequências sociais, é duramente criticada. Em termos de referencial teórico, remete-se ao ensino social da Igreja, que deve ser melhor conhecido, mais difundido e levado à prá­tica; em termos de estruturas pastorais, recebem destaque algumas pastorais sociais (rural, operária, política, do menor, da criança).

Constata-se o mau uso dos meios de comunicação social por parte da Igreja e insiste-se na urgência de uma verdadeira pastoral da comunicação: utilizar melhor os MCS disponíveis; formar agentes (presbíteros e leigos) para atuarem nos MCS; ajudar a desenvolver a consciência crítica diante dos MCS; melhorar a comunicação interna na Igreja.

Em meio a tantos desafios e a respostas pastorais tão diversificadas, percebe-se a necessidade de uma mística que seja o núcleo portante da vida e ministério do presbítero. A evangelização precisa de padres que tenham feito forte experiência de Deus e se convertam continuamente a Jesus Cristo e ao seu evangelho. Sem uma forte espiritualidade pessoal, não se poderá responder aos desafios da evangelização. Trata-se da mística do seguimento de Jesus, servo, evangelizador do Reino, pastor; presença onde o povo está e se reúne; vivência pessoal da opção preferencial pelos pobres (sobriedade no vestir e nas coisas da Igreja); independência em relação aos poderes e aos poderosos; espírito missionário; pedagogia dialogal (não ser centralizador, autoritário, dominador, aprender a ouvir, valorizar a caminhada do povo, ajudando-o a interpretá-la; aprender com o povo; aprender a fazer com os outros); coerência entre palavra e vida; ênfase na caridade pastoral (“mais pastor, menos administra­dor”; “menos funcionário, mais missionário”); a autoridade como serviço; familiaridade com Deus através da oração pessoal (“místico para ser mistagogo”); a perseverança que brota da esperança.

Dos presbíteros se espera um testemunho eclesial, comunitário e fraterno. Não haverá verdadeira evangelização sem unidade de critérios (objetivo geral da CNBB, Diretrizes Gerais, planos diocesanos) e sem respeito à legítima diversidade. Os presbíteros não evangelizarão sem um contexto comunitário. Daí a necessidade de alimentarem e exprimirem socialmente um espírito eclesial que se sobreponha ao clericalismo, ao sectarismo e ao corporativismo, fazendo emergir, em primeiro plano, o povo de Deus em sua unidade e igualdade fundamental. Falta muito para que, entre os presbíteros, o relacionamento seja mais fraterno: faltam encontros, tempo para a convivência, entrosamento, confiança mútua, relacionamentos mais profundos. São poucos os que alimentam a própria espiritualidade pela participação em grupos sacerdotais ou vivendo em equipe com revisão de vida.

 

4. Quem evangeliza

A implementação dessas respostas pastorais aos desafios da modernidade e das mudanças em curso na sociedade brasileira dependerá da efetiva mobilização dos leigos, dos ministros não ordenados e dos ministros ordenados, particularmente dos presbíteros, e de uma ágil articulação entre essas várias forças eclesiais.

 

4.1. Leigos

Aos leigos deve ser reconhecida — na teoria e na prática — sua plena dignidade cristã e eclesial e sua habilitação batismal e carismática a participarem da missão da Igreja na própria Igreja e na sociedade.

Daí a insistência com que os presbíteros se referem a “favorecer aos fiéis leigos uma experiência pessoal e íntima de Deus”, a “acreditar no leigo”, a “dar ao leigo formação adequada às suas necessidades pessoais e pastorais”, a “repartir com os leigos as responsabilidades pastorais e o poder”, a “garantir aos leigos participação nas decisões, na execução e na avaliação das atividades da Igreja”, a “fortalecer a consciência do leigo como sujeito de evangelização”, a “confiar-lhes responsabilidades eclesiais verdadeiras e não somente serviços subalternos ou de simples substituição do padre”, a “respeitar sua autonomia e liberdade de ação”. É urgente a formação de um laicato consciente, maduro e comprometido, capaz de influenciar, a partir do evangelho e de suas implicações éticas, nos diversos ambientes e instâncias da sociedade civil. A missão dos leigos no mundo, a serviço da justiça e da fraternidade, deve ser priorizada. E aí a lacuna é grande.

 

4.2. Ministros não ordenados

Os presbíteros, por outro lado, apostam igual­mente numa Igreja toda ministerial. Para tanto, têm consciência de que se deve valorizar cada cristão e os carismas de cada um, criando condições para a sua integração na comunidade e a sua participação em responsabilidades eclesiais diversificadas (serviços e ministérios). Os ministérios não ordenados não são concessão que a hierarquia faz aos leigos, mas elemento constitucional da Igreja, tendo seu fundamento na condição cristã (dada pelos sacramentos de iniciação) e nos carismas do Espírito (dados livremente a cada um). Nascem sempre num contexto comunitário, na medida em que se está atento às necessidades da comunidade e às capacidades das pessoas. Donde a importância da sensibilidade aos desafios da realidade e aos dons de cada pessoa. Para se instaurar um processo pastoral de novos ministérios, os presbíteros sublinham os seguintes momentos e instrumentos: responsabilização sempre maior das Igrejas locais, conscientização do presbitério, conscientização das paróquias e comunidades, discernimento das necessidades comunitárias e das potencialidades individuais, espaço para a assunção de verdadeiras responsabilidades por parte dos leigos, formação adequada (preferindo-se a “formação na ação”), acompanhamento. Alguns chamam a atenção para os limites da “suplência”, para o risco da clericalização, para as vantagens do sistema de rodízio, para a urgência, em determinadas situações, de se liberar e de remunerar leigos para a pastoral.

 

4.3. Presbíteros

Os presbíteros alertam para um fenômeno perigoso em seu seio: o desencanto, o desalento, a desmobilização de uma parcela do clero provocados pela erosão de referências e modelos, podendo redundar em evasão ou vir a engrossar o contingente dos que se acomodaram numa pastoral rotineira, de mera manutenção, centrada nas tarefas mais tradicionais do ministério (sacramentalização e administração).

Além disso, alertam para outros pontos de estrangulamento: o número insuficiente de padres e as falhas na sua distribuição, a exclusiva polivalência da maioria dos padres, a centralização da ação pastoral em suas mãos, a crescente burocratização da pastoral, a ausência de critérios comuns de análise, julgamento e ação, a falta de efetivo entrosamento e articulação entre os padres, o atavismo desgastante, o despreparo para enfrentar pastoralmente a modernidade.

Diante desse quadro, as medidas sugeridas privilegiam a pastoral vocacional, a formação inicial, a formação permanente e a articulação (das pessoas e das ações).

 

4.3.1. Pastoral vocacional

O despertar de vocações para o presbiterato encontra sérios obstáculos no contexto da sociedade moderna (visão utilitarista da vida, desprestígio dos profissionais eclesiásticos, diversificação das opções profissionais) e da Igreja (modelo uniforme de presbítero: jovem-universitário-celibatário; insegurança do clero atual).

Acredita-se, porém, que um forte empenho evangelizador — conjugando pastoral comunitária, familiar, catequética, da juventude e vocacional — possa continuar garantindo novas vocações, sem, contudo, reverter o quadro atual. Por isso, pleiteia-se a adoção de medidas mais ousadas, visando à alteração do perfil dos candidatos à ordenação: facultar a ordenação de “viri probati”; respeitar as peculiaridades de cada cultura, não impondo esquemas culturais europeus a indígenas, afro-brasileiros e caboclos; possibilitar a emergência de modelos diferenciados de presbítero, na tentativa de se responder ao pluralismo social, cultural e religioso atual. Não se esquecendo de que o vigor apostólico das comunidades e o testemunho forte dos presbíteros são os elementos mais fundamentais no despertar das vocações.

 

4.3.2. Formação inicial

A formação inicial deveria preparar o futuro presbítero para enfrentar pastoralmente os desafios da modernidade e da sociedade em constante mudança. Além de uma formação básica comum, deveria haver também uma formação diversificada (simultânea e/ou posterior) em vista da atuação em meios específicos, em culturas específicas ou em pastorais específicas. Não se deveria admitir nas casas de formação pessoas sem algum comprometimento prévio com a Igreja e com o povo. Tendo como meta a formação do presbítero-pastor, a formação inicial seria integral (humana, afetiva, sexual; espiritual; teológica e pastoral) e conjugaria sempre teoria e prática. Os formadores não poderiam ser improvisados, mas receber formação específica e atualizar-se constantemente. O presbitério local — contando também com a ajuda das comunidades e dos leigos — seria o grande responsável pela formação de seus futuros membros. Não se deveria ter pressa em ordenar, sobretudo em casos de dúvida.

 

4.3.3. Formação permanente

Os presbíteros — em maior ou menor grau, dependendo de sua história pessoal e do contexto social e eclesial em que se encontram — sentem-se inseguros e despreparados para enfrentarem os novos desafios. Reclamam formação permanente.

Nesse sentido, aprovam a iniciativa da CNBB de favorecer a grupos de presbíteros cursos extensivos de formação (45 dias: Belo Horizonte, Fortaleza, Curitiba; 30 dias: São Paulo) e pedem sua continuidade. Louvam iniciativas pioneiras, como a da diocese de Ilhéus, que reuniu todo o seu clero, durante um mês, para uma experiência de convivência formativa nas áreas humano-afetiva, teológico-ministerial, pastoral e espiritual.

Além de cursos diocesanos e regionais — ocasionais ou periódicos — propõem a implementação de outras alternativas: a criação de centros diocesanos de leitura e estudo; a criação de centros regionais ou inter-regionais de formação permanente, que contassem com uma equipe de assessores, locais e convidados; a liberação de presbíteros que preencham as condições de interesse e capacidade para cursos de especialização mais prolongados, de acordo com as necessidades pastorais; o favorecimento de formação específica, em instituições especializadas, para os padres que assumem determinadas áreas da pastoral (por exemplo, familiar, da juventude, operária, da comunicação); a criação de bibliotecas móveis; a utilização de algum veículo de comunicação para fazer chegar aos presbíteros materiais e subsídios de seu interesse.

Para tanto, haveria que se motivar o clero (desde o tempo de seminário) para o estudo e a formação permanente. Nas dioceses, as reuniões do clero teriam sempre um momento — ou, melhor ainda uma dimensão formativa. As dioceses deveriam destinar recursos para a formação permanente (bibliotecas, cursos, assessorias etc.), dada a sua urgência e prioridade.

Independentemente das modalidades operacionais concretas, a formação permanente estaria voltada para a globalidade da pessoa e do ministério dos presbíteros (dimensões humano-afetiva, espiritual, teológica e pastoral). Em nível nacional, à CNC, com a cooperação da CRB e a participação de especialistas, caberia a dinamização desse serviço indispensável aos presbíteros do Brasil. Em nível local, as equipes de vivência comunitária e de missão, que estimulam a fraternidade e a missão presbiteral através da oração comum, do estudo em grupo e da revisão de vida, devem merecer especial apoio e estímulo.

 

4.3.4. Perfil do presbítero

Se tentássemos delinear o perfil de presbítero que emerge dos encontros preparatórios regionais e do IV ENP, destacaríamos os seguintes traços:

— homem de personalidade dinamicamente integrada, capaz de relações pessoais fortes, diálogo, respeito pelo outro, trabalho em equipe (com os bispos, os demais presbíteros, os leigos e leigas);

— um discípulo no seguimento de Cristo que, além disso, o associou a si em sua missão de enviado, servo e pastor;

— um ministro de Cristo, da Igreja e do povo, com boa formação bíblica, teológica, espiritual, pastoral e socioanalítica;

— um agente qualificado, consciente da necessidade de formação integral permanente;

— sensível aos “sinais dos tempos” (desafios do contexto sociopolítico-cultural e eclesial);

— um pastor “generalista” no essencial de seu ministério (presidir à edificação da Igreja numa cultura e sociedade determinadas), “especialista” em determinada área de pastoral, “solidário” com outros agentes eclesiais;

— aberto à pastoral de conjunto (de sua Igreja local, da Igreja no Brasil e na América Latina, da Igreja universal), no horizonte de uma Igreja comunhão-participação-missão a serviço do Reino;

— um formador, animador e articulador de comunidades diversificadas, com serviços e ministérios vários, engajadas, em diálogo com o mundo, no testemunho de Jesus e do Reino…

 

4.3.5. Articulação

A crescente diversificação de respostas pastorais, no nível da pessoa, da comunidade e da sociedade, está a exigir, não só da Igreja como um todo, mas especialmente dos presbíteros, renovado esforço de articulação entre si, com as demais forças eclesiais e com as forças sociais abertas à novidade de Deus e de seu Reino.

Os presbíteros têm viva e sofrida consciência de que não poderão isolar-se do mundo nem responder sozinhos e individualisticamente à ingente missão da evangelização nesse final de século XX. Precisarão da liderança de bispos evangelizadores, da companhia de leigos conscientes de sua dignidade batismal e de sua vocação missionária. Precisarão sobretudo uns dos outros: amizade fraterna, equipes de vida e trabalho, grupos de estudo, reuniões de presbíteros por áreas de interesse, reuniões do presbitério, valorização dos órgãos eclesiais de participação (conselho presbiteral, conselho diocesano de pastoral, assembleia diocesana), assembleias de presbíteros em nível regional e nacional.

 

Pe. Antônio José de Almeida