(Entrevista com Dr. Içami Tiba)
Içami Tiba é psiquiatra, conferencista, escritor e psicoterapeuta de adolescentes, jovens e famílias há mais de 30 anos. É membro da equipe técnica e científica da Associação parceria contra drogas, com vasta experiência na coordenação de grupos de prevenção às drogas em grandes colégios de São Paulo.
Vida Pastoral (VP): Quais as principais razões que levam os adolescentes e jovens a procurar as drogas?
Içami Tiba (IT): A adolescência é um segundo parto — o primeiro deu-se na família, o de agora ocorre com ingresso na sociedade. Assim, é natural que busque seu próprio caminho longe dos pais, ao mesmo tempo que ainda conta com os pais para praticamente tudo do que precisa. A família vive os dilemas da dependência/independência. A maioria dos adolescentes e jovens não estão preparados para este parto: responsabilizar-se pelos próprios atos, pesar os prós e os contras, dando a devida importância histórica e ética do próprio comportamento. Esses adolescentes e jovens receberam uma educação repleta de “erros de amor”: muito poder, liberdade e prazer.
É na adolescência, pelo distanciamento familiar, que essa tríade pode se manifestar. O jovem se sente descompromissado com a vida, com poder e liberdade de realizar a busca do prazer, que, sem ética, encontra na droga.
Hoje os jovens procuram as drogas por curiosidade, “para melhorar o que está bom” nas festas, para facilitar o entrosamento com outros jovens, porque alegam não ver nada demais em fumar maconha, justificando erroneamente que isso faz menos mal do que cigarro e álcool.
VP: O senhor poderia detalhar melhor, tirando algumas conclusões, desta passagem de um de seus livros: “O prazer da droga, longe de ser natural e fisiológico, é químico e artificial, estranho ao organismo. É um prazer do qual um corpo saudável não necessita nem sente falta, mas, conhecendo-o, passa a buscá-lo” (cf. Amor, felicidade & Cia, Ed. Gente, p. 112)?
IT: As moléculas das drogas não fazem parte da fisiologia química humana, portanto não lhe são naturais. O estado psicológico resultante do uso da droga é alterado em várias áreas: nas senso-percepções, na organização mental, nas de noção de tempo e espaço, na capacidade de avaliação e julgamento. As alterações comportamentais podem ser para a excitação, depressão ou distorção.
Normalmente o corpo não estimula o cérebro a experimentar sensação que não conhece, entretanto quando já sentiu alguma, passa a evitar quando dolorosa e a procurar quando prazerosa.
O cérebro estimula a memória corporal, que, ativada, estimula o comportamento de afastamento ou aproximação. Por exemplo, para quem já comeu e gostou, o chocolate estimula o cérebro e a memória corporal desperta a vontade de comê-lo, fazendo com que o corpo se prepare para recebê-lo. Para quem o comeu e detestou, o cérebro não estimula o apetite e assim o chocolate é afastado.
As drogas, para a maioria das pessoas que as experimentam, provocam prazer. Esse prazer fica registrado na memória corporal. Basta um estímulo para despertar a vontade de usá-las. Tal estímulo nada provoca em quem nunca as usou.
VP: Há adolescentes e jovens que procuram os tóxicos por se encontrarem numa fase da vida caracterizada pela busca de afirmação pessoal. Há como mostrar a eles a falta de sintonia entre a liberdade e o tóxico?
IT: Liberdade é sentir poder fazer o que se tem vontade, de escolher qual o caminho a percorrer, de eleger com quem se quer estar, de pensar e de expressar os próprios sentimentos, de não precisar usar drogas para sentir prazer.
Sob a ação dos tóxicos, o usuário não consegue fazer sadiamente o que tem vontade (pois a vontade se altera), não escolhe seu próprio caminho (faz o caminho que a droga obriga), não escolhe as pessoas que ama (mas, sim, companheiros que usam a mesma droga), seus pensamentos e sentimentos estão alterados: acha que usa drogas porque quer e que pode parar quando quiser. Na verdade, esses são argumentos para justificar a continuação do uso da droga. Depois que uma pessoa experimenta drogas quer repetir a experiência. Portanto, vai perdendo a liberdade até chegar a ser obrigado a usar a droga. O viciado não tem opção: é obrigado a alimentar o vício. Quem é realmente livre não precisa provar que é livre. Quem usa drogas para provar que é livre, é porque não se sente verdadeiramente livre. Resumindo: Quem é livre não usa drogas.
VP: O senhor já coordenou grupos de prevenção às drogas em grandes colégios. Haveria algumas pistas indispensáveis a ser percorridas por parte de quem deseja formar grupos com esse mesmo objetivo (prevenir as drogas)?
IT: É indispensável a capacitação específica para prevenção às drogas.
1º Passo: Estudo científico da droga a ser prevenida
A) Quais as sensações que a droga provoca no organismo e por quê?
a) Imediatamente durante o uso: intoxicação aguda.
b) A longo prazo de uso: intoxicação crônica.
B) Quais os efeitos nos diversos órgãos?
Causa dependência ou não.
2º Passo: Estudo do usuário
A) Quais as alterações (sinais evidentes de uso) na aparência e no comportamento:
a) na intoxicação aguda?
b) na crônica?
B) Quais são os apetrechos utilizados?
C) Quais são os disfarces e desculpas utilizados?
a) como?
b) quando?
c) onde?
d) com quem?
D) Habitualmente se usa a droga?
E) Como o jovem a adquire?
3º Passo: Estudo da família do usuário
A) Quais os modelos de pai e de mãe que os usuários têm?
B) Os pais são respeitados como pessoas, como pais, pelos usuários?
C) Há mais usuários na família?
Com essa capacitação, diminuem os preconceitos sobre as drogas, tornando a prevenção mais objetiva, clara e assertiva.
Para essa capacitação sugiro a leitura dos meus livros:
• Anjos caídos — Como prevenir e eliminaras drogas na vida do adolescente.
• Saiba mais sobre maconha e jovens.
VP: Há correlação entre propaganda e uso dos tóxicos?
IT: Sim, quanto maior a propaganda, maior o uso, pois a propaganda é para aumentar o consumo, seja qual for o produto. Quanto às drogas ilícitas, a propaganda é vedada — no entanto, é feita boca a boca. As informações sem fundamentação científica servem como verdades que acabam se tornando argumentos para o uso das drogas, principalmente a maconha. É essa propaganda boca a boca que prepara o jovem sem outras informações para querer experimentara droga e depois querer liberá-la. Uma criança, quando pega um lápis, quer rabiscar, quando vê uma cerveja, quer beber, quando tem nas mãos um cigarro, quer fumar…
VP: Quais os tóxicos mais nocivos à saúde da população utilizados hoje no Brasil e como chegam aos consumidores?
IT:
Crack: chega aos consumidores por meio de traficantes. Quando um viciado procura maconha ou até mesmo cocaína, o traficante — por não as ter, ou mesmo para querer vender o que tem — oferece o crack. Ao viciado, raramente importa qual seja a droga, o que ele quer é consumir. Assim torna-se presa fácil dos traficantes.
Cocaína: Também chega aos consumidores via traficante. É muito mais fácil de ser encontrado e não é costume vender fiado. É bastante comum o traficante trocar uma pequena quantidade de pó por qualquer objeto de casa ou alguma peça de roupa que o usuário tiver nas mãos. É por isso que, na casa do cocainômano, aos poucos, vão desaparecendo relógios, tênis, agasalhos, jaquetas, rádios etc.
Maconha: Dificilmente o pequeno usuário compra maconha do traficante. Na maioria das vezes, ele ganha ou compra de amigos que também usam maconha. Como custa muito pouco, raramente somem objetos de casa, como acontece com a cocaína e o crack. Mesmo sem dinheiro um usuário consegue fumar maconha, pois quem tem a maconha sempre “apresenta” (oferece) a quem não tem. O maior traficante de maconha é o próprio usuário que leva para dentro do quarto do amigo, cujos pais nem desconfiam que o filho esteja fumando em casa…
Bebida alcoólica: Onde se reúnem os jovens, geralmente há cerveja — como se fosse bebida social. Torna-se pior quando os jovens querem aumentar o teor de álcool no sangue do que o oferecido pela cerveja, e passam a tomar bebidas mais fortes. É comum os rapazes comprarem bebidas como pinga, vodka etc. em supermercados, e beberem antes de ir para as festas. Acham que, assim, já vão calibrados”…
No meu livro Anjos caídos — Como prevenir e eliminar as drogas na vida do adolescente descrevo a escalada ao abismo e as trajetórias mais comuns que os usuários passam da droga mais leve até a mais nociva.
VP: Quando se fala em drogas pensa-se logo em substâncias “mais fortes” proibidas por lei. Sem esquecer isso, além das bebidas alcoólicas mencionadas acima, o que dizer do cigarro? As propagandas que buscam combater essas drogas estão sendo eficientes?
IT: Segundo um levantamento feito pela Associação parceria contra drogas, com 10 anos uma criança está começando a fumar, com 11 anos, já bebe sozinha e com 12 anos está experimentando maconha. Isso significa que, cada vez mais precocemente, as drogas estão entrando na vida das pessoas. Os males do cigarro e da bebida são minimizados pela legalidade e pelas propagandas, principalmente pela televisão. A escola que libera o uso do cigarro — o que é ilegal — tem grandes problemas com a maconha. A escola que proíbe o uso do cigarro tem menos problemas com maconha. O que já está comprovado é que o uso do cigarro favorece o uso da maconha. 80% dos usuários de maconha começaram usando cigarro. Infelizmente ouso da bebida está sendo muito estimulado, principalmente a cerveja, entre os jovens. Os mais inseguros sentem-se até amadurecidos quando bebem. Isso é um erro, pois quando passa o efeito da bebida, volta a insegurança— agora ainda maior. Quem tem segurança não precisa beber para provar nada.
Realmente, o ideal da propaganda antidrogas ainda não foi atingido. Mas um estudo feito em três escolas públicas em Campinas comprovou que os jovens que têm informações sobre drogas não vão para as drogas mais pesadas como cocaína, crack etc.
VP: Quais os maiores desafios para vencer as drogas neste início de terceiro milênio?
IT: Para vencer as drogas é preciso haver eficiente combate ao tráfico, adequado tratamento aos usuários e educação preventiva ao uso delas. Para que o combate seja eficiente é preciso uma educação que vença a corrupção. É preciso muito sacrifício e gastos para se recuperar um drogado, e, mesmo assim, a sua recuperação definitiva não está garantida. Um vício não se cura nunca. Ele pode ficar adormecido no interior da pessoa, mas também pode despertar a qualquer momento, e, então, a pessoa volta ao vício como se nunca tivesse parado de usar as drogas. Portanto, o melhor remédio é a educação, com profundas bases na disciplina, na religiosidade, na gratidão, na ética e na cidadania.
VP: Mensagem a quem se dedica a esse campo de promoção do ser humano…
IT: A droga só se vence lutando contra ela. Mesmo que cada um faça a sua parte direitinho, ainda será insuficiente. A droga está, de tal maneira, tomando conta dos jovens que é preciso a participação de muitas pessoas na formação de grupos ativos e cooperativos, envolvendo os próprios jovens, na luta contra ela.
Darci Luiz Marin