Publicado em número 232 - (pp. 3-8)
Catequese renovada: 20 anos notas históricas
Por Pe. Luiz Alves de Lima, sdb
Há 20 anos era aprovado o documento nº 26 da CNBB: Catequese Renovada: orientações e conteúdo (CR). Considerado o mais importante documento catequético brasileiro, tornou-se a cartilha dos nossos catequistas. Seu processo de criação e aprovação representa um dos momentos mais vibrantes e fecundos do Movimento Catequético Brasileiro (MCB), quer pelas pessoas envolvidas, quer pela produção dos mais diversos tipos de estudos e pela profundidade da reflexão.
Sendo um documento oficial da Igreja no Brasil, a CR está fortemente ligada à reflexão e decisões do episcopado. Este, por sua vez, serviu-se da experiência vital dos agentes de catequese e da assessoria de estudiosos. Mais do que sua aprovação num texto oficial, foi significativo o processo pelo qual o documento foi gerado: envolveu a participação dos catequistas de base, grande número de catequetas e quatro assembleias gerais do episcopado (1980-1983). Também foi precedido por dois instrumentos de trabalho e pela redação de vários roteiros de catequese. Vamos percorrer brevemente esse longo itinerário e acompanhar os passos de seu desenvolvimento.
A presente reflexão baseia-se sobretudo em material de arquivo — quer pessoal, quer oficial — recolhido também em trabalhos acadêmicos — já foram produzidas várias teses de doutorado e mestrado sobre a CR. Procuraremos expor não somente as ideias e seu desenvolvimento ao longo do processo de confecção e aprovação da CR, mas também as pessoas que deram sua contribuição, o que pode favorecer maior compreensão dos diversos momentos.*
1. Antecedentes do documento Catequese Renovada
1.1. A renovação pós-conciliar
A renovação eclesial, pastoral e teológica provocada pelo Concílio Vaticano II está na base da renovação catequética brasileira. Mais proximamente, os esforços representados por catequistas e catequetas na década de 60, particularmente o encontro nacional do Rio de Janeiro (julho de 1968), a semana internacional de Medellín (agosto de 1968) e a consequente Conferência do Episcopado Latino-Americano também em Medellín (agosto-setembro do mesmo ano), são como que os pressupostos teológico-pastorais da catequese no Brasil.
O Papa Paulo VI, em 1975, publicou a Evangelii Nuntiandi, sobre a evangelização, talvez o maior documento eclesial do século XX, após os documentos conciliares. Logo depois convocou o Sínodo de 1977, que, em continuidade com o tema da evangelização, refletiu a catequese em nosso tempo e lhe apontou novos caminhos. Grande papel também tiveram as novas lideranças que apareceram na Igreja; elas transmitiram renovado entusiasmo e dinamismo no já movimentado MCB. Em 1978 é eleito Papa João Paulo II, que, com sua Catechesi Tradendae e visitas à América Latina, particularmente ao Brasil (1980), influenciou o curso dos acontecimentos. Ele afirmou: “O futuro da Igreja neste país depende em máxima parte de uma catequese sólida, segura, alicerçada no mais genuíno ensinamento da Igreja… tratem uma e muitas vezes desse tema em vossas assembleias nacionais, regionais e diocesanas”. No Brasil, em 1979, houve também renovação da presidência da CNBB, e à frente do departamento nacional de catequese (Linha 3 = L 3) foi posto D. Albano Cavallin, que manifestaria carismática liderança na condução da renovação catequética por três mandatos.
A elaboração das Diretrizes Gerais 1979-1982, sob o forte impacto dos documentos da Assembleia de Puebla (1979), proporcionaram maior esclarecimento e aprofundamento das opções teológico-pastorais da Igreja no Brasil, elementos fundamentais para o desenvolvimento da catequese. A reafirmação da dimensão comunitária e de uma eclesiologia fundamentada na participação e na comunhão deu renovado impulso às CEBs e pequenas comunidades. Da prática catequética dessas comunidades vivas surgiu o novo modelo catequético que foi proposto a toda a Igreja: o método da interação entre fé e vida.
1.2. A renovação catequética
Nesse quadro de renovação da vida eclesial, a reflexão catequética avançou consideravelmente. Duas assembleias gerais do episcopado (1979 e 1980), três seminários nacionais e uma série de outras reuniões deram passos significativos para a definição e aprofundamento das linhas teológico-operativas da catequese. Rejeitando a ideia de um catecismo nacional dentro dos velhos ou renovados esquemas catequéticos, pensou-se em elaborar um roteiro ou temário catequético que pudesse ir ao encontro de maior unificação da catequese em âmbito nacional.
Os catequetas, no esforço de apresentar algo mais abrangente do que um simples roteiro ou elenco de temas, por mais renovados e profundos que fossem, procuraram estudar melhor a natureza e finalidade da catequese e o sentido de seu conteúdo. Nas trilhas da recente tradição catequética, a partir do pós-Concílio, passando por Medellín e Puebla, compreendeu-se que a verdadeira educação da fé só pode ser feita com base nos acontecimentos da vida, de modo que a mensagem ressoe (katá-ekéo!) continuamente na vida dos catequizandos e, mais ainda, na vida e caminhada da comunidade de fé.
Inspirando-se também na reflexão europeia dos anos 60 sobre essa correlação (interpretação da vida à luz da fé e descoberta da fé em ligação com a vida), formulou-se o princípio de interação entre fé e vida. Tal modelo catequético, fiel a Jesus Cristo, à Igreja e à pessoa humana, procura, no contexto latino-americano e sobretudo brasileiro, privilegiar a opção preferencial pelos pobres. Isso provoca notáveis alterações não só em termos metodológicos, mas também no conteúdo da catequese.
O interesse do episcopado pela catequese começou propriamente na 17ª Assembleia Geral (AG) em abril de 1979, quando a catequese foi escolhida como tema de reflexões e decisões. D. Albano Cavallin convocou, então, um seminário em novembro de 1979 cuja finalidade era “fundamentar critérios sobre conteúdo e metodologia para a pastoral catequética”, à luz dos recentes documentos e da caminhada histórica da catequese no Brasil. Suas conclusões, em dez pontos, praticamente contêm as ideias que impulsionaram o MCB nesse período e o núcleo do futuro documento CR: radical cristocentrismo, substancial eclesiologia de comunhão e forte dimensão antropológico-situacional.
A preocupação da L 3 era formular os conteúdos da catequese, tendo em vista o temário ou o roteiro catequético solicitado. Mas esse seminário acabou afirmando que o conteúdo fundamental da catequese é seguimento de Jesus Cristo na comunidade de fé, que transmite por um processo de Tradição à qual pertence a Escritura — e tudo isso articulado com as situações concretas da vida. À luz dessas teses é que se entende a outra formulação tão divulgada naqueles anos: a caminhada da comunidade faz parte do conteúdo da catequese. Como veremos, para o episcopado não foi fácil aceitar esse princípio e integrá-lo no documento CR: inúmeras discussões, assembleias, reuniões, documentos e confrontos se sucederam, até se chegar a uma formulação aceita e aprovada.
Durante a 18ª AG (fevereiro de 1980) foi discutido o tema catequese, mas as ideias ainda não estavam maduras. O episcopado determinou explicitamente num pequeno documento: “Elabore-se um núcleo ou roteiro de catequese em nível nacional” — que deveria conter os elementos fundamentais exigidos pela integridade da mensagem, conforme os documentos posteriores ao Vaticano II, traçar orientações de pedagogia catequética, ser adaptável aos regionais, às dioceses e às diversas situações dos destinatários e, finalmente, ser ponto de referência para os redatores de textos catequéticos.
1.3. As novas perspectivas catequéticas
Em junho de 1980 realizou-se outro seminário em São Paulo. Os participantes saíram dele um pouco frustrados, pois não conseguiram chegar a conclusões oficiais. Entretanto foi um encontro decisivo para a reflexão posterior: recusou-se a elaboração de uma simples lista de temas e buscou-se nova concepção de catequese; determinou-se que a experiência religiosa da comunidade de fé é o lugar da manifestação da Palavra de Deus e elemento central da educação da fé. Um dos participantes, o Pe. Wolfgang Gruen, desenvolveu tais ideias, apresentando-as, em outubro do mesmo ano, numa assembleia regional do Leste II (da CNBB), e no encontro nacional de novembro seguinte em Brasília. O resultado de tudo isso foi levado à Assembleia Geral da CNBB de 1981, quando o tema catequese foi discutido mais amplamente. O texto do Pe. W. Gruen constituiu, então, o ponto de referência e de discussão em torno do qual se intensificou o debate do MCB até se tornar, num processo lento e de intensa participação, no documento nacional CR.
Em síntese, o novo texto-base apresentou estas ideias: 1. A catequese doutrinal, com sua lista de verdades a ser transmitidas, está superada, e seria um contrassenso repropor esse modelo nocional. 2. A reflexão cristã se faz com base nos acontecimentos da vida, do contrário o evangelho não se torna uma mensagem. 3. Isso é possível mediante o planejamento de uma catequese em interação com a vida, de modo que a mensagem ressoe sistematicamente ao longo da caminhada da comunidade, caminhada que também deve ser planejada. 4. Esse modelo de catequese deve ter duas prioridades: a) fidelidade a Jesus Cristo, à Igreja e à pessoa humana; b) opção preferencial pelos pobres, ótica na qual tudo há de ser visto.
Muitos outros elementos foram abordados nesse texto, como a descrição dos três modelos catequéticos (doutrinal, experiencial e de interação), a mediação da experiência religiosa na educação da fé, a correlação entre tradições da fé e novas experiências de vida (de modo especial nas CEBs), a caminhada da comunidade de fé com autêntico conteúdo da educação da fé, os passos que interagem mutuamente num crescimento contínuo da comunidade (futuramente denominados: a união entre os membros, a abordagem da realidade, a vida eclesial e a explicitação da fé). A descrição da mensagem (em forma de roteiro), proclamada e ouvida dentro da situação histórica, é um sucinto quadro de referência ou de expressões de fé formuladas a partir das experiências de fé vividas nas CEBs. As discussões que se seguiram marcam, sem dúvida, um dos períodos mais pujantes do MCB após o Vaticano II.
2. Primeiros passos na elaboração do documento catequético
Durante a 19ª Assembleia Geral (fevereiro de 1981) o debate foi intenso, porém não se chegou a uma definição. O episcopado preferiu remeter o assunto para a assembleia seguinte. Publicou-se um texto como Instrumento de Trabalho (IT) com o título Orientações em torno do conteúdo da catequese. Na verdade esse título traduz aquilo que os assessores pensavam: não elaborar simplesmente uma lista de “verdades” a ser ensinadas ou transmitidas na catequese, mas sim apresentar uma reflexão séria sobre todo o ato catequético é sua função no conjunto eclesial, particularmente na pastoral orgânica. O IT inicia-se com uma breve visão histórica da catequese. Vêm, a seguir, três longos capítulos: o primeiro trata dos três modelos de catequese (doutrinário, empirista e de interação — neste último há uma ampliação); o segundo apresenta alguns critérios para uma catequese realista e autêntica hoje (opção pelos pobres, fidelidade a Jesus Cristo, à Igreja e à pessoa humana, catequese como parte da pastoral de conjunto); o terceiro capítulo intitula-se “Prática do modelo de interação” (a caminhada da comunidade, a mensagem, observações metodológicas sobre a mensagem, outros elementos integrantes do conteúdo, suas consequências). Note-se que a parte intitulada “Mensagem” permanece praticamente igual à elaborada pelo Pe. W. Gruen, porém está impressa em itálico, o que lhe dá maior realce. Isso será mantido também na edição definitiva da CR, em que o capítulo aqui intitulado “Mensagem” se transformou em “Temas Fundamentais para a Catequese Renovada”.
Vinte mil cópias desse texto foram distribuídas: a intenção da L 3 foi prolongar o processo de elaboração do novo documento catequético envolvendo o maior número possível de pessoas, em todos os níveis, e ampliando a discussão sobre a catequese. Era uma metodologia para facilitar a reflexão e a assimilação da renovação que vinha no bojo do documento. De fato, assim aconteceu: desencadeou-se intenso movimento de reflexão, talvez nunca havido anteriormente. Multiplicaram-se reuniões, assembleias, cursos, conferências, dias de estudos, dramatizações, encenações e outras iniciativas com os catequistas de base para aprofundar as ideias do novo documento.
Houve entusiasmo generalizado, e no ambiente eclesial começou-se a falar e discutir conceitos novos para a maioria: caminhada da comunidade, formulações da fé, revelação de Deus por meio de palavras e acontecimentos, interação entre fé e vida, catequese como processo, modelo doutrinal, empirista, de interação… Foi um grande momento para o MCB. Pela primeira vez em nossa história discutiu-se amplamente a natureza e o significado da catequese na comunidade cristã. Nem todos conseguiam acompanhar suficientemente a reflexão, mas percebiam que catequese era assunto importante e que ela estava adquirindo um novo rosto. Não faltaram críticas, às vezes contundentes, como as da Arquidiocese do Rio de Janeiro, principalmente no tocante à concepção de Revelação, à transmissão da mensagem e sua relação com a caminhada da comunidade. A impostação geral, fundamentada na prática e na teologia da libertação, encontrava sérias resistências e críticas, às vezes mordazes, dos opositores dessa corrente teológico-pastoral.
O IT passou por várias redações, com contribuições do encontro nacional de coordenadores regionais (outubro de 1981) e um intenso trabalho da L 3, à frente da qual estava o Pe. José Gueerickx. Abandonou-se a ideia de chegar a um roteiro, pois “não adiantaria mudar apenas o roteiro, sem ir mais a fundo”. Ir a fundo, aqui, significava elaborar verdadeiras diretrizes nacionais de catequese, sem ter de ficar girando “em torno do conteúdo da catequese”. Prevaleceu a ideia de apresentar as orientações gerais da catequese, sem descer ao elenco das verdades da fé. Como consequência, o novo IT preparado para ser apresentado na próxima Assembleia dos Bispos, e depois publicado como separata para o estudo nas comunidades, não continha mais aquela pequena descrição da “Mensagem” que havia desde os esboços anteriores. Assim, sem nenhum roteiro, temário ou esboço da mensagem, o novo IT foi apresentado à 20ª AG de 1982.
3. Novos debates e aprovação definitiva
3.1. A insistência sobre o roteiro catequético ou temário
No encaminhamento do tema, durante a 20ª Assembleia em 1982, falou-se da ampla discussão nas dioceses e do cuidado dos redatores em acolher as sugestões feitas até então, dando atenção maior à figura de Cristo na Revelação, às dimensões da catequese e à melhor distribuição da matéria. Mereceram destaque: a opção pelos pobres, espírito comunitário, fidelidade a Jesus Cristo, à Igreja e à pessoa humana, interação entre doutrina e vida, a caminhada da comunidade. A maioria das críticas recaiu sobre o conteúdo da catequese e a relação entre Revelação e catequese. Alguns acusaram o documento de dar mais importância ao método do que ao conteúdo, de desprezar o conteúdo revelado, privilegiando a situação do catequizando, de igualar a Revelação em Cristo com as manifestações de Deus na História, de dar pouco valor às antigas fórmulas da fé, inteligíveis em todos os tempos. Houve insistência na preparação, quanto antes, de um roteiro com os conteúdos catequéticos para ser enviado aos catequistas. Da votação resultou a definição de que o texto deveria voltar às bases, ainda como Instrumento de Trabalho, e de que se retomasse o texto dos temas fundamentais de catequese apresentados na 18ª AG, desenvolvendo o conteúdo fundamental de cada item, de modo que tudo estivesse concluído no início de 1983. Nessa assembleia foi também aprovada a instituição do Dia Nacional do Catequista, a ser celebrado no último domingo de agosto.
Apesar de todo o esforço dos redatores, os conceitos não estavam claros, e havia ainda muita resistência a compreender o tema da Revelação, ou contra a nova visão de conteúdo da catequese, por causa do fantasma de falsas interpretações. O preconceito contra essa visão certamente tinha como pano de fundo também a polêmica existente naqueles anos entre o Magistério e os teólogos da libertação, com intensa repercussão no Brasil. Assim, era patente o mandato dos bispos para que se voltasse ao problema dos temas fundamentais de catequese, desenvolvendo o esquema baseado em Puebla (o qual, por sinal, havia sido novamente distribuído em assembleia). A posição da assembleia era clara: por mais interessante que fosse considerar a caminhada da comunidade como conteúdo catequético, era necessário definir claramente o conteúdo doutrinal da catequese: a confecção de um roteiro era urgente.
Diante desses resultados, D. Albano dirigiu-se a vários assessores — entre os quais Leonardo Boff e seu irmão Frei Clodovis —, convidando-os a elaborar roteiros de conteúdo catequético. Porém, foi no “Encontro Nacional de Coordenadores”, do ano seguinte, que as coisas foram decididas. Nesse ínterim, alguns teólogos ajudaram na reformulação do IT, que foi publicado com o título de Orientações para uma Catequese Renovada.
3.2. O debate sobre o novo Instrumento de Trabalho: Orientações para uma Catequese Renovada
A nova redação do texto estava bastante modificada e dividida em três partes: 1. Visão histórica; 2. Catequese renovada e suas exigências; 3. Prática de uma catequese renovada. Aumentou consideravelmente a parte histórica, em que também se fez a análise das tendências e das orientações do Magistério na ocasião. Na segunda parte foi reelaborada a questão da revelação, que havia sido objeto de críticas; expôs-se a doutrina da interação entre vivência e formulações da fé, expressão repetida à saciedade durante todos os debates, as exigências dessa interação, particularmente a tríplice fidelidade a Deus, à Igreja e à pessoa humana, e as várias dimensões da catequese. Enfim, na terceira parte se descreveu a prática de uma catequese renovada, abordando o itinerário catequético da comunidade, a figura do catequista, o problema dos textos e manuais de catequese, e, já no final, fez-se alguma referência à catequese de crianças. Isso significa que a concepção de catequese desse documento foi pensada levando-se em conta o adulto. Reafirmou-se a intenção de estabelecer os fundamentos de uma renovação geral da catequese, de sua finalidade, conteúdo, metodologia e da figura do catequista. O novo passo seria a elaboração do roteiro por parte de um grupo de estudos. Por intermédio dos regionais, 40 mil cópias desse documento foram espalhadas pelas comunidades.
Essa redação intensificou o interesse pela catequese não só pela insistência sobre o roteiro, que a partir de então deveria ser redigido por mandato explícito do episcopado, mas também pela discussão que o novo texto provocou. O assessor de catequese, Pe. J. Gueerickx, afirmava que a Brasília continuavam a chegar críticas e sugestões a perder de vista. Pe. W. Gruen apontava algumas contradições internas e pedia que se refizesse toda a fundamentação teológica. O Regional Leste II falava da fragmentação do texto, idealista e longe da realidade; criticava a eliminação do conteúdo da catequese, mas reconhecia o valor do documento em mostrar que catequese é muito mais do que elenco de verdades. Da Arquidiocese do Rio de Janeiro vieram 35 páginas com críticas e textos alternativos. Em artigo de jornal, o cardeal dessa arquidiocese refutava a ideia de que a comunidade estivesse no centro da catequese. A seu ver, seria preciso colocar a doutrina autêntica no centro de tudo, e a memorização deveria ser retomada. A Nunciatura Apostólica afirmava ter enviado o texto à Congregação para o Clero, e esta expressou o desejo de querer revê-lo antes da publicação definitiva. Após elogiosa avaliação sobre o esforço e a originalidade do documento, a Nunciatura criticou o desequilíbrio antropológico, a visão de Revelação e a subjacente concepção eclesiológica, além de alguns vazios muito sérios, afirmando, entre outras coisas, que “a catequese pode ser um anúncio válido em si mesmo, ainda que não se chegue à interação entre vivência e fé”. Outras contribuições vieram da parte do Pe. J. Ruiz de Copegui e do Pe. A. Antoniazzi, que tiveram atuação decisiva na revisão posterior do documento numa reunião em São Paulo (julho de 1982). Nessa reunião foram discutidos diversos aspectos: destinatários, problema da linguagem na catequese, orientações pedagógicas, a questão das fontes formais (Escritura, Tradição, liturgia, vida cristã) e materiais (situação atual). Por fim, os participantes deram início à nova redação com base em um esquema proposto pelo Pe. A. Antoniazzi.
3.3. A aprovação definitiva do documento Catequese Renovada
Para D. Albano, a maior preocupação era o roteiro, uma vez que as orientações gerais já estavam bastante discutidas. Restava dar uma resposta ao episcopado, que insistia sobre um roteiro claro com o conteúdo explícito da catequese. No Encontro Nacional de Catequese, de agosto de 1982, foram estudados quatro modelos de roteiros catequéticos já existentes: 1) o texto mais antigo do Pe. W. Gruen, revisto pelo Instituto Lumen Christi de Campinas, que fazia parte das primeiras redações; 2) o roteiro do Instituto Teológico Pio XI, baseado no documento de Puebla, por meio de um esquema preparado pelo Pe. Ralfy Mendes de Oliveira e desenvolvido posteriormente por mim; 3) o roteiro dos irmãos Boff (cf. acima), que foi revisto pelo INP e do qual muito me servi para elaborar o segundo roteiro; 4) o roteiro do Regional Norte, tendo à frente Pe. Sandro Galazzi e Frei Ari Pintarelli, o qual constituía uma tradução popular do primeiro roteiro fortemente ancorada nas experiências das CEBs. Neste último, como no dos irmãos Boff, tudo está concentrado ao redor do conceito de Reino de Deus, visto, porém, da perspectiva da teologia da libertação.
Com esse Encontro Nacional concluiu-se o processo de consulta às bases sobre o documento catequético. Os trabalhos passaram então para o âmbito dos grupos de estudo e da assembleia episcopal. Esses pequenos grupos, como os seminários anteriores, podem ser considerados a origem do GRECAT (Grupo Nacional de Reflexão Catequética), fundado em 1983, após a aprovação da CR, o qual até hoje assessora a dimensão bíblico-catequética. Um grupo de trabalho (bispos e catequetas) reunido em Belo Horizonte (novembro de 1982), sob a coordenação do Pe. A. Antoniazzi, fez a revisão e a redação de todo o texto. Tendo de optar por um dos quatro roteiros para integrar o corpo do documento de catequese a ser apresentado à Assembleia dos Bispos, escolheu-se o segundo roteiro (do Instituto Pio XI). A razão que mais pesou nessa escolha foi o fato de ser o roteiro mais completo dos quatro, satisfazer de certa maneira o pedido dos bispos e desenvolver um esquema já apresentado nas assembleias anteriores. Abandonou-se o nome de roteiro e foi dado o título definitivo de “Temas fundamentais para uma catequese renovada”, como terceira parte do documento CR. Nessa reunião ficou articulado e configurado o texto já quase definitivo para a Assembleia Geral. Em reunião realizada em Brasília (Pe. J. Gueerickx, Ir. I. J. Nery e eu), em dezembro de 1982, fizemos as últimas integrações e revisões desses Temas fundamentais (terceira parte), enquanto outro grupo concluía a redação das outras três partes.
Na Assembleia Geral da CNBB de 1983 o texto foi apresentado com o título Catequese Renovada: diretrizes e conteúdo. Era a quarta vez que o tema entrava numa assembleia episcopal, dessa vez como documento bastante elaborado para a aprovação definitiva. Compõe-se de quatro partes: 1. A catequese e a comunidade na história da Igreja (dimensão comunitária da catequese); 2. Princípios fundamentais para uma catequese renovada (parte teológica, expondo o tema da Revelação e sua relação com a catequese); 3. Temas fundamentais para uma catequese renovada (trata-se do roteiro, sendo a parte mais longa); 4. A comunidade catequizadora (a catequese na caminhada da comunidade).
As discussões e observações se concentraram mais na segunda parte (Revelação) e na terceira (conteúdo da catequese). Em 15 de abril, o texto, refeito e emendado com as sugestões da assembleia, foi aprovado por unanimidade. Um longo aplauso indicou a satisfação episcopal pela conclusão de tão longo processo de elaboração do documento catequético. Logo depois foi publicado oficialmente com o título Catequese Renovada: orientações e conteúdo. Em carta de aprovação do documento, o Card. Silvio Oddi, prefeito da Congregação para o Clero, fez apreciação altamente elogiosa.
A acolhida ao documento foi entusiástica. O longo processo de preparação, reflexão e colaboração na gênese desse documento por parte de tantos catequistas, coordenadores, catequetas e pastoralistas despertara forte expectativa em torno dele. Em apenas um mês foram necessárias três edições, sendo distribuídos 50 mil exemplares — cifra impressionante, dado o pouco hábito de leitura e o pequeno poder aquisitivo da maioria dos catequistas. Durante todo o ano de 1983 e 1984 multiplicaram-se cursos, reuniões, assembleias regionais, diocesanas e paroquiais e muitas outras iniciativas para estudar a CR. A divulgação e a operacionalização da CR foram obra, sobretudo, dos novos assessores da L 3: o Ir. Nery, com seu dinamismo organizacional, e o Fr. Bernardo Cansi, de santa memória, com sua grande e carismática força de comunicação popular.
Conclusão
Foi uma longa e penosa caminhada, mas com resultados promissores. O envolvimento dos catequistas de base e de pessoas de todos os níveis eclesiais fez com que a CR fosse não só ponto de chegada consensual, mas também poderoso instrumento para a renovação catequética. Ela está em sua 32ª edição, com cerca de 200 mil exemplares distribuídos, sinal de sua grande aceitação e utilização. Ao lado da edição oficial, devem ser consideradas também as inúmeras versões em linguagem simplificada ou popular. Esse processo histórico serve de modelo para outras produções similares. Atualmente estamos trabalhando na redação do Diretório Nacional de Catequese. É boa oportunidade para resgatar as grandes intuições da CR e atualizá-las. Certamente também chegará o momento de redigir um Catecismo Nacional, embora isso não estivesse nas perspectivas da CR há 20 anos. Será, então, a hora de resgatar igualmente os outros três roteiros de catequese não integrados na CR (cf. acima 3.1). Eles poderão inspirar os possíveis catecismos nacionais ou regionais.
* Este texto não traz notas bibliográficas, pela própria natureza de divulgação desta matéria. Entretanto, cada afirmação está baseada em ampla documentação de arquivos e publicações. Os interessados na fundamentação bibliográfica poderão consultar minha tese de doutorado (Luiz Alves de Lima, A face brasileira da catequese, Universidade Pontifícia Salesiana, Faculdade de Teologia, Tese nº 346, Roma, 1995, 550 pp.) ou seu resumo, mais acessível: Luiz Alves de Lima, “Gênese e significado do documento ‘Catequese Renovada’” in Passos M. (org.), Uma história no plural, Petrópolis, Vozes, 2000, pp. 115-174.
Pe. Luiz Alves de Lima, sdb