Publicado em número 212 - Maio-Junho de 2000 (pp. 2-7)
Fascínio do Sagrado
Por Pe. João Batista Libânio
Fascínio do Sagrado é tema atualmente muito em voga. Há um aspecto circunstancial, conjuntural, que favorece esse surto sagrado. Mas ele não se constrói sobre o nada. Deve haver uma realidade mais profunda que está em jogo. Ela deve existir tanto do lado do sagrado que fascina quanto do ser humano que se deixa fascinar. Pretendemos responder a duas perguntas: O que há no sagrado e no ser humano que provocam entre si a fascinação? O que há no momento atual que aumenta esse fascínio?
São duas questões bem diferentes, mas cujas respostas se entrecruzam.
I. FORÇA FASCINANTE DO SAGRADO
Nenhuma realidade humana pode ser vivida fora do contexto concreto histórico. No entanto, o ser humano transcende todos os contextos. É uma experiência que todos fazemos e que expressamos de muitas maneiras, conforme nosso horizonte cultural.
Ora falamos da essência, da estrutura profunda, da realidade última, do cerne, da natureza autêntica do ser humano, ora de situações, circunstâncias, eventualidades que o afetam. Em todos os casos, intuímos que há em nós realidades permanentes, estáveis, e outras transitórias, fugazes. Mais: as realidades permanentes somente se tornam perceptíveis, reais, atualizadas, nas concretas e diárias circunstâncias.
É precisamente com essa percepção que contamos, sem querer entrar em nenhuma filosofia mais sofisticada. Tiramo-la de nosso cotidiano. Todos temos um senso de beleza. Mas ele se atualiza quando vemos coisas belas. Além disso, esse senso de beleza modifica-se, deixa-se educar. Chegamos até a inverter nossos gostos estéticos. Algo que antes nos encantava, hoje pode enjoar-nos. E, outras realidades que nada nos diziam de belo, hoje nos seduzem. Isso permite que façamos a dupla pergunta: O que é o senso estético e por que as belezas variam no seu código estético?
As mesmas perguntas valem para o nosso tema: Por que o Sagrado sempre fascina? E por que, hoje, o Sagrado fascina mais e sob que formas?
1. O Sagrado desvela o Transcendente
Se há fascínio, é porque algo é fascinante. Algo ou alguém? — é a primeira pergunta. O termo “algo” em português é uma de nossas poucas palavras que retiveram o sentido do “neutro” em latim. O latim conheceu três gêneros, que deixaram resquícios nas línguas neolatinas. Masculino, feminino e neutro. Tal aparece claro nos termos: este, esta e isto. Alguém esconde o lado pessoal que pode ser masculino ou feminino. Algo traduz o neutro.
Ao usar o neutro, prescindimos da dimensão pessoal. Queremos esconder de propósito a questão do gênero em que masculino e feminino se contrapõem. Ao substantivar os adjetivos, fazemo-los neutros. Em espanhol, isso aparece de forma nítida: “Lo Sagrado” e “El Sagrado” mostram a diferença do neutro e do masculino.
Essas breves considerações gramaticais permitem uma primeira abordagem da experiência do Sagrado. Num primeiro momento, o Sagrado tem uma característica de “neutro”. Não se revela em sua face pessoal. É algo. Tornou-se clássica a descrição dessa experiência por meio das duas palavras: fascinante e atemorizante (palavras usadas por R. Otto).
O Sagrado aproxima-se do ser humano vindo de uma região desconhecida, diferente, fora do cotidiano, ferindo-lhe especialmente os sentidos. Ele se esvaece toda vez que se vulgariza, se cotidianiza, se seculariza, se banaliza, se torna comum e ordinário.
Há uma tensão entre o Sagrado e o banal, ordinário. Tudo o que cabe bem dentro de nossas medidas, bem explicável, bem domesticado pelo nosso saber e vontade, perde a força de fascínio, de Sagrado.
O Sagrado não é transcendente, não é Deus, mas desvela, revela, aponta para o Transcendente, para Deus. É uma das experiências humanas que mais facilmente nos desperta para a Transcendência.
Enquanto o Sagrado mantiver essa tensão, favorece a experiência verdadeira de Deus. No momento em que o Sagrado perde sua força provocadora, seculariza-se. No momento em que ele se deixa apoderar pelo ser humano como uma força manipulável, corrompe-se.
O Sagrado somente conservará sua forma de fascínio, se mantiver essa janela aberta para a Transcendência, sem identificar-se com ela. Fecha-se a janela, quando ele se banaliza ou quando cai nas garras da magia, da simonia, da superstição, da idolatria, do comércio, degenerando-se.
O Cristianismo iniciou sua trajetória histórica cercado de dois mundos sagrados bem diferentes: o mundo judeu, que o traduzia sob a forma da Lei, do Templo, das Festas e de outros ritos; e o mundo pagão, com seu panteão de deuses e deusas, envolvidos por esplendorosas celebrações até ao extremo das orgias.
O papel evangelizador do Cristianismo passou por um movimento original. Rasgou o véu do “algo” para apontar para Alguém. Este Alguém era Deus Pai, que enviou o seu Filho e o Espírito Santo à nossa terra. Deslocava a busca da Transcendência para dentro da história humana, frisando o aspecto ético do seguimento de Jesus.
O Cristianismo deu-nos um sentido agudo da relatividade de todas as formas sagradas, religiosas, para nelas descobrir a presença do Transcendente com suas exigências éticas. Aqui está a sua desnorteante novidade. E as exigências decorrem do mistério da Encarnação. O cotidiano perde seu caráter anódino, sem cor sagrada, para tornar-se lugar da experiência de Deus.
É por isso que se afirmou tanto, nas reflexões sobre secularização, quê o Cristianismo tem uma força secularizante. É verdade. Mas pode muito bem conviver e valorizar o Sagrado. Somente não permite que o Sagrado se torne ele mesmo um “algo” em si mesmo, fonte de forças divinas, independente do Alguém-Deus, que se relaciona com um outrem — o ser humano. Tira do Sagrado sua forma de destino, de inexorabilidade fatídica, de força anônima e cega, de potência disponível por meio de ritos e mandingas. Entende-o no universo da relação. Deus é relação na sua vida íntima trinitária e se coloca diante de nós na qualidade de relação interpelante à liberdade e consciência.
O Cristianismo vai mais longe. Pela experiência de que o Filho de Deus se fez carne, desloca à polo do Sagrado para toda realidade humana à medida que ela se deixa redimir de seu lado de pecado, de fechamento no egoísmo.
Entretanto, o lado secularizador do Cristianismo não pode desconhecer o profundo fascínio que o Sagrado exerce e sempre exerceu. Um Cristianismo puramente ético, militante, corre o perigo de descuidar desse continente religioso que se estende pelo tempo e pelo espaço da humanidade.
O Sagrado continuará a ser sempre uma seta que aponta para a Transcendência com a ambiguidade da alienação, da superstição, da magia, mas também com a verdade da consciência de criaturalidade, de pequenez do ser humano. Portanto, lucidez e evangelização do Sagrado, eis nossa missão como cristãos.
2. As janelas para a Transcendência no ser humano
O Sagrado só pode ser percebido pelo ser humano, se este tem capacidade para captá-lo. Deus nos criou com muitas janelas para nos debruçar sobre as realidades e, assim, chegar a vislumbrá-lo.
Temos cinco janelas no primeiro andar dos sentidos. Elas permitem-nos ver, ouvir, tocar, saborear e cheirar. Exatamente como todo ser animal. Até com menor capacidade sensitiva do que muitos deles que possuem alguns sentidos mais aguçados.
O sujeito que possui essas janelas sensíveis é espiritual. Por meio delas, consegue vislumbrar mais que os sentidos percebem. Aí interfere de modo especial a educação que tenta articular essas cinco janelas com as quatro janelas do andar superior. Estas voltam-se para a beleza, a verdade, o bem, a religião.
Os sentidos veem as cores, e o espírito percebe a beleza das cores. Os sentidos constatam as realidades, e o espírito avança para conhecer-lhes as verdades. Os sentidos veem o agir humano, e o espírito aguça o interesse pelo bem. Os sentidos captam o movimento das celebrações, e o espírito vivencia a religião.
Deus construiu as nossas janelas dos dois andares voltadas para o Leste a fim de vermos sempre o sol nascer e viradas para o poente a fim de, no declínio da existência, podermos colher-lhe os últimos raios. Não é de estranhar que em todos os tempos os seres humanos se sintam atraídos para a Transcendência religiosa. Todos têm janela aberta nessa direção.
3. As paisagens perenes da Transcendência
O mesmo Deus que fascina é o que nos cria, criando também as paisagens nas quais exerce sua fascinação. Há algumas cenas que têm tal força fascinante ou atemorizante, que tocam a todos. A morte, a doença grave, os sofrimentos provocam na maioria das pessoas perguntas pela Transcendência. A nossa sede de felicidade e vida trunca-se diante da ameaça da morte e da presença do sofrimento.
A pergunta mais comum é: por que existe a morte? Por que há os sofrimentos? Tais perguntas recebem respostas diversas segundo os níveis da existência. O biólogo J. Monod diz que o “preço da vida é a morte”. A morte não lhe faz nenhum mistério. É necessidade intrínseca à vida. O psicólogo sonda nossa estrutura psíquica e encontra aí tantas explicações para os sofrimentos e mortes. A pergunta maior se faz à filosofia e à fé. Essa não se situa no nível do porquê, mas do sentido.
Longa tradição religiosa viu na morte, no sofrimento, essa imensa janela que nos abre para a Transcendência. Alguns místicos chegaram muito mais longe. Paulo dizia: “desejo partir para estar com Cristo, o que é muito melhor” (Fl 1,23). Santa Teresa de Jesus suspirava dizendo:
“Vivo sem viver em mim
E tão alta vida espero
Que morro porque não morro.”
Existiram e continuam existindo muitos místicos bem como simples pessoas para as quais a morte se transforma no momento de passagem para o amor maior. Aí aparece o sentido teológico de toda morte e sofrimento. Experiência da presença do Deus que não abandona ninguém nessas horas difíceis. Basta ler a passagem de São João da Cruz: “Acaba já, se queres; Rompe a teia de encontro tão jucundo!” Ou em outro lugar: “Matando, morte em vida tens trocado”.
Há as paisagens da beleza deslumbrante, do gozo farto, da alegria a transbordar que nos arrebatam o coração e nos fazem exclamar como Maria: “Minha alma engrandece o Senhor e rejubila meu espírito em Deus, meu Salvador” (Lc 1,46-48).
As paisagens se multiplicam. Umas gozam de perenidade, outras revelam a sensibilidade de épocas. Isso nos leva à segunda pergunta: Por que hoje se tornou tão forte o fascínio do Sagrado?
II. O FASCÍNIO DO SAGRADO NA ATUALIDADE
1. O recalque da dimensão da vida
O ser humano vive muito por contrastes e reações. Em termos psicanalíticos, as repressões explodem em algum lugar. Em termos culturais, os excessos de autoritarismo geram surtos opostos de rebeldia. Pode-se aplicar aqui “a lei do gás”: quanto mais se comprime o gás, maior a explosão.
O fascínio do Sagrado tem forte conotação conjuntural. Reage ao recalque do mundo da vida, da dimensão religiosa por parte da razão iluminista. Esta relegara a religião ao mundo do mito, do infantilismo, do primitivo, do atrasado, do superado. Acusou-a de estar mergulhada no mundo das trevas. Agora teria raiado a “era das luzes”. E não tem mais sentido uma pessoa ilustrada, culta, praticar religião. Ela fica para a raia miúda.
Os mestres da suspeita condenaram-na como alienação, mantendo as pessoas numa situação de dependência, incapazes de assumir a própria autonomia. Enfim, a religião pertence ao mundo da heteronomia, da lei vinda de fora, da imposição exterior, enquanto a modernidade se rege pela autonomia, pela lei vinda de dentro. Contrapõe decisão à tradição.
Essa razão decaiu. Perdeu-se em pura funcionalidade, instrumentalidade. Abandonou o universo do mistério, do sentido, das perguntas fundamentais do ser humano. Recalcou todo esse continente gigantesco de questões. Dominou destrutivamente a natureza, desenvolveu a tecnociência. Transformou as condições humanas de vida. Produziu superabundância de bens. Afogou-nos a todos num consumismo gigantesco que ainda está a crescer. Cada dia constroem-se shoppings maiores para que, num único espaço; possamos maravilhar-nos da abundância dos bens para nosso uso. É a sociedade do desperdício, da produtividade, da eficiência.
Quanto mais a razão instrumental colonizava a afetividade, o mundo da vida, das vivências, das perguntas fundamentais, da experiência da subjetividade, tanto mais ela preparava a explosão atual.
As relações entre as pessoas modificaram-se muito. Em vez de primárias tornaram-se formais, secundárias, pragmáticas, funcionais. Antes as pessoas tinham nome. Hoje têm funções. Mesmo que muitos funcionários circulem com o nome no crachá da firma, sabe-se que é pura formalidade. Aqueles nomes são vazios de significado para os fregueses. Soam como marketing barato. Não vinculam ninguém a ninguém.
Os pobres sofrem ainda mais. Na sua pobreza rural, tinham ainda algum reconhecimento. Caem no mais absoluto anonimato nas grandes cidades. Submetem-se a relações aviltantes no dia a dia.
O antropólogo Roberto da Matta observava, numa conferência, com perspicácia, como a cultura brasileira classifica as pessoas em duas classes: superiores e subalternos. Nunca há relação de igualdade. Os que estão sempre na situação de súditos sofrem contínua violência a respeito de sua dignidade.
A afetividade, que se realiza na relação pessoal, de mútuo respeito e acolhida, é permanentemente recalcada na sociedade moderna pobre. Pesa sobre os pobres o fardo do silêncio, da contenção dos próprios sentimentos e desejos. Há muita frustração. Eles estão sempre em baixo.
As camadas economicamente mais agraciadas não escapam do desgaste da modernidade funcional, instrumental. Submetem-se a ritmo desumano de trabalho para poder noutro momento usufruir dos benesses do consumismo. E a entrega a ele não compensa nem restitui a alegria e felicidade de viver.
As religiões oficiais não escaparam dos avatares da modernidade e do peso de suas tradições impositivas. Encurtaram as experiências espirituais e carregaram na linha moralizante ou na execução material dos ritos. Muito formalismo. E com isso se desgastaram.
Diante dessa situação de repressão do mundo das experiências profundas, dos significados, das perguntas maiores, acontece outro momento: de liberação, de explosão, de rebeldia. L. Kolakowski não hesita em falar de “revanche do Sagrado na cultura profana”.
2. A fraqueza da razão científica
A batalha contra o despotismo da razão objetivista, funcional, instrumental, vem de todos os lados. A ciência, já desde o início do século, começou um ajuste de contas com a prepotência da razão ilustrada. O esquema simplificado de causa/efeito parecia dar conta de todos os fenômenos. Se não se conheciam nem se podiam indicar as causas, era simples questão de tempo para conhecê-las. Se não se conseguia realizar alguma aspiração humana, era só esperar que a razão providente e previdente resolveria.
Nesse espírito cientificista, podia-se anunciar tranquilamente a “morte da utopia”. Já não precisávamos sonhar nem imaginar mundos novos, alternativos. A tecnociência pode realizá-los.
Heisenberg dá um golpe de morte a essa pretensão da ciência. Ao estabelecer o princípio da indeterminação, afirma a impossibilidade teórica — e, portanto, não simplesmente factual — de conhecer a relação causa e efeito em fenômenos das micropartículas. O princípio da relatividade de Einstein atua para além do campo da matemática afetando o próprio imaginário cultural. Introduz uma pitada de suspeita diante das afirmações absolutas.
O efeito borboleta deixa-nos ainda mais perplexos. Uma borboleta bate asas no Extremo Oriente e um tufão se forma no Caribe. Todos os fenômenos influenciam todos os outros. Há uma cadeia tal de influências, que nossa inteligência criada não pode dar conta total de nenhum fenômeno.
A convicção científica do marxismo de ter descoberto a lei da história no interior de uma dialética inexorável rui por terra. Enfim, somos pequena ilha cercada de incertezas por todos os lados. Numa palavra, a razão objetivista, analítica, instrumental, funcional é muito mais fraca do que imaginamos.
Ela deixa sem solução completa os seus próprios problemas. E muito menos ainda consegue tocar as perguntas maiores da vida. Está aberto o campo para o Sagrado.
3. O Sagrado e as grandes perguntas
Sensibilizada pela perda do monopólio absoluto da razão, a modernidade abre agora amplo espaço para o Sagrado. Este entra precisamente como resposta aos maiores problemas da existência: seu sentido, existência do bem, do mal, morte, sofrimento, Transcendência.
As pessoas voltam-se sequiosas para esse novo campo. Angustiadas por tantas dúvidas, por tanta frustração, por tanta repressão das dimensões superiores de sua existência, gritam por uma experiência nova, diferente.
Quanto mais demanda, tanto mais oferta. A demanda religiosa cresceu. Soma-se ainda a magia dos números. Estamos no ano 2000. Final de século e milênio.
O fascínio do Sagrado sofre outra influência conjuntural. Desaparece o monopólio das grandes religiões. O fenômeno de privatização, que reina na economia, já vem sendo incrementado na religião pela força da secularização. As instituições religiosas já não conseguem nortear totalmente o rumo religioso de seus fiéis. Estão aí oferecendo seus produtos religiosos, mas não têm força para impedir que outras instâncias entrem no mesmo jogo, quer com ofertas estritamente religiosas, quer com sucedâneos. Importa que a experiência oferecida responda ao desejo de transcendência, de paz, de interioridade, de harmonia interior, de consolo, de evasão de tantas situações acabrunhadoras da vida atual.
O Sagrado está se tornando um dos espaços fundamentais na sociedade moderna para a restauração das forças psíquicas, anímicas, espirituais das pessoas. O desgaste da vida moderna para todos, o peso inumano sobre os pobres, faz com que todas as camadas sociais atualmente se voltem para a religião. Já não são só os pobres que precisam desse lugar de reconhecimento pessoal, de acolhida, de autovalorização, de alívio, de expressão de suas vivências. A falta de sentido, o vazio existencial, atinge a todos. E o Sagrado responde com um toque de Transcendência e sentido. Daí o fascínio do Sagrado.
III. CONCLUSÃO: PAPEL EVANGELIZADOR DO CRISTIANISMO
Nesse cenário, qual o papel do Cristianismo? Ele cumpre uma dupla função. A função religiosa juntamente com as outras religiões. Lugar da satisfação dessa nossa dimensão humana de Sagrado. O Cristianismo, como religião, nos pacifica, nos consola, nos liga com o mundo Transcendente. Responde aos nossos anseios de beleza, verdade e bem. Enche-nos o coração do gozo próprio dessa experiência. Bem próxima da experiência do prazer da beleza, da verdade, do bem praticado.
O Cristianismo vigia continuamente essas ofertas religiosas para que não se deturpem, nem se corrompam. O paganismo romano, na descrição de São Paulo (Rm 1,18-32), degradara a dimensão religiosa. As suas festas religiosas degeneraram-se em bacanais, saturnais. Os ritos religiosos tornaram-se realidades em si mesmas divinas, idolátricas, carregadas de magia.
O mundo moderno sofre a mesma tentação. Sente gosto no exotismo de expressões religiosas de magos, de adivinhos, de horóscopos. A superstição reina em muitos lugares. O Cristianismo é chamado a zelar para que suas formas religiosas não sucumbam às mesmas tentações.
O Cristianismo é sobretudo revelação, fé. Fé no Filho de Deus feito carne. Os seus mistérios centrais — Trindade, Encarnação, Páscoa, Pentecostes — podem exprimir-se em experiências religiosas litúrgicas, mas necessariamente têm uma referência ético-prática. Conduzem a uma atitude de vida, de seguimento de Jesus. E aí as práticas da caridade fraterna, da justiça social, do amor ao pobre assumem relevância única. A partir dessa fé, o cristão pode mais facilmente discernir as formas religiosas que o conduzem a ela e as que o afastam. Esse discernimento é a nossa mais importante tarefa no mundo encantado e fascinado pelo Sagrado.
Pe. João Batista Libânio