Artigos

Publicado em número 161 - (pp. 25-31)

O adeus à vida: desafios ético-pastorais

Por Pe. Léo Pessini

Introdução

Os temas relacionados com o começo e fim da vida humana são sempre carregados de polêmica, mexem com os estratos profundos do psiquismo humano, agitam as bases da cultura e vida social. Não é fácil adotar, frente a esses problemas, uma atitude objetiva e desapaixonada.

A sexualidade e a morte são dois componentes básicos do ser humano, duas tendências fundamentais que configuram o relacionamento humano. Eros e Tantos são muito mais do que simplesmente dois acontecimentos biológicos do ser humano, são dois eventos culturais de suma importância, principalmente num contexto onde grassa a AIDS.

As diferentes sociedades conferiram a esses dois momentos um significado cultural, ritualizando e atribuindo conteúdos éticos diversos.

Diz o velho livro bíblico do Qohelet, há 23 séculos que “existe um momento para todo propósito debaixo do céu. Tempo para nascer e tempo para morrer” (Eclesiastes 3,1-2). Isso reflete uma época histórica em que o morrer e o nascer tinham seu “tempo”, aconteciam com espontaneidade e naturalidade e estavam basicamente integrados na vivência do ser humano e nas coordenadas da cultura e sociedade.

Em nossos dias o “tempo” de nascer e morrer foi profundamente modificado. O nascer foi afetado culturalmente pelo desenvolvimento das novas técnicas de “procriação assistida”, pela despenalização e legalização do aborto, da interrupção do nascer. O morrer modificou igualmente seu “tempo”: não se morre em casa, mas no hospital, as possibilidades ilimitadas de manter alguma forma de existência biológica do ser humano, a desumanização da morte, a interferência da tecnologia médica que procura “vencer” a morte… tudo isso modificou substancialmente o tempo de morrer.

É dentro desse contexto de relacionamento novo com o morrer hoje que procuramos tecer algumas considerações ético-pastorais; objetivando o resgate da dignidade humana no adeus à vida, dentro da perspectiva da fé cristã. Partimos de uma visão ética e avançamos, num segundo momento, para uma perspectiva pastoral de como ser de ajuda neste momento crítico da vida. Na verdade esta é uma reflexão embrionária, fragmentária, a ser completada futuramente.

 

1. Alguns desafios éticos ligados ao fim da vida

É melhor a morte do que a vida cruel. O repouso eterno do que uma doença constante (Eclesiástico 30,17).

Essa citação do livro do Eclesiástico expressa muito bem o grito sufocado do resgate urgente da dignidade de centenas ou talvez de milhares de doentes que se deparam com a realidade do sofrimento sem perspectiva, em hospitais, nas terapias intensivas.

Trata-se de uma interrogação a respeito do sentido da vida frente a esta realidade sofrida, uma questão que tem implicações éticas para além das questões de ordem técnica no mundo médico-hospitalar.

 

1.1. Ética: uma visão

Numa primeira aproximação sobre o que entendemos por ética nesse contexto, precisamos ampliar o horizonte da compreensão para além daquilo que, de costume, miopemente abordamos como sendo ética. Não raro, entre os profissionais da saúde, identifica-se ética coma proibição repressora, com a norma, com a lei, com o sigilo profissional, com o que é certo ou errado, com o que é bom ou ruim, com o que deve ser feito e o que deve ser evitado, com a defesa dos interesses de uma determinada classe profissional etc.

É verdade que a ética tem a ver com tudo isso também, mas se faz necessário resgatar o elemento fundamental e essencial, que é a pessoa humana.

Desnecessário é enfatizar que passamos por uma verdadeira crise de humanismo. Fala-se insistentemente de ambientes desumanizados: tecnicamente impecáveis, mas sem “alma humana”. A pessoa humana deixa de ser o centro de interesses e preocupações e passa a ser instrumentalizada, em função de um determinado fim, que pode ser de aprendizado, o status, o ganho monetário etc. A manipulação, sutilmente, de uma forma refinada, se faz presente e rouba aquilo que é mais precioso na vida humana: sua dignidade. O ser humano é coisificado, e as coisas facilmente são sacralizadas! É do bojo dessa situação que surge a importância de se reacender a sensibilidade ética, vista como um brado pela dignidade humana.

 

1.2. Visão global do ser humano

Ao se falar em dignidade humana, estamos falando de respeito pela pessoa e pelos seus direitos, entre eles o direito à vida, expresso no direito à saúde. Numa sociedade desigual e injusta, onde “poucos têm muito e muitos têm pouco”, seria ingênuo acreditar que todos os seres humanos são, no concreto da vida, tratados igualmente. Os problemas em nível de macroestrutura (sociedade) interferem e condicionam a microestrutura (no caso, o hospital).

Num contexto social que endeusa o poder, o ter e o prazer, soa romântico e fora de moda gritar pelo servir, pelo ser e pelo amor. Como ser quando se valoriza o ter? O que significa o amor, na busca frenética do prazer? É possível redirecionar o poder-dominação para o poder-serviço? Todos esses questionamentos são de fundamental importância numa visão antropológica que procura salvaguardar a pessoa na sua globalidade constitucional, como ser físico, psíquico, social e transcendente.

Considerar a pessoa não simplesmente como um organismo biológico, um amontoado de carne e de ossos, é uma árdua tarefa. Uma visão holística, multidisciplinar, é imperiosa. Ser pessoa é ter um corpo, é possuir um psiquismo e um coração. É poder relacionar-se com os outros e cultivar uma esperança e uma fé. O ser humano é um todo uno, um nó de relações.

É zelando e promovendo essa unidade nos seus distintos aspectos que estaremos proporcionando uma abordagem profissional humanizada, profunda­mente solidária, geradora de vida e de saúde.

 

1.3. O mundo hospitalar

Junto com esta visão ética da pessoa humana é preciso encarar de frente a especificidade do mundo hospitalar (e nele as terapias intensivas) e o sofrimento humano.

O hospital é um microcosmo do macrocosmo, isto é, nele encontramos, em dose concentrada, um resumo do que de mais nobre, de mais bonito e incrível a sociedade tem, bem como o que de mais triste, degradante e violento nela existe. Ele aceita e acolhe indistintamente a todos. Nele nos defrontamos com a realidade nua e crua, sem disfarces ou máscaras, com aquilo que as pessoas são: nem maiores nem menores do que elas mesmas.

É uma realidade contrastante que nos provoca. No hospital nos defrontamos com o santo e o bandido, o crente e o ateu, a criança que apenas exalou o primeiro vagido de chegada e que se torna um sussurro de adeus e, por outro lado, com o idoso que, no vigor dos seus 90 anos, ainda luta para viver mais; tantas mulheres querem ser mães não podendo e, por outro lado, tantas podendo jogam fora vidas incipientes. Em situação de emergência, chega alguém que fez de tudo para tirar a própria vida e os profissionais fazem o possível e o impossível para que continue a viver. É um contraste chocante, provocador de indignação ética em muitas instâncias, mas que nos convoca a ser arautos destemidos da vida e não da morte, da esperança e não do desespero, da solidariedade e não da indiferença.

 

1.4. A realidade do sofrimento

O ideal seria que não adoecêssemos e nem precisássemos de hospital. Ninguém vai ao hospital por prazer ou para tirar férias e, muito menos, para descansar (infelizmente já vi gente pobre feliz por ficar no hospital e triste quando teve alta…). Trata-se de uma necessidade de preservação da própria vida.

Nesse contexto, existe sempre a presença inoportuna do sofrimento, que nos amedronta. É uma surpresa que foge a todo e qualquer planejamento, de sabor amargo para alguns, que se revoltam, e também de resignação (“a gente tem que sofrer”) por parte de quem só sofreu; de reencontro para outros, que o assumem como sendo uma oportunidade educativa e um desafio de crescimento.

O sofrimento provoca compaixão, suscita respeito, a seu modo intimida transformando-nos em “radares” de alta sensibilidade. Provoca compaixão, isto é, empatia traduzida em ação e não simplesmente uma exclamação anestesiada consciência “que pena! que dó!”, mas que não move uma palha sequer para amenizar a dor. Suscita respeito também. Em quem muito sofre acabamos colocando uma auréola de sacralidade. De uma criança vítima de AIDS, por exemplo, os profissionais não se intimidam em dizer que “é uma santinha”. O sofrimento também nos infunde medo, porque vemos, como num espelho, a fragilidade, a vulnerabilidade, a mortalidade, elementos de nossa condição humana que não gostamos de ver lembrados. Talvez esta seja uma das razões de os pacientes terminais serem esquecidos: eles nos confrontam como nosso próprio fim.

O sofrimento de perder a própria vida, em nossa realidade, é vivenciado sempre mais na instituição hospitalar e, nela, especificamente na unidade de terapia intensiva. Contrariamente à sua finalidade de abrigar somente os doentes que têm reais chances de recuperação e de cura, estas, por vezes, abrigam pacientes que tem sinais de AIDS, de câncer etc.

 

1.5. Questionamentos éticos

Trabalhando, vivendo e também sofrendo há dez anos junto com profissionais, com doentes e com familiares nas UTIs — que já foram denominadas “modernas catedrais do sofrimento” —, constatamos uma necessidade imperiosa de resgatar o humano em meio a toda a habilidade técnica. Não raro nos defrontamos com excelentes técnicos, conhecedores exímios dos aparelhos que manipulam com maestria, mas parecem calouros na arte de confortar e de ir ao encontro das pessoas sofredoras que perdem sua identidade e são identificadas friamente como um caso ou um número. Não se trata de má-fé, mas de despreparo humano e ético. Quem foi preparado para perguntar ao paciente quais suas necessidades e seus valores ou direções de tratamento a tomar em situações dilemáticas de fim de vida? Sempre se decide por ele! Onde ficam a sua autonomia e sua liberdade? Como acontece a comunicação com os familiares que, na espera do melhor, temem o pior, em momentos de morte do ente querido? Existe espaço físico para se trabalhar a dor e o sofrimento da perda, sem que a dor e as lágrimas sejam espetáculo para outros, nos corredores e nas escadas? Como preservar a privacidade e o pudor dos doentes nas UTIs? Essas são algumas perguntas inquietantes sobre a dignidade humana nessa hora crítica.

Não podemos esquecer que junto com o sofrimento físico, urge cuidar do sofrimento social, psíquico e espiritual. Além disso, é necessário realçar e cultivar a sabedoria de integrar a morte na vida, não como inimiga, mas como parte integrante da mesma. Eufemisticamente, diz-se que a pessoa não morreu, mas teve “alta celestial”. A morte não é doença e não deve ser tratada como tal. Vendo-se a morte como doença, é preciso encontrar cura.

Facilmente, nessa perspectiva, se esquece que podemos ser curados de uma doença mortal, sim, mas não de uma existência mortal. É este jogo perigoso da imortalidade que abre a porta para manipulações no fim da vida. Justifica-se com muita propriedade técnica a “obstinação terapêutica” e tratam-se assuntos eminentemente éticos como sendo técnicos, encompridando-se um penoso processo de sofrimento, agonia e morte, mais que de vida propriamente dita.

Ouvimos frequentemente o ditado “enquanto há vida, há esperança”. Perguntamos: Que tipo de vida? Que qualidade de vida? Será que, em muitas instâncias, não se força um limite? O antigo pedido do doente ao seu médico — “salve-me, doutor!” — mudou para “salve-me dos aparelhos, doutor!”. Não é à toa que ouvimos pedidos angustiantes de doentes que foram tão maltratados em vida — um verdadeiro “vale de lágrimas” —, que nessa hora crítica imploram ajuda na única solução entrevista de simplesmente desistir de viver.

Cicely Saunders com razão afirma que, quando uma pessoa quer ou pede a morte, alguém ou a sociedade como um todo, em quase todo caso, falhou em ajudá-la. O sofrimento silenciado em meio aos barulhos ritmados dos respiradores e circuitos eletrônicos dos aparelhos que suprem funções vitais, temporariamente, não é esquecido pelos profissionais que procuram servir com competência e amor, colocando “o coração nas mãos” (Camilo de Léllis).

 

1.6. Meta: morrer com dignidade

Iluminadora é a afirmação do Dr. A. Helleger, um dos fundadores do Instituto Kennedy de Bioética, de Washington: “… Perto do fim da vida, uma pretensa cura significa simplesmente a troca de uma maneira de morrer por outra. Cada vez mais, nossas novas tarefas serão de acrescentar vida aos anos a serem vividos e não acrescentar anos à nossa vida… mais atenção ao doente e menos à cura por si mesma. Nossos doentes precisarão mais de uma mão caridosa do que de um escalpelo prestativo. Não é o momento de pôr de lado esta medicina de atenção, que não exige muita tecnologia… Redescobriremos nossas velhas virtudes judaico-cristãs de atenção aos outros ao pedirmos a ‘morte suave’ (eutanásia) aos tecnólogos… Nossos problemas serão cada vez mais éticos e menos técni­cos…”.

Entramos aí num terreno melindroso, complexo, de questões profundamente polêmicas e intrincadas, que os mais apressados logo rotulam como sendo questionamentos de mentalidade eutanásica, mas que outros, entre os quais nos incluímos, veem como a preocupação de proporcionar uma morte humana, procurando salvaguardar o “direito de morrer com dignidade e em paz”.

 

2. Alguns desafios pastorais no adeus à vida

Nascer e morrer são os dois momentos-chave em nossa vida; duas balizas fundamentais que nos falam de um começo e de um fim. Um belo dia viemos a este mundo e um dia também teremos que partir. A vida na sua dimensão terrena é passageira, frágil: somos mortais.

 

2.1. Vida: sorriso-lágrima

A hora do nascimento, da chegada de alguém em nossa família, que se torna também parte da grande família humana, é sempre antecipada numa gostosa expectativa. Existe muita esperança, alegria, festa. Os vizinhos, amigos e parentes se reúnem, vibram e cantam. Estampado em todas as fisionomias, existe o sorriso.

O momento da morte, por sua vez, é sempre uma situação difícil, pois a sensação de perda de alguém querido invade o nosso ser, parece que “dói a alma”. Perante alguém que está para morrer não nos sentimos à vontade, não sabemos o que dizer ou fazer, sentimo-nos impotentes. Nesse contexto, uma presença incômoda que tentamos disfarçar ou reprimir: a lágrima.

A vida sempre se apresenta entremeada por sorrisos e lágrimas. No momento inicial, a vida é um “alô” de chegada, no instante final é o “adeus” da partida. Uma verdade nem sempre levada a sério é que fomos ajudados para nascer e precisamos também ser amparados na hora de morrer. É aqui que se faz necessária a presença do agente de pastoral, no sentido de desenvolver sua habilidade de acolher os sentimentos expressos nas lágrimas.

O período de tempo que vai desde o diagnóstico de uma determinada doença incurável (por exemplo, câncer, AIDS etc.) até o momento do adeus definitivo, é uma fase em que o doente precisa muito de apoio humano e espiritual, de solidariedade cristã; sem esquecer a família também. Precisamos ajudar a pessoa a viver com uma qualidade de vida boa dentro dos limites que a situação impõe, preparando-a gradativamente para o adeus, tendo como base a verdade dos fatos.

Muitas vezes, isso não é fácil de enfrentar. É evidente que há maneiras de se comunicar a verdade à pessoa, ela deve ser a maior interessada nessa questão. Comunicar a verdade a respeito da doença e deixar a pessoa sozinha sem nenhum apoio é desumano e antiético. Nossa cultura latina não gosta de comunicar a verdade e prefere esconder ou então mentir. Na maioria das vezes, isso não ajuda. Quantas brigas por bens materiais, pela herança após a morte… simples­mente porque não se conversou antes.

Outro aspecto importante é observar que encontramos familiares de doentes vivendo o luto com o doente ainda em vida. Aqui é necessário que o agente de pastoral seja um exímio facilitador para trabalhar a comunicação com a família e o doente, para que se proporcione vida antes da morte e não a morte ainda estando a pessoa em vida. Nessa situação, acabamos matando a pessoa antes de ela morrer. É uma injustiça que se faz, pensando em se fazer o bem.

 

2.2. Ajudar frente aos medos

Para ser de ajuda, precisamos compreender a situação pela qual o paciente terminal está passando, que no geral pode ser caracterizada por uma série de medos. É lidando seriamente com esses fantasmas que poderemos responder melhor às necessidades emergentes. Vejamos sinteticamente quais são os medos mais característicos:

Medo do desconhecido. Não se trata tanto do medo do que vai acontecer no além-morte, mas medo do agora. Medo do que vai acontecer na vida real. As perguntas mais comuns são: O que vai ser de minha família? Como reagirão à minha morte? Que mudanças acontecerão no meu corpo?

Medo da dor pela perda. Ninguém gosta de perder nada e muito menos a própria vida. O paciente terminal enfrenta de forma gradativa uma série de perdas (como: trabalho, amigos, relacionamentos humanos, planos futuros) que o deixa muito angustiado.

Medo da perda do corpo. O corpo humano não é um mero apêndice do nosso viver. É parte vital do nosso conceito e autoimagem. Os desfiguramentos físicos podem fazer surgir o sentimento de ser feio, não agradável e de não aceitação.

Medo da solidão. O ser humano foi criado para viver com os outros. Viver é conviver. O contato humano é vital. Estando numa UTI, por melhor que seja o tratamento, surge o medo de não ter ninguém perto na hora em que precisar, medo de ficar sozinho.

Medo da perda da família e dos amigos. Dizer adeus para alguém não é fácil. Já sofremos para dar adeus provisórios (por exemplo, para uma longa viagem). Imagine um adeus definitivo! Ser de ajuda é ensinar as pessoas a se dizerem adeus, ajudando na separação.

Medo da perda de autocontrole. Nossa sociedade enfatiza muito a independência, o autocontrole, a autodeterminação. Nessa hora, a pessoa faz a experiência de ser completamente dependente até para as mínimas coisas que sempre fez, sem depender de ninguém, como ir ao banheiro, tomar banho etc. A dependência é sentida como profundamente mutilante. É preciso resgatar a dignidade nesta situação.

Medo do sofrimento e dor. Muitas pessoas falam em não ter medo de morrer, mas sim de sofrer. É necessário estar acompanhando a medicação prescrita para tirar a dor. A dor sem explicação torna-se sofrimento que atinge não só o físico, mas também o psíquico, o social e o espiritual.

Medo da perda de identidade. Constata-se uma despersonalização gritante em nossas instituições de saúde. As pessoas são chamadas não pelo nome, mas sim pelo “número” e como “casos”. Daí o desafio de reforçar a identidade chamando pelo nome.

 

2.3. Compreender as fases

Junto com essa realidade dos medos, é bom levarmos em conta os estágios pelos quais o paciente terminal passa, descritos por Elizabeth Kubler-Ross. Essa tanatóloga (especialista no estudo da morte) americana, no seu trabalho com pacientes terminais, descobriu que eles passam por cinco fases, que descrevemos brevemente a seguir.

 

1ª) Negação. O doente nega a realidade da doença: “Não, não pode ser verdade”, “… Será que não trocaram os meus exames?”, são expressões típicas desta fase. A negação faz com que ele mude constantemente de médico, hospital, e procure converter uma doença grave em benigna. A negação amortece a notícia chocante. A defesa não deve ser tirada, seria por demais penoso enfrentar a realidade. Não o desencorajar à negação, mas avançar com ele para a verdade.

2ª) Revolta. Quando não dá mais para negar, a negação é substituída por sentimento de revolta, inveja e ressentimento. A pessoa doente pergunta: “Por que eu?”, “Por que isto acontece comigo, eu que fui um pai (ou uma mãe) tão dedicado(a)?” O sentimento de revolta é espalhado em todas as direções, contra o médico, a enfermeira, a família, os amigos e até contra Deus. Não tomar essa atitude como se fosse agressão pessoal.

3ª) Barganha. Já que a revolta não resolve o problema, tenta-se obter a cura através de barganhas e promessas a Deus. “Sim, eu estou doente, mas, se melhorar, vou fazer muita caridade”… Aqui surgem as promessas de orações e peregrinações em troca da saúde perdida.

4ª) Depressão (ou interiorização). Nessa altura do processo percebe-se um desinteresse em receber visitas ou acompanhar notícias. O mundo pode continuar sem ele(a)… Há uma grande necessidade de ficar só e em silêncio. Nessa fase, a família precisa de muito apoio, pois acha que o(a) doente está entregando os pontos e exige dele(a) uma postura de coragem que não lhe é possível.

5ª) Aceitação. Não é sinônimo de passividade. Pelo contrário, é uma atitude ativa tomada pelo doente que compreendeu, sem grandes relutâncias, que sua vida chegou ao fim. Assume sua própria mortalida­de.

 

Nem todos os pacientes passam sequencialmente por essas fases. É sempre único o modo como cada ser se despede da vida. Esse esquema, quando usado com certa flexibilidade, pode ser ferramenta de valor no sentido de ajudar.

 

2.4. Viver quando alguém parte

A morte de um ente querido é sempre uma ruptura profunda que acontece na vida e requer um ajustamento, tanto no modo de olhar o mundo, como nos planos para se viver nele. A reação frente a essa perda, em nível físico, emocional, social e espiritual é diferente para cada pessoa e depende de uma série de circunstâncias que rodeiam a morte, como: tipo de relacionamento que existia, a idade, doença prolongada ou não, a força e a fé que a pessoa tem.

Quem cultiva uma imagem positiva de si mesmo, tem uma fé para se apoiar, capacidade de relacionar-se, entre outros elementos, terá melhores condições de passar por uma situação de perda de alguém, mas isso não significa que a pessoa não vá sofrer.

O sofrimento é o preço que pagamos por amar. Na realidade, quando escolhemos alguém para amar, deveríamos também saber que corremos o risco de lhe dizer adeus… e deixar partir… É quando o sofrimento começa.

Assim como leva tempo para se amar, também, leva tempo para se deixar partir. Dizem que “só o tempo cura”. O tempo por si não resolve, mas ajuda na cicatrização das feridas do sofrimento. Nesse sentido é importante dar tempo ao tempo: para aceitar a morte, para deixar partir, para tomar decisões, para compartilhar sentimentos, para acreditar de novo, para perdoar possíveis mal-entendidos, para sentir-se bem consigo mesmo(a), para criar novos amigos, para rir e amar de novo.

Perante o sofrimento da perda, ninguém pode tirar a nossa dor, porque ninguém pode roubar o nosso amor. O chamado da vida é aprender a amar de novo.

 

Conclusão

O maior desafio que permanece em nível de atuação neste momento do adeus à vida é procurar ser uma presença dialogante. Nossa cultura não incentiva a que conversemos e muito menos trabalhemos esta realidade. Segundo esta mentalidade o mais simples e fácil seria fazer de conta que a realidade não existe e deixar que as coisas aconteçam, sem fazer acontecer o que muitas vezes é necessário.

Trabalhar com pessoas que enfrentam o momento crítico da vida de dizer adeus (pacientes de AIDS, por exemplo) é um privilégio e uma grande responsabilidade, em que o simples amadorismo da boa vontade não vai longe. É imperiosa uma vigilância ética que salvaguarde a dignidade humana num momento de decisões difíceis, bem como sensibilidade de coração aquecida pela fé cristã para pastoralmente agir.

 

Pe. Léo Pessini