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Publicado em março-abril de 2015 - ano 56 - número 302

A modernidade líquida e a vida humana transformada em objeto de consumo

Por Eliton Fernando Felczak

A atualidade é conceituada por Zygmunt Bauman como “modernidade líquida”, pela incapacidade de manter a forma. As relações, instituições, quadros de referência, estilos de vida, crenças e convicções mudam antes que tenham tempo de se solidificar. Nesse contexto, as vidas humanas são transformadas em objetos de consumo. O ser humano deixa de ser sujeito e passa a ser objeto na relação de compra e venda.

Introdução

O filósofo e sociólogo polonês Zygmunt Bauman é um dos pensadores, em seu âmbito de atuação, que alimentam reflexões sobre a realidade consumista na qual o ser humano está inserido. Sua pesquisa não se limita a uma só área da academia: abrange a sociologia, a filosofia e a ciência política, analisando as complexas relações nas quais as pessoas se movem. Para o autor, o consumo é uma teia de relações bem construída em que não restam muitas alternativas na luta pela sobrevivência.

O ser humano, ancorado no discurso consumista, vive a sua vida sem se questionar sobre o que realmente acontece à sua volta. Vive-a como espectador, não como protagonista. Num ambiente incerto como o atual, o consumo aparece como resposta à satisfação das ansiedades dos indivíduos. Isso é fundamental para compreender Bauman, quando aponta a transformação da vida humana em objeto de consumo na contemporaneidade.

A comodificação ou recomodificação das vidas humanas constitui longo processo que se iniciou na sociedade moderna e se torna visível no cenário da sociedade contemporânea. Bauman a define como “modernidade líquida”, devido às mudanças rápidas que ocorrem sem haver um embasamento firme ou algo que dê forma. A ideia é adaptar-se às situações como a água faz, de acordo com o recipiente em que é inserida.

O presente artigo justifica-se inicialmente pela valoração da vida humana diante de toda estrutura e qualquer regulamento vigente. A estrutura existe para auxiliar o ser humano, e não o contrário, como apregoa a modernidade líquida. Nesse ambiente, a pessoa é tratada como uma engrenagem da máquina chamada consumo. Deve alimentar o sistema com a sua vida, sem perceber que também é um objeto de desejo a ser exposto no mercado de compra e venda.

  1. Modernidade líquida

O ser humano vive em um novo período da história, sendo diversos os termos e conceitos utilizados para descrever esse contexto. Um dos conceitos mais usados para definir esta fase histórica é “modernidade”. Semelhante termo soa redundante, por incluir toda a realidade que circunda. Zygmunt Bauman define a modernidade como “líquida”, fluida, a impermanência e a constante mudança de forma nela verificadas nunca têm um término:

 O conceito de sociedade líquida caracteriza-se pela incapacidade de manter a forma. Nossas instituições, quadros de referência, estilos de vida, crenças e convicções mudam antes que tenham tempo de se solidificar em costumes, hábitos e verdades “autoevidentes”. Sem dúvida a vida moderna foi desde o início “desenraizadora”, “derretia os sólidos e profanava os sagrados”, como os jovens Marx e Engels notaram. […] A nossa é uma era, portanto, que se caracteriza não tanto por quebrar as rotinas e subverter as tradições, mas por evitar que padrões de conduta se congelem em rotinas e tradições (PALLARES-BURKE, 2004, p. 304-305).

Bauman conceitua a modernidade como líquida devido à sua fluidez e mobilidade, conforme os recipientes apresentados para serem preenchidos. Isso não ocorre com os sólidos, pois estes têm forma definida e não se flexibilizam com as pressões impostas. Apropriando-se de uma afirmativa de Marx, Marshall Berman define esse fenômeno com a máxima: “Tudo o que é sólido desmancha no ar”.

A liberdade adquirida surgiu com o derretimento dos sólidos, tirando o indivíduo da terra firme e levando-o ao oceano das incertezas. A passagem para o estágio final da modernidade não produziu maior liberdade individual: “Não no sentido de maior influência na composição da agenda de opções ou de maior capacidade de negociar o código de escolha. Apenas transformou o indivíduo de cidadão político em consumidor de mercado” (BAUMAN, 2000, p. 84). A liberdade obtida nos tempos atuais é ilusória. A pessoa vive sempre na incerteza, pois sempre há a possibilidade de uma escolha melhor. O pensamento não é mais denso e ordenado, mas leve e desordenado, para poder abarcar tudo o que a vida pode oferecer.

Para caracterizar a modernidade líquida, Bauman faz uma diferenciação no modo pelo qual as vidas humanas convivem. As comunidades existentes na modernidade sólida eram éticas. Bauman também as chama de compreensivas e duradouras, ou seja, genuínas. Elas se baseavam em normas e objetivos, nos quais os destinos eram partilhados visando à sua permanência. Na modernidade líquida, ocorre o inverso; Bauman designa suas comunidades como estéticas. Elas se reúnem em torno do entretenimento, de celebridades e de ídolos. Essas comunidades estéticas, comunidades-cabide, dificilmente oferecem laços duradouros a seus membros.

As comunidades estéticas não permitem a condensação das comunidades éticas. Impedem a sociabilidade entre as pessoas e, assim, contribuem muito para a perpetuação da solidão do homem moderno. Para isso tornar-se possível na modernidade líquida, com o desmantelamento da modernidade sólida, foi preciso adotar nova racionalidade. Surge um indivíduo diferente de tudo o que se viu na história humana. O ser humano líquido é um dos reflexos do novo jeito de pensar, no qual “virtualmente todos os aspectos da vida humana são afetados quando se vive a cada momento sem que a perspectiva de longo prazo tenha mais sentido” (PALLARES-BURKE, 2004, p. 322). A certeza está na constante mudança, devendo cada indivíduo buscar por si próprio uma maneira de melhor sobrevivência.

 Vida humana

Bauman entende que o ser humano atual é um produto do que acontece na modernidade líquida. Nos seus escritos, ele aborda o indivíduo como alguém que integra uma sociedade e responde a ela, modelando-se aos seus ditames. A corrente filosófica chamada “estruturalismo” serve de parâmetro para compreender esse pensamento do filósofo e sociólogo polonês. Segundo essa escola, “a categoria ou ideia de fundo não é o ser, mas a relação, não é o sujeito, mas a estrutura. […] Os homens não têm significado e não existem fora das relações que o instituem e especificam o seu comportamento” (REALE; ANTISERI, 2008, p. 83).

As relações atravessam toda a obra de Bauman, que vê o ser humano transformado numa estrutura flexível programável para o consumo. As interações sociais e os laços afetivos estão cada vez mais fracos, devido à modernidade líquida. Tudo passa a ter um cunho econômico, focalizando a materialidade nas relações (cf. BAUMAN, 2007, p. 18). O mundo atual oferece muitas escolhas e cada um pode agarrar uma oportunidade e levá-la consigo no seu cotidiano. “Afinal de contas, perguntar ‘quem você é’ só faz sentido se você acredita que pode ser outra coisa além de você mesmo” (BAUMAN, 2005, p. 25). Na época líquido-moderna, o mundo está repartido em fragmentos mal ajustados e as existências individuais seguem o mesmo parâmetro. Elas estão fatiadas numa sucessão de episódios fragilmente conectados.

Identidade é uma das palavras que vêm ganhando mais espaço atualmente, quando se faz referência à vida humana e ao papel do indivíduo no meio em que vive. Se no passado a “arte da vida” consistia em encontrar os meios adequados para realizar os fins propostos, agora se trata de testar, um após o outro, todos (as inúmeras possibilidades) os fins, de acordo com os meios ao alcance. A construção da identidade é infindável, pois seus experimentos nunca terminam. Quando o indivíduo assume uma, existem outras aguardando a sua vez. A liberdade de escolher uma identidade que esteja à disposição no mercado de consumo acaba sendo um valor em si mesmo.

A liberdade do indivíduo ante os mecanismos da mídia de massa refere-se à escolha entre o leque de possibilidades oferecido. O indivíduo é livre desde que seja maleável perante as investidas dos modismos criados e desmontados pelos meios de comunicação de massa:

 Esta insistência na não fixidez, na liberdade de manobra, na prontidão para acrescentar e absorver novas experiências e novas ocasiões de prazer, seja o que for que essas ocasiões venham a mostrar ser, adequa-se, em última análise, com a contingência essencial, e com o caráter episódico e fragmentado, “não sistêmico”, da existência pós-moderna. […] O traço mais vincado da “qualidade de vida” é existir sempre sob a forma de uma imagem, ao mesmo tempo em que essa imagem se encontra em perpétua mudança (BAUMAN, 1995, p. 86).

 O protótipo do homem modulado deve ser provisório e não universalizante. Foi justamente isso que a modernidade líquida fez na formação da identidade dos indivíduos. Trata-se de processo contínuo e incessante. A cópia de modelos prontos e acabados pela mídia é algo que se aplica com eficácia ao indivíduo modulado, que não deixa de ser alguém que consome. O único personagem que os praticantes do mercado podem e querem reconhecer e acolher é o Homo consumens: “o solitário, autorreferente e autocentrado comprador que adotou a busca pela melhor barganha como uma cura para a solidão e não conhece outra terapia” (BAUMAN, 2004, p. 86). Ele é o único capaz de manter a economia em movimento, sem questionar as influências que levam a seguir determinado exemplo e depois descartá-lo como se troca de roupa.

 Consumo

O consumismo é um conceito novo nos dicionários de ciências humanas, especialmente nos de filosofia. O termo começa a sair do âmbito estritamente econômico e sociológico, ganhando um significado dentro da filosofia: quando o ser humano deixa de ser sujeito e passa a ser objeto na relação de compra e venda. Anteriormente à primeira metade do século XVIII, época em que a Revolução Industrial começava a se propagar, poucas referências são encontradas sobre o consumo, como é entendido atualmente.

 O consumidor estava virtualmente ausente do discurso do século XVIII. De modo significativo, só aparece em sete dos 150 mil trabalhos da coleção on-line sobre esse século – duas vezes como cliente privado, […] uma como cliente que sofre com os altos preços dos comerciantes e […] três em referência ao tempo (“o veloz consumidor de horas”) (TRENTMANN, apud BAUMAN, 2008, p. 71).

 O consumo era visto como um componente secundário, com pouca relevância para as teorias econômicas e, menos ainda, para a vida cotidiana concreta. Não aconteceu nenhuma mudança radical no século seguinte, apesar do aumento expressivo e bem documentado nas práticas de vendas, na publicidade e nas lojas.

Não há nada desligado das estruturas econômicas vigentes. A tese do fetichismo da mercadoria de Marx também é conhecida como alienação. Segundo essa tese, objetos tornam-se sujeitos e as pessoas tornam-se objetos, ocorrendo uma inversão radical de valores. Com efeito, o ser humano foi sendo coisificado cada vez mais no capitalismo. Está arraigada na sociedade atual a noção de que tudo o que o ser humano produz é algo vendável ou apresentável com o intuito de obter proveito próprio. A pessoa tenta passar uma imagem de desejo às outras como se fosse uma mercadoria à venda em uma loja.

O consumo em si não tem um núcleo, mas, sim, várias estruturas que servem para que ele se perpetue continuamente. Para elaborar uma visão coesa dos consumidores e de suas estratégias de vida, deve-se “reconhecer que esses mercados estão necessariamente incrustados em complexas matrizes políticas e culturais que conferem aos atos de consumo sua ressonância e importância específicas” (BAUMAN, 2008, p. 34).

O processo acontece de forma sutil, a ponto de o indivíduo nem perceber o quanto é modelado à racionalização da modernidade líquida. “O consumo, pelo fato de possuir um sentido, é uma atividade de manipulação sistemática de signos” (BAUDRILLARD, 1993, p. 206). Entra aí o papel das forças econômicas que determinam e direcionam as escolhas dos consumidores, visando ao seu proveito. Nesse jogo de interesses, o Estado vem sendo capitalizado e orientado pelos grupos econômicos a propagar o estilo consumista de viver aos seus cidadãos.

“Quando o Estado reconhece a prioridade e superioridade das leis do mercado sobre as leis da pólis, o cidadão transforma-se em consumidor” (BAUMAN, 2000, p. 59). Ele torna-se cada vez mais individualista, pensando em seus próprios ganhos, enquanto aceita cada vez menos a necessidade de participar no governo do Estado. Aumenta a distância entre o ideal de democracia e a sua versão real existente. O que interessa ao cidadão é o consumo próprio, reduzindo-se o mundo a uma gigantesca loja de departamentos, com prateleiras cheias das mais variadas ofertas.

O questionamento básico sobre o consumo atualmente é que ele foi redimensionado, passando da ideia de compra de mercadoria e serviços para a da configuração de novas relações sociais, principalmente no âmbito cultural. No contexto atual em que o ser humano se insere,

 […] ninguém pode se tornar sujeito sem primeiro virar mercadoria, e ninguém pode manter segura sua subjetividade sem reanimar, ressuscitar e recarregar de maneira perpétua as capacidades esperadas e exigidas de uma mercadoria vendável. A “subjetividade” do “sujeito”, e a maior parte daquilo que essa subjetividade possibilita ao sujeito atingir, concentra-se num esforço sem fim para ela própria se tornar, e permanecer, uma mercadoria vendável. A característica mais proeminente da sociedade de consumidores – ainda que cuidadosamente disfarçada e encoberta – é a transformação dos consumidores em mercadorias (BAUMAN, 2008, p. 20).

 O sonho dos consumidores é tornarem-se agradáveis no mercado das pessoas. Para isso, devem destacar-se da massa uniforme, usando tecnologias que o mercado consumidor oferece. É uma estrutura que se retroalimenta. Na sociedade de produtores, as pessoas eram valorizadas pelo papel que desempenhavam e seu desempenho financeiro era um prêmio para medir o valor e a dignidade delas segundo sua produção. No novo modelo consumista imediatista, o que interessa é a capacidade de consumir, mesmo que não haja grandes rendimentos.

A forma de planejar e organizar a vida na modernidade líquida é antagônica à da modernidade sólida. As relações devem ser estabelecidas a curto prazo, aproveitando as chances que a vida oferece, abandonando as anteriores como quem troca de roupa. Planejamentos para a vida toda parecem ridículos, pois sacrificam os desejos momentâneos em vista de algo posterior no futuro.

As estratégias de marketing que faziam parte do âmbito econômico passam a atuar no âmbito existencial. Os objetos de consumo e as vidas humanas adquirem equivalência. Isso porque o consumo ganha nova significação na modernidade líquida, segundo Bauman. É o processo no qual as vidas humanas se transformam em objetos de consumo, indo muito além da simples ideia de compra e venda de mercadorias.

 O objetivo crucial, talvez decisivo, do consumo na sociedade de consumidores (mesmo que raras vezes declarado com tantas palavras e ainda com menos frequência debatido em público) não é a satisfação de necessidades e vontades, mas a comodificação ou recomodificação do consumidor: elevar a condição dos consumidores à de mercadorias vendáveis. […] Os membros da sociedade de consumidores são eles próprios mercadorias de consumo, e é a qualidade de ser uma mercadoria de consumo que os torna membros autênticos dessa sociedade (BAUMAN, 2008, p. 76).

 Os indivíduos devem observar os mesmos parâmetros que gostariam fossem seguidos pelos produtos a serem consumidos. São atraídos às lojas com o objetivo de “encontrar ferramentas e matérias-primas que podem (e devem) usar para se fazerem ‘aptos a serem consumidos’ – e, assim, valiosos para o mercado” (BAUMAN, 2008, p. 82). Longe de ser fácil, essa é uma tarefa extremamente angustiante para os consumidores, devido à volatilidade do mercado e a inexistência de um porto seguro.

Na academia, a voz de Bauman soa como denúncia da transformação do ser humano em mercadoria no âmbito da modernidade líquida. A doutrina é incutida desde a educação escolar e os meios de comunicação, amarrando a pessoa dentro de uma estrutura consumista. “É melhor que as crianças se preparem desde cedo para o papel de consumidores/compradores ávidos e informados – preferivelmente desde o berço. O dinheiro gasto no seu treinamento não será desperdiçado” (BAUMAN, 2007, p. 142). A mentalidade consumista perpassa toda a vida humana, transformando as atividades cotidianas em algo que pode ser mercantilizado. As relações com os outros seres humanos, incluindo os amigos e membros da família, passam a ser vistas em termos de mercado, devido à mentalidade consumista. A “mercadorização” das vidas humanas é o estágio mais violento do capitalismo parasitário.

 Conclusão

Não há como negar o papel do consumo na construção da modernidade, da ética e da própria antropologia na atualidade. Com o consumo, Bauman busca explicar a forma de viver dos seres humanos. O autor traz o termo consumo para dentro do campo da filosofia, indo além das abordagens então existentes nos campos da economia, da sociologia e da psicologia.

O consumo, na visão de Bauman, é a transformação da vida humana em mercadoria, noção que remete à segunda tese de Marx, o fetichismo da mercadoria. Essa tese possui dimensão normativa, sendo parcialmente válida no pensamento sociológico contemporâneo. Marx diz que o fetiche recorre à região nebulosa da crença. Os objetos tornam-se sujeitos e as pessoas viram objetos, numa total inversão de valores.

As relações sociais e os laços afetivos estão cada vez mais vulneráveis na modernidade líquida. O cunho mercadológico passa a interferir nas relações afetivas, focalizando a materialidade do ser humano. Nunca houve tanta liberdade na escolha de parceiros nem tanta variedade de modelos de relacionamentos; no entanto, nunca os casais se sentiram tão ansiosos e prontos para rever ou reverter o rumo da relação. A relação deixa de existir quando sua utilidade e seu prazer já não despertam o interesse do indivíduo, que pode substituí-la sem se importar com os sentimentos da outra pessoa.

A insatisfação nas relações revela profundamente uma insatisfação consigo mesmo, ou seja, por mais que o indivíduo esteja sempre atualizado, nunca será a melhor mercadoria no mercado da afetividade. O medo e a ansiedade de ficar de fora são eminentes. Essa situação é reafirmada na mídia com os “reality shows”, como, por exemplo, o Big Brother. A eliminação e o descarte são constantes e todos correm o risco de sair de cena, mesmo que cumpram corretamente as obrigações.

Os sites de relacionamento criam cada vez mais espaços para confissões públicas da vida íntima dos indivíduos. Isso para que as especificações das mercadorias sejam bem-feitas, a fim de chamar a atenção de possíveis pretendentes que queiram estabelecer um relacionamento. A vida interior de cada um é exposta na mídia, já não sabendo os adolescentes diferenciar o que pertence ao público e ao privado. Na busca de serem atraentes e famosos, dificilmente os jovens pensam em construir uma carreira sólida nos campos da arte, da ciência, da filosofia, da tecnologia, entre outros. Querem tornar-se celebridades e ser desejados como objetos de consumo, mesmo que por breve momento.

Destaca-se atualmente o grande uso de antidepressivos. Na sociedade de consumidores, nem todos conseguem ser celebridades ou a melhor opção no mercado. Precisam ser lembrados para serem valorizados e não conseguem superar o descarte. O sofrimento e o modo de aliviar as dores também alimentam o sistema, pois pensam que com medicamentos podem resolver o problema. As pessoas passam a acreditar que, para cada problema, há uma solução na loja. Não foi provado que essa nova atitude diminui as dores humanas; no entanto foi comprovado, além de qualquer questionamento, que a induzida intolerância à dor é fonte inesgotável de lucros comerciais.

Ressalta-se que o consumo aliena a vida humana de sua capacidade de refletir, pois o uso livre e consciente da razão limitaria a manipulação. Tem forte influência no consumo a exaltação do tempo presente em detrimento do passado e do futuro. Na vida “agorista” dos indivíduos na modernidade líquida, o motivo da pressa é, em parte, o impulso de adquirir e juntar. Mas o motivo que torna a pressa de fato imperativa é a necessidade de descartar e substituir. Verifica-se que o nível da velocidade é diretamente proporcional à intensidade do esquecimento.

As metanarrativas cederam lugar a informações e dados pontuais. O imanentismo presente na vida das pessoas implica explorar e fazer o momento em que se vive de prazer um instante eterno. Essa nova racionalidade não deixa de ser a procura de algo sólido em que se possa ancorar em confronto com a breve existência.

O capitalismo parasitário é que propulsiona essa ansiedade de construir-se a si mesmo com a cultura de consumo. Consumir, em Bauman, nada mais é do que o homem investir na avaliação social de si próprio. Na sociedade de consumidores, traduz-se como vendabilidade. Isso significa obter as qualidades necessárias para atender a demandas de mercado, tornando-se atraente. As dívidas ocorrem na opção por novos produtos, ainda que não possuam o poder aquisitivo para tanto. Essas pessoas nunca foram presas em cadeias, mas encontram-se presas às mercadorias que compraram ou haverão de adquirir. O prazer da compra não dura mais que uma semana, e a dívida talvez perdure anos. Alguém deve ganhar com isso, pois alimenta continuamente a roda da economia. Esse endividamento pode ir além da concepção monetária, sendo a vida exaurida e sugada pelo sistema econômico. A pessoa acredita que é livre, mas no fundo suas escolhas são fabricadas e apresentadas em uma gama de possibilidades preestabelecidas.

Se designamos como otimista a pessoa que entende que a humanidade está vivendo na melhor das possibilidades e o pessimista como aquele que desconfia que o seu oponente esteja certo, Bauman não é otimista nem pessimista na sua descrição do homem como mercadoria, mas relata a situação atual e como ela veio a tornar-se manifesta. O autor acredita que outro mundo – alternativo e, quem sabe, melhor – seja possível e que os seres humanos sejam capazes de tornar real essa possibilidade. Mas também – infelizmente – que talvez os indivíduos prefiram ignorar os acontecimentos e continuar a viver na “menoridade”.

 Bibliografia

BAUDRILLARD, J. O sistema dos objetos. São Paulo: Perspectiva, 1993.

BAUMAN, Z. A vida fragmentada: ensaios sobre a moral pós-moderna. Lisboa: Relógio D’Água, 1995.

______. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

______. Em busca da política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.

______. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

______. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

______. Vida líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.

______. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.

PALLARES-BURKE, M. L. G. Entrevista com Zygmunt Bauman. Revista tempo social – USP, São Paulo, v. 16, n. 1, jun. 2004.

REALE, G.; ANTISERI, D. História da filosofia: de Freud à atualidade. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2008. v. 7.

Eliton Fernando Felczak

Bacharel em Administração pela Universidade do Contestado (UnC-SC) e em Filosofia pela Faculdade São Luiz (FSL-SC), pós-graduado em Estudos Bíblicos pela Faculdade Católica de Santa Catarina (Facasc), seminarista da Diocese de Joinville-SC. E-mail: [email protected]