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Publicado em número 150 - (pp. 27-32)

A redenção do feminino para a transformação do humano

Por Maria Elci Spaccaquerche Barbosa

“Cogito ergo sum.” (“Penso logo sou.”)

Descartes

“O coração tem razões que a própria razão desconhece.”

Pascal

 

1. Introdução

O século XX, e predominantemente na sua segunda metade, caracteriza-se por um surpreendente desenvolvimento tecnológico.

O desenvolvimento científico atual levou o homem à lua, ao reconhecimento dos planetas do sistema solar, às viagens interplanetárias e a grandes descobertas do macro e microcosmos, possibilitando-lhe atuar nas partículas infinitesimais do átomo. O homem passou a se sentir cada vez mais o senhor do mundo, ou até mesmo dos mundos. Constatamos o enorme desenvolvimento das ciências, das possibilidades práticas do homem modificar a natureza, a sociedade e as mentes humanas.

No entanto, ao olharmos tudo isso e confrontar-nos com a fome e a miséria em que vivem a maioria dos seres humanos, com a devastação da natureza motivada basicamente pela ganância econômica, com as guerras político-religiosas que mal disfarçam o desejo de poder, e com a mesquinharia encravada no sistema econômico e que permeia a maioria das relações humanas atuais, colocamo-nos uma pergunta óbvia e contundente: “Afinal, houve desenvolvimento significativo da raça humana, ou estamos na mesma luta de 5 ou 10.000 anos atrás, porém com outra roupagem?”. Ou ainda: “Devemos nos tornar céticos e niilistas, considerando que o homem nunca vai mudar e sendo sempre esse ser mesquinho e contraditório? Que tipo de evolução houve no ser humano, se é que houve?”.

Parece-me que a maioria das pessoas considera-se dona do mundo, orgulhosa com o progresso alcançado. Assim evita-se perceber o quanto se tropeça nos obstáculos da vida, nas pequenas mazelas e frustrações, nos problemas afetivos do dia a dia, como tão bem disse Fernando Pessoa no seu “Poema em linha reta”:

“Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,

Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que conheço e que fala comigo

Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu um enxovalho,

Nunca foi senão príncipe — todos eles príncipes — na vida…

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana…

Arre, estou farto de semideuses!

Onde é que há gente no mundo?…”

 

O grito do poeta, creio, é o nosso grito, o grito de nossas almas: O que escondemos, o que se esconde por trás da máscara de cada um e de todos nós, que não mais nos permite vivermos como gente, como seres humanos no seu mais pleno e profundo sentido?

Parece, como mostra o poeta, que os nossos sentimentos verdadeiros são escondidos. É vergonhoso admiti-los, falar deles.

 

2. O mundo patriarcal

O desenvolvimento mental do raciocínio lógico foi tão brilhante, tão solar, que parece ter ofuscado — e até hoje ainda ofusca — aquele lado menos claro, mais difuso, menos controlável, mais lunar, que são os sentimentos.

O mundo patriarcal, desde há muito, coloca sua luz naquilo que é claramente explicado, naquilo que é visto. E quanto mais luz colocamos num lado da vida, mais o outro fica sombrio, além de desprezado. Como São Tomé, aprendemos a acreditar só naquilo que vemos. A crítica desenvolveu-se para que com ela possamos afastar tudo o que não cabe dentro da lógica, do raciocínio científico.

Na história da humanidade o patriarcado substituiu o matriarcado. A era das deusas foi sucedida pela era do deus masculino, senhor do Olimpo e dos céus.

A cultura matriarcal se caracteriza pela importância dada aos laços de sangue, vínculos estreitos com o solo, com a Terra-Mãe, e por uma aceitação passiva de todos os fenômenos naturais. O patriarcado, ao invés, se distingue pelo respeito à lei e à ordem, pela hipertrofia do racional e pelo esforço para modificar a natureza.

Dentro de tais princípios, na sociedade matriarcal todos os homens são iguais, por isso são todos irmãos; na patriarcal, o que se postula é a obediência à autoridade e uma ordem hierárquica na sociedade. Com o patriarcado rompe-se a era do EROS, o amor, e instala-se o LOGOS, a razão.

A unilateralidade do desenvolvimento psicológico do homem ocidental tem demarcado a rigidez do racional-mental e a intolerância com relação aos sentimentos.

O ego consciente assumiu os direitos sobre toda a psique, frequentemente desprezando a existência das outras necessidades e valores que são tão reais quanto o ego. E assim, ele oprime os outros aspectos da psique forçando-os a níveis cada vez mais profundos do inconsciente, onde ficam confinados às forças arcaicas e obscuras.

Na verdade, podemos observar tudo isso tanto no nível individual como social e governamental. Assim, a atitude totalitária do ego ou de um grupo social nega as liberdades básicas do sistema como um todo, arroga, para si todo o poder e todas as vantagens, enquanto visualmente escraviza ou penaliza as outras partes que não estão de acordo com a parte dominante. Devemos nos lembrar que os milhões de pessoas envolvidas nas crises político-econômicas mundiais são indivíduos, e são suas emoções e impulsos dinâmicos que as motivam a confrontos pessoais e de exércitos. São forças psíquicas que habitam nos homens que os levam a viver tais situações. São forças psíquicas de emoção e sentimentos reprimidos mais do que o raciocínio formal, ou um processo de reflexão. E somos todos nós que sofremos essa patologia psicossocial, pois não estamos livres do contágio pela simples razão de que habitamos o mesmo mundo. E as forças psíquicas não conhecem os limites geográficos ou hierárquicos.

Em nível pessoal o indivíduo pode ter desenvolvido todo o seu potencial intelectual e mental, mas se esse desenvolvimento for unilateral, ele muito provavelmente se sentirá só, desolado, com um profundo sentimento de criança abandonada. Na verdade, ao se confrontar com o não racional o ser humano é infantil e incapaz de se relacionar. O relacionamento com o outro tornou-se consequentemente muito complicado, pois, diante do crivo racional a que é constantemente submetido, sua existência é muito difícil, senão quase impossível. Torna-se impossível sentir. Os sentimentos e o amor ficaram relegados aos artistas, mulheres frágeis e loucos. E a maioria das pessoas cogita sobre o sentir, julga sobre o sentir. Costumamos ouvir com bastante frequência frases como: “Será bom sentir-se assim? Mas eu não deveria me sentir dessa maneira! Mas tal sentimento é bom ou mau?” etc. São bastante comuns tais formas coloquiais, são frases do dia a dia que revelam o nosso pensar sobre o sentir. São fórmulas de estancar o sentir, não respeitando-o, mas querendo controlá-lo sob rédea curta.

O resultado desse processo de desenvolvimento unilateral é observado no relacionamento humano, que passou a existir como troca de formalidades e interesses, e não como um encontro de almas, de um deixar fluir o gostar entre duas ou mais pessoas.

Se de um lado o princípio da psicologia masculina é o LOGOS, que se define pelo “interesse objetivo por coisas”, a psicologia feminina está intimamente ligada à noção de EROS, que, segundo o próprio Jung, pode-se definir como a “relação entre almas”.

EROS e LOGOS são dois princípios complementares, a unilateralidade de um ou outro leva sempre a uma perda do indivíduo do seu caminho de integração psíquica.

 

3. O princípio feminino — EROS

A psicologia feminina tem como princípio EROS, o que ata e desata, e também está ligada à natureza e à compreensão dos ritmos e ciclos da vida. O que ocorre na sociedade ocidental é que tanto os homens como as mulheres aprenderam e aprendem a valorizar basicamente as dominantes masculinas, a saber: o pensamento, a verbalização correta e fluente, a iniciativa, os ideais heroicos, enfim a eficiência no mundo externo. Por outro lado, rejeitam e reprimem as dominantes femininas, que são: a sensibilidade, a receptividade, a intuição, a habilidade para elaborar o mundo subjetivo.

Quando EROS e não LOGOS influencia uma relação, a conexão de alma, a amizade profunda e a compreensão empática estão presentes. O efeito de EROS não está limitado ao nível romântico e sexual. Na verdade, onde quer que um crescimento ocorra, ou um potencial seja desenvolvido, ou ainda um ponto de vista difundido, ou mesmo uma nesga de criatividade encorajada é que EROS está presente. Isso pode acontecer não só no relacionamento entre duas pessoas, mas no ensino, no aconselhamento, ou em qualquer campo de trabalho humano. É o princípio de EROS que conduz o ser humano ao relacionamento com o outro, e para além desse com o divino, e para sua interioridade consigo mesmo. Se estamos envolvidos num trabalho de construção e transformação, um campo emocional é gerado em nós e a nossa volta. E ele é poderoso o bastante para tocar a todos. EROS está presente em todo trabalho criativo, mesmo aquele que é feito na “solidão”. O diálogo da relação fica entre a pessoa e seu trabalho. Pode-se observar isso num trabalho de um artista como um pintor, escultor, escritor, que têm uma profunda relação com o seu trabalho. Tanto no relacionamento como no processo criativo há uma interação — ou seja, inter-ação — que ocorre entre os dois elementos e que forma uma conexão profunda com a própria alma.

Ocorre que tal princípio feminino, tão necessário ao ser humano, quase que desapareceu no Ocidente, e foi principalmente com a Reforma Protestante que isso se deu. A Reforma o aboliu de maneira bastante concreta destruindo imagens das deusas, ou de Nossa Senhora, a deusa-mãe do catolicismo, e espiritualmente o destruiu abolindo o conceito de mãe de Deus — Mater Dei.

A repressão do princípio feminino e a fundamentação exclusiva no “verbo”, no “logos”, tiveram como consequência a intensificação da ciência, da tecnologia. A concepção de que o conhecimento advém do raciocínio lógico tornou implícita a ideia de que o ser consciente é aquele que conhece por tais vias. O saber formal tornou-se sinônimo de ter consciência, e a busca do conhecimento ficou sendo para muitos a razão de ser. O círculo fechou-se em si mesmo, no nível do LOGOS, do racional, intelectual, sem conexão com nada mais além do tangível.

A partir de então, homens e mulheres aprenderam a se interessar somente por coisas e questões objetivas, chegando mesmo as ciências a descartarem a existência de tudo aquilo que não podiam explicar. Chegando a extremos, em momentos de sua história, a ciência só aceitou como conhecimento aquilo que era objetivo e/ou podia ser objetivado. Tudo o que se referia ao sujeito, ao ser humano, e aos sentimentos que tais conhecimentos evocavam deveria ser rejeitado. Ou seja, a conexão do saber como indivíduo, com seu eu mais profundo, o significado do saber para si mesmo, e a decorrente relação disso com outros aspectos significativos da vida passou a inexistir. Melhor dizendo, tais interações foram colocadas à margem, à sombra, como diria Jung; foram relegadas a um quarto escuro da alma humana, esperando que um dia pudessem emergir novamente, redimidas.

O conhecimento sem alma, ou a “des-animação” da consciência, como coloca Toni Wolff, leva necessariamente à coletivização e à exteriorização. Ou seja, as pessoas se afastam do seu eixo interno, e ficam voltadas somente para a valorização do que é externo. Esse é o fenômeno que constatamos tão claramente na nossa sociedade capitalista-consumista. O consumo é um dos mais patentes resultados da falta de conexão do indivíduo consigo mesmo, e da ausência do princípio feminino, já que o fator psíquico é a vida interna, e o fundamento da individualidade. Sem esse o indivíduo nada mais é do que um número na sociedade, um elemento da massa.

Se os homens muito perderam de sua capacidade criativa e de relacionamento com a repressão do feminino, as mulheres perderam até mesmo a sua identidade consciente. Na verdade, as mulheres passaram a viver apenas na periferia da cultura, em funções claramente circunscritas e frequentemente subordinadas aos homens, à posição social, filhos etc.

Em geral feridas na sua relação com o feminino, as mulheres têm um profundo sentimento de autorrejeição, de feiura e de fracasso, por mais que tenham uma excelente imagem pública. “Pela repressão, a alegria do feminino foi rebaixada como mera frivolidade, sua sensualidade alegre foi diminuída como coisa de prostituta, ou então sentimentalizada e maternalizada, sua vitalidade foi curvada sob o peso das obrigações e da obediência” (Sylvia B. Perera).

Por mais que nós, mulheres, nos esforcemos por atingir o ideal de eficiência e de perfeição do mundo patriarcal, nós nunca o conseguiremos realizar e nos satisfazer; haverá sempre um sentimento de erro, de falha, de tristeza. Isso ocorre porque não podemos atingir o ideal patriarcal sem aniquilar ou mesmo matar o nosso lado feminino, a psique feminina, que é própria da mulher, mas rejeitada pelo ideal patriarcal. Na verdade, nunca poderá existir perfeição na unilateralidade. Poderemos nos defrontar com perfeições nas técnicas (talvez!), mas as perfeições que buscam as ciências mecanicistas estão longe de entender a busca da integração da alma. E aqui, talvez, o termo mais correto a ser empregado é o da integração, e não perfeição.

 

4. O caminho da redenção do feminino

(O retorno do matriarcado — A integração do feminino redimido)

A natureza feminina está ligada em primeiro lugar ao mundo da mãe-mater, palavra geradora de matriz e matéria. Assim, a natureza feminina está profundamente ligada à terra, ao corpo, ao ciclo da natureza corpórea. Tão logo a criança nasce, sua primeira conexão é com a mãe, ou aquela que a alimenta e aninha, que cuida, e que portanto passa a ter uma enorme influência no seu desenvolvimento geral, tanto físico como emocional e mental. Na verdade, o relacionamento do homem com a mãe, e depois com outras mulheres, forma e estrutura sua função de EROS. Na mulher, sua relação e identidade com a mãe formam sua psicologia feminina e ativam sua função de EROS. Contudo, se EROS, que representa o princípio da relação, do afeto, do amor, permanecer no nível da relação mãe-filho, ele não se desenvolverá. Nesse estágio infantil de desenvolvimento, o filho é sempre receptáculo do afeto e não aquele que o inicia. Dessa maneira, ele não explora nem desenvolve as potencialidades de sua natureza. Para ele o amor significa sempre “eu sou amado”, e rarissimamente “eu amo”. A habilidade para amar, o desenvolvimento de EROS de forma adulta só pode acontecer depois que o indivíduo — homem e mulher — conseguir desatar-se dos laços infantis que caracterizam suas relações.

Em muitas lendas de países nórdicos onde para salvar a donzela o herói tem que enfrentar o dragão, aparece também como parte da estória um carneiro que deve ou que vai ser sacrificado. Isso significa que a inocência infantil dentro do homem, no seu caminho de individuação, integração, precisa ser sacrificada, ou seja, voluntariamente eliminada. Se o caminho do ser humano é tornar-se cada vez mais consciente de sua totalidade, não se pode permanecer inocente como os animais. A noiva, a donzela, representa nas lendas o sentimento inconsciente, a anima a ser redimida, o feminino a ser salvo através do sacrifício do infantilismo. Como Jung salientou, Cristo não disse: “Se vocês permanecerem crianças, vocês encontrarão o Reino dos Céus”, mas “A não ser que vocês se tornem como crianças”. Tornar-se de novo crianças não significa permanecer no estágio do jardim de infância da vida, mas superá-lo, tornar-se adultos, readquirir sua própria integridade para, então, encontrar um caminho de volta a esse núcleo, ou seja, à integridade mais profunda. Esther Harding, em continuidade a esse pensamento de Jung, aponta que o homem, a fim de alcançar uma relação direta com suas emoções mais profundas, precisa sacrificar seu desejo de ser carneirinho no colo de sua mãe, e de todas as mulheres.

No Ocidente, EROS, o princípio feminino, ficou, parece-nos, ao nível primeiro de seu desenvolvimento, na medida em que o feminino foi reprimido, o princípio da relação permaneceu infantil. Como aponta Neumann: “por ter sido humilhado e abusado como objeto de prazer, o feminino vinga-se regredindo à hostilidade matriarcal contra o masculino”.

Se o indivíduo se nega em sacrificar aquilo que é preciso, por exemplo, sua cobiça, sua vaidade, ou mesmo seus desejos caprichosos, então a libido, a energia que precisava ser transformada para se tornar criativa, volta ao inconsciente e torna-se uma energia destrutiva para o próprio indivíduo. As formas dessa energia eclodem, podendo ser tanto em nível psicossomático (como gastrite, dermatites ou outras doenças físicas) como em nível mais psíquico, aparecendo então depressões, melancolia ou pânicos em relação à vida. Para Jung, das forças destrutivas mais cruéis, psicologicamente falando, a pior é a que advém do poder criativo não usado. EROS, ou amor, é contaminado de forma destrutiva pela energia não usada.

Foram poucos os homens e mulheres que nos últimos séculos ousaram contar com seus sentimentos mais profundos, e estabelecer relacionamentos mais totalizantes, nos quais os dois princípios (LOGOS e EROS) não são negados, mas integrados.

A própria valorização da psique, da psicologia, corresponde sem dúvida à valorização do feminino.

A valorização do feminino aparece também nos movimentos ecológicos, na volta à natureza, nos diversos romances e livros que falam de forma mais literária, poética ou científica da mulher nos seus aspectos mais variados. Muitas mulheres se identificam em primeiro lugar como mães, e muitos homens acharão que esse é o caráter evidente de sua própria anima. Mas existem muitas outras que se identificam com outros aspectos do feminino: a companheira (ou hetera), a intermediária (ou aquela que canaliza a vida) ou a “amazonas” (ou aquela que permanece “virgem”). Essas categorias são aspectos que foram muito bem observados e descritos por Toni Wolff (1956). Outras maneiras de enfocar o feminino também podem ser consideradas, e Jean Shinoda Bolen faz isso no seu livro Goddesses in everywoman (As deusas e a mulher, Edições Paulinas).

A multiplicidade de enfoques demonstra que a busca do feminino já se dá. As mulheres não precisam mais se enquadrarem numa só forma de vida, de papéis pressupostos, nem o homem precisa algemar sua anima nos rincões escondidos de sua alma.

É importante que a mulher se reconheça e se encontre na sua psique feminina, pois, já que essa está em ligação com a vida, é sua tarefa introduzir o homem na vida, envolvê-lo nesta, e tornar viventes suas ideias.

Um reconhecimento das múltiplas formas de conhecimento e da experiência feminina poderia ter como consequência um repensar os papéis das mulheres na comunidade e no mundo em geral. Como diz G. R. Heyer (1913):

…“A compreensão da índole feminina pode ensinar muito para nós homens, já que a época do mero patriarcalismo inevitavelmente chegou ao seu fim. Com isso, são muitas vezes as mulheres que ressuscitam para nós os conhecimentos novos, na realidade há tanto tempo esquecidos. Na medida em que nós as acompanharmos na busca de um melhor autoconhecimento, chegaremos de novo à proximidade da Origem e experimentaremos os acessos ao irracional, perdidos sob os ditames do iluminismo e do pensar logocêntrico.”

Os cientistas mais modernos ou mais ousados já têm uma consciência maior da redenção do feminino, e do papel do intelecto, do LOGOS. Esse deverá ser purificado de seus falsos motivos, de sua inflação, sem perder a sua qualidade instrumental, pois só assim ele deixa de ser um complexo autônomo da psique, possibilitando a reflexão verdadeira e a integração do ser humano.

A união de LOGOS e EROS, a conjunctio, parece ser o caminho do ser humano. Redimindo o feminino, e transformando o LOGOS, o homem parti­lha das forças criativas do nosso mundo, e pode se tornar seu canal. Essa nova consciência foi muito bem definida por Edward F. Edinger:

…“Contudo, a definição de consciência como ‘conhecer com’… envolve não apenas o conhecimento, mas também o ‘estar com’. O ‘estar com’ é o dinamismo da vinculação, o princípio da relação. Se conhecer é uma função do LOGOS, o ‘estar com’ é uma função do EROS. Assim chegamos à descoberta inesperada de que a palavra que usamos para designar o valor mais alto — consciência — é, em seu sentido básico, uma conjunctio, uma união de LOGOS e EROS”.

Assim, podemos perceber que a redenção do feminino depende de cada um e de todos nós, em nosso caminhar pela vida. Não são as mudanças estruturais externas que transformarão o ser humano, mas a transformação interna e a busca da consciência maior no sentido de Edinger. E sem dúvida os raios luminosos dessa nova era já podem ser percebidos. Aqueles que têm olhos que vejam. E podemos certamente apreciar todos aqueles, homens e mulheres, que na sua busca de integração partilham do dom de intermediar o sentido da vida, de canalizar as forças criativas da natureza e de Deus, enfim, de desvendar a presença do divino no coração da matéria.

 

Bibliografia utilizada

BOLEN, Jean S. Goddesses in everywoman. Harper & Row Publishers, 1984 (traduzido por Ed. Paulinas).

EDINGER, Edward F. A criação da consciência. São Paulo: Cultrix, 1987.

FRANZ, von M. L. A sombra e o mal nos contos de fada. São Paulo: Paulinas, 1985.

HARDING, M. Esther. Psychic Energy. Princeton University Press, 1963.

HEYER, G. R. A mulher. Ed. Hans Huber Stei Hgant, 1963. (Adaptação para estudos críticos — CID.)

NEUMANN, Erich. Love and Psyche. Bollingen Series/Princeton University Press, 1956.

PERERA, Sylvia B. Caminho para a iniciação feminina. São Paulo: Paulinas, 1985.

WOLFF, Toni. Sobre o processo de individuação na mulher. Ed. Dainon, 1959. (Adaptação para estudos críticos — CID.)

Maria Elci Spaccaquerche Barbosa