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Publicado em maio-junho de 2012 - ano 53 - número 284

Compreender a salvação cristã no século XXI

Por Pe. Mario de França Miranda, sj

1. Uma realidade complexa

Não deixa de ser curioso que a noção central do cristianismo – como, aliás, de qualquer religião –, a saber, a noção de salvação, não tenha recebido uma formulação oficial do magistério da Igreja no que diz respeito a seu conteúdo. Uma primeira pista para entendermos esse fato já se encontra no próprio Novo Testamento, que nos apresenta muitas expressões do que significa “estarmos salvos”. Vejamos. Libertados da escravidão do pecado, do jugo da lei, da morte, das trevas; reconciliados com Deus, perdoados de nossas culpas, chamados a uma vida nova, justificados, santificados, filhos de Deus, templos do Espírito Santo, irmãos de Jesus Cristo; experimentamos a alegria, a consolação, a liberdade, dons do Espírito, que também nos capacitam para o amor, para a perseverança, para a esperança da ressurreição e nos fazem participar da vida de Deus. Além disso, sabemos que, ao longo da história do cristianismo, as expressões se sucederam conforme os contextos vitais de onde se originaram.

Como explicar esse fato? Vejamos. Salvação, em sentido teológico, significa a plenitude do ser humano, o sentido último de sua vida, sua realização total. Para a fé cristã, a salvação do ser humano é Deus, como tão bem enfatiza santo Tomás de Aquino (S.Th. I,1,1). Ou, como se diz hoje, é a autocomunicação de Deus ao ser humano, que só será plenamente vivida na outra vida. E, como bem sabemos, tudo o que toca a Deus toca o mistério. Daí a pluralidade de expressões, verdadeiras, mas inadequadas, por não conseguirem formular perfeitamente o que seja a salvação cristã. Entretanto, nossa explicação está incompleta. Pois essa salvação não é só de Deus como seu autor, mas também salvação de homens e mulheres.

Aceita essa afirmação, a compreensão da salvação vai inevitavelmente se tornar complexa e plural. Primeiramente porque não existe um ser humano abstrato. Todo homem e toda mulher se encontram necessariamente no interior de um contexto vital, sociocultural, histórico, que apresenta ameaças concretas, desafios próprios, mentalidades específicas, culturas distintas. E é exatamente nesse contexto que seus habitantes experimentam a salvação, libertando-os de algum mal ou levando-os a maior plenitude de vida. Não nos admira, portanto, que, ao longo da história, as expressões de salvação, sempre contextualizadas, se sucedam para fazer frente aos novos questionamentos e às novas linguagens. As expressões passadas, enquanto corretas, permanecem em sua verdade e não devem ser descartadas, pois representam a riqueza da tradição cristã da qual se nutre nossa fé.

Outro fator que torna a noção de salvação diversificada vem a ser o próprio indivíduo humano. Pois este constitui uma realidade rica e complexa: corpórea, espiritual, pessoal, social, psicológica, ambiental, política, cultural. Qualquer um desses setores da vida humana pode clamar por salvação. Com outras palavras, a salvação cristã, como salvação de toda a pessoa humana, deve iluminar, orientar, sanear, corrigir, estimular, plenificar qualquer setor da vida humana, sem se limitar a apenas algum deles. Daí também a possibilidade de surgirem compreensões diversas conforme as experiências salvíficas se realizem nas diversas áreas humanas. Essa afirmação é importante, pois na história do cristianismo se deu preferência quase exclusiva a expressões de cunho religioso. Com isso, fatos e compromissos salvíficos acontecidos na vida das pessoas permaneceram anônimos e desvalorizados, por não terem sido captados e entendidos numa visão cristã.

 

2. Dom de Deus para uma humanidade fraterna

O que vimos até aqui já justifica perfeitamente a tarefa de compreendermos a salvação para hoje. Observemos ainda que a salvação é dom de Deus, é-nos oferecida gratuitamente em Jesus Cristo. Ideologias ou cosmovisões que prometem uma humanidade feliz e sem males expressam a tentativa humana de uma autossalvação, contradizem a fé cristã e são desacreditadas pela própria história, embora manifestem a tentação constante do ser humano de se emancipar de Deus. Tentação vã, pois Deus é sempre primeiro na busca humana por salvação. Com efeito, foi ele quem nos deu a existência por puro amor, é ele quem nos mantém existindo, é ainda ele quem nos capacita a atuar na busca da humanidade fraterna e justa. Esse fato não anula nossa responsabilidade diante da história. Pois esse dom de Deus é oferecido a pessoas dotadas de inteligência e de liberdade. E, conforme o acolhemos livremente, essa oferta se torna realidade, a salvação realmente acontece.

A Bíblia nos comprova que toda a iniciativa de Deus ao constituir um povo eleito, uma comunidade humana específica, não pretendia primeiramente dar origem a uma religião, mas fazer emergir na história uma nova humanidade, uma sociedade alternativa às sociedades históricas marcadas pelas injustiças, pelo autoritarismo, pelas discriminações, pela ganância e pelo sofrimento. Daí se explica a vocação de Abraão, de Moisés e dos profetas para guiarem um povo na obediência a Deus e no amor ao semelhante. Visando ao mesmo objetivo se situa o anúncio do reino de Deus feito por Jesus (LOHFINK, 2008). Sua pessoa é a realidade viva do reino, em suas palavras e ações, na fidelidade ao Pai e no cuidado com todos, especialmente com os mais sofridos e marginalizados. A práxis cristã, marcada pela gratuidade, pela misericórdia, pelo perdão, pela justiça e pelo amor, recupera e fortalece o que há de melhor no ser humano, gera uma comunidade humana menos deformada pelo egoísmo e demonstra que o reino de Deus, embora só vá se realizar plenamente na vida eterna em Deus, já acontece em nossa história. Pois acolher o reino é acolher a Deus e o irmão, sem que possamos separar esse duplo acolhimento.

Entretanto, não só a história de Jesus de Nazaré determina nossa compreensão da salvação, mas também sua morte e ressurreição, como consequência de sua própria vida. Sabemos que seu comportamento e suas palavras desagradaram às autoridades religiosas de seu tempo, que nele viam uma ameaça à religião estabelecida e por isso procuraram eliminá-lo. De fato, sua pessoa inaugurava novo tipo de relacionamento com Deus e provocava nova modalidade de convivência humana, sem injustiças e discriminações, em continuidade com a pregação dos profetas. Enquanto Jesus Cristo, por sua ressurreição, constitui o primeiro a experimentar a salvação, sua vida, que desemboca no mistério pascal (morte e ressurreição), torna-se o protótipo para todo aquele que também deseja viver essa salvação na história e experimentá-la em plenitude na ressurreição. Acolhendo o reino e procurando viver para o outro, sobretudo para o mais necessitado, o cristão deverá assumir a vida de Jesus Cristo, morrendo como ele para o egoísmo a fim de, como ele, ressuscitar para Deus. Essa realidade salvífica se expressa no batismo (Rm 6,3-5) e na eucaristia (1Cor 11,17-34), bem como nos demais sacramentos. Ela resulta da ação do Espírito Santo em nós que visa plasmar em nós a existência de Cristo. Essa realidade, embora imperfeitamente vivida, caracteriza sem mais o que entendemos por “ser cristão”.

Não basta pretender justificar a sucessão de compreensões da salvação apenas com base no contexto respectivo em que essa realidade acontece. Há outro elemento, anterior mesmo ao quadro sociocultural, que deve ser enfatizado. Trata-se do conjunto das experiências de salvação feitas pelas sucessivas gerações de cristãos que garantem unidade e identidade à ação de Deus e oferecem um quadro interpretativo para as experiências futuras. Podemos mesmo afirmar que toda a Bíblia é, de certo modo, a sedimentação das experiências salvíficas feitas pelo povo de Deus ao longo de sua história. Nos evangelhos e em todo o Novo Testamento encontramos expressões das experiências dos primeiros cristãos com a pessoa de Cristo. Desde as mais simples, como a de Pedro: “Senhor, tu tens palavras de vida eterna” (Jo 6,68), até as profundas formulações de Paulo e João. Embora captada e entendida dentro do respectivo contexto sociocultural e do horizonte religioso da época, a experiência salvífica é sempre primeira. É a ação de Deus sempre presente na história por meio de seu Espírito, para salvar homens e mulheres de todas as gerações, de todos os povos, de todas as tradições religiosas. E como os tempos mudam, os contextos vitais passam, as linguagens se transformam e novos desafios surgem, assim também as experiências salvíficas acontecem em novas realidades que exigem novas expressões para identificá-las como tais.

 

3. Insuficiências das compreensões da salvação no passado

Neste ponto de nossa reflexão, já podemos entender melhor o porquê destas linhas. À medida que expressões tradicionais de experiências salvíficas já não são devidamente entendidas por novas gerações, em virtude dos novos quadros socioculturais com seus desafios próprios, o anúncio salvífico da Igreja deixa de ser significativo e pertinente para nossos contemporâneos. E como a salvação é praticamente o principal bem que nos oferecem as religiões, perde o cristianismo sua força e sua credibilidade, porque suas expressões e práticas já não correspondem às demandas e às insuficiências humanas dos nossos dias. E estas são múltiplas e complexas, dificultando sobremaneira a tarefa da teologia e da pregação. Não é que a ação salvífica de Deus esteja diminuindo, mas é a Igreja que não está conseguindo iluminá-la e identificá-la devidamente nesta complexa realidade da vida moderna.

Essa deficiência, ausente nos evangelhos, já que o reino de Deus anunciado e realizado nas palavras e nas ações de Jesus Cristo atingia a totalidade da vida humana, tem início com a funesta separação entre o que é do âmbito do natural e o que é da esfera do sobrenatural. Essa funesta compreensão teológica da realidade vai relegar à categoria de profano, de sem valor religioso ou salvífico, todos aqueles setores da existência que constituem de fato a realidade vivida pelos seres humanos: vida familiar, profissional, social, política, cultural, econômica, de descanso e de cuidado corporal. Numa palavra, a vida real fica fora do âmbito salvífico, não conta para Deus. Onde encontrar então o sobrenatural que nos leva à salvação? Nos atos etiquetados como “religiosos”, sejam eles os sacramentos, vistos como fontes de graça, sejam práticas e celebrações devocionais, situadas ao lado da vida concreta, embora podendo causar repercussões nela. Aqui temos a raiz de uma degeneração que lamentavelmente atinge em cheio o catolicismo em nosso país, a saber, o hiato entre fé e vida. Para muitos católicos, o que é professado na Igreja não é vivido na vida concreta.

Outra deficiência observada no passado foi restringir a salvação ao componente espiritual do indivíduo. O importante era salvar a alma, como se o ser humano pudesse ser feliz sem o seu corpo, que constitui também sua identidade. Daqui surgiu certo menosprezo a tudo o que tinha relação com o corpo, considerado não só como neutro do ponto de vista salvífico, mas também como obstáculo à vida espiritual. E foi imposta, assim, uma concepção idealizada do ser humano como inteligência e liberdade, sem ter em consideração que essas faculdades se encontram na matéria, no corpo, que as condiciona e impõe limites. Quantas tragédias ocorridas no passado teriam sido evitadas se fossem respeitados esses dados fundamentais de uma adequada antropologia.

Essa última aponta para outra deficiência da tradição: o ser humano se confronta com Deus como indivíduo isolado de seu entorno. Ora, sabemos muito bem que ninguém pode se constituir em ser humano senão numa sociedade humana, no interior de uma tradição cultural, no meio de outras pessoas. Somente assim a pessoa pode usar sua inteligência e atuar sua liberdade. É no trato inevitável com outras pessoas que ela chega à sua identidade pessoal. É também ao interagir com seus semelhantes que realiza sua identidade cristã. E ainda mais. Por viver numa sociedade humana, não pode ela se omitir em colaborar para uma organização social que não seja fonte de injustiças e sofrimentos para os mais pobres. Também esse imperativo social é intrínseco ao seu relacionamento com Deus, faz parte da construção do reino de Deus na história, reino esse que nenhuma base oferece para um individualismo religioso infelizmente muito propagado no passado.

 

4. Uma compreensão para nossos dias

Não basta apenas apontar as deficiências do passado, pois devemos apresentar uma compreensão da salvação cristã que seja realmente significativa para nossos contemporâneos. Vamos trazer algumas características que nos parecem fundamentais, sem maiores pretensões. A primeira delas enfatiza que a salvação cristã é captada como tal à medida que é vivida. As múltiplas expressões bíblicas suas nada mais são do que um apelo à nossa liberdade, para que tenhamos a audácia e a coragem de assumir a existência de Cristo e assim experimentar a vida nova nele. Mais concretamente, consiste em ter Jesus Cristo como aquele que orienta, estrutura, sustenta e estimula o nosso dia a dia, conferindo-lhe sentido, em meio a nossos limites e incoerências, com altos e baixos, mas sempre na busca de fazer o bem, segundo nossas possibilidades.

As chamadas “práticas religiosas” têm sentido à medida que mantêm desperta nossa consciência de seguidores de Cristo e assim nos alimentam em nossa caminhada. Se todo o mundo tem uma interpretação da realidade que marca seu comportamento, nós vemos essa mesma realidade com os olhos de Jesus Cristo e procuramos agir em coerência com ela. Desse modo, fazemos acontecer hoje o reino de Deus, tornamos a sociedade mais humana e justa, experimentamos um pouco da felicidade ao buscarmos fazer os outros felizes. Nessa vida nova verificamos que somos animados interiormente pela força do Espírito Santo, que somos guiados pela pessoa de Jesus Cristo, que caminhamos para o Pai, quando então experimentaremos a plenitude dessa salvação, hoje presente na fé e na esperança.

A história do cristianismo nos atesta que aqueles que vivem essa salvação devem afrontar incompreensões, resistências e mesmo agressividade por parte de seus contemporâneos. Nem Jesus escapou dessa reação. Com efeito, muitos estão instalados numa existência egoísta, voltada para os bens terrenos, o prazer sensual e a busca de poder, existência à qual o modo alternativo de vida apresentado por Jesus Cristo incomoda, pois desmascara e condena seu egoísmo de fundo, sendo então visto como uma ameaça. É nesse sentido que são Paulo fala em participar dos sofrimentos de Cristo, assemelhar-se a ele para chegar à ressurreição dos mortos (Fl 3,10s). A salvação cristã significa sempre vida, e vida plena (Jo 10,10), para si e para os demais, embora as reações do mundo egoísta tragam sofrimentos.

O ser humano só se constitui como tal ao interagir com outros seres humanos. A fé cristã enfatiza claramente que esse interagir consiste no amor autêntico e desinteressado ao outro, especialmente ao outro necessitado. Portanto, não podemos conceber uma resposta cristã a Deus que prescinda do entorno humano em que vivemos. Essa conclusão não termina numa ajuda de cunho assistencial, como se deu no passado, mas exige que o cristão participe ativamente, à medida de suas possibilidades, da construção da sociedade justa que corrija as gritantes desigualdades encontradas hoje. A caridade fraterna tem uma dimensão política que lhe é intrínseca e que denuncia uma vida cristã voltada apenas para práticas e devoções religiosas. De fato, deste modo ela deixa de assumir sua responsabilidade na Igreja e na sociedade, cujas deficiências só poderão ser sanadas com a participação de todos. Naturalmente, as modalidades de atuação são as mais diversas, mas não deveriam faltar.

Como confessamos um único Deus que, por meio da ação de seu Espírito, chama toda a humanidade à salvação, independentemente de etnias, culturas e religiões, devemos reconhecer que o reino de Deus também acontece para além das fronteiras do cristianismo, sempre que o ser humano acolhe e segue a inspiração do Espírito Santo para fazer o bem (Rm 2,6-11). Essas realizações na linha do evangelho, mas desprovidas da etiqueta “cristã”, deveriam ser valorizadas e promovidas pelo cristianismo, estejam elas presentes numa tradição religiosa ou numa cultura determinada. De fato, há muitas expressões da ação salvífica de Deus na literatura, na música, na filosofia, na arte, nos anseios de uma geração, que poderiam ensinar à Igreja a atualizar sua linguagem e a transmitir mais claramente a salvação de Jesus Cristo para nossos contemporâneos.

Observemos ainda que a salvação cristã abrange também a salvação do corpo e do entorno material da pessoa. Pois o espírito humano só consegue se realizar, como espírito, no corpo material, por meio do qual se comunica com os outros e com Deus. O corpo, portanto, faz parte de sua identidade e, assim, deve experimentar a salvação plena. Essa mesma verdade vale para a natureza, que constitui o contexto vital para o ser humano e com a qual ele se encontra em contínua interação. Criada por Deus, também ela aspira à salvação final (Rm 8,21) e, portanto, deve ser respeitada, cuidada, não destruída pelo egoísmo humano. Consequentemente, o imperativo ecológico e a preservação da natureza são elementos intrínsecos à salvação cristã.

Neste ponto da nossa reflexão, poderíamos nos perguntar: o que fica de fora da salvação cristã? E a resposta é: nada! Toda a realidade tem um destino último em Deus, toda ela pode ser mediação salvífica para a humanidade. No ambiente familiar, na vida profissional, no mundo cultural e artístico, na pesquisa científica, no trato com o corpo, nas relações afetivas, no cuidado com os outros, na atividade social e política, no lazer e na diversão, estamos, por meio de nossas opções, na linha do evangelho, construindo na história a nossa salvação, colaborando para a salvação de nossos semelhantes, bem como do meio ambiente. Mas só conseguiremos esse objetivo, dado que o egoísmo nos corrói por dentro e nos tenta de fora, se mantivermos fé viva e consciente por meio da oração, da recepção dos sacramentos, da comunidade eclesial, da caridade vivida – numa palavra, por meio da graça de Deus, da ação do Espírito Santo por nós acolhida.

 

5. A atualidade da salvação cristã

Numa sociedade pluralista marcada pela diversidade de interpretações da realidade e de práticas de conduta, as quais se sucedem em espantosa velocidade, deixando a impressão de que tudo é efêmero e descartável, nossos contemporâneos anseiam por referências sólidas que possam iluminar o seu cotidiano e capacitá-los a enfrentar as dificuldades próprias à condição humana. A mensagem cristã da salvação trazida por Jesus Cristo pode levá-los a experimentar um modo novo de viver a própria vida, ao liberá-los da prisão do egocentrismo e lançá-los na aventura do amor ao próximo. Somente essa experiência pode fazê-los entender “por dentro”, e não mediante doutrinas ou normas provindas “de fora”, o sentido autêntico da vida humana, mesmo em meio a contrariedades e sofrimentos que não poupam mortal algum.

A atual sociedade, dominada pelo individualismo, pela racionalidade funcional e pela hegemonia do econômico, é sociedade fadada a se autodestruir, já que a maioria de seus dirigentes se preocupa pouco com o bem comum, com a situação dos mais necessitados, com a preservação do meio ambiente, com a luta pela justiça social, e muito com a satisfação de seus interesses e projetos pessoais. Além disso, entregue apenas à razão – e a uma razão obcecada pela produtividade e pelo lucro –, ela não tem como motivar seus cidadãos para a causa do bem comum e para o gesto solidário e gratuito. Daí desempenhar a proclamação cristã da salvação um papel fundamental também para a sobrevivência da própria sociedade democrática.

Vivemos um tempo de medo e de ansiedade com relação ao futuro pelo agravamento das desigualdades sociais, pela violência crescente, pela diminuição dos recursos naturais, pelo consumismo desenfreado, pela anarquia dos valores. Preocupamo-nos, e com razão, com o futuro de nossos filhos e netos. Olhamos com pesar para o passado da humanidade e constatamos tantos sofrimentos e tantas injustiças que nos inquietam a consciência porque foram simplesmente esquecidos pela história. Entretanto, para a fé cristã, a última palavra sobre a história será dada na vida com Deus, um futuro certo e feliz, salvação plena do ser humano, que restabelecerá a justiça e curará todo sofrimento. A esperança desse futuro nos mantém de cabeça erguida na caminhada e nos incita ao compromisso com o amor e a justiça.

 

* Doutor em Teologia pela Universidade Gregoriana, professor na PUC-RJ, membro da Comissão Teológica Internacional e assessor teológico do Celam. Publicou diversos livros, entre os quais A salvação de Jesus Cristo.

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

FRANÇA MIRANDA, M. A salvação de Jesus Cristo. São Paulo: Loyola, 2009.

LOHFINK, G. Deus precisa da Igreja? São Paulo: Loyola, 2008.

Pe. Mario de França Miranda, sj