Publicado em número 250 - (pp. 11-16)
Mais vale sabedoria do que armas
Por Maria Antônia Marques; Shigeyuki Nakanose, svd
Uma leitura de Eclesiastes 9,13-18
Nas rodas de conversa com mulheres e homens das nossas comunidades, dos grupos que frequentamos, dos familiares e amigas(os), muitas vezes ficamos surpresas(os) com a sabedoria que nasce da vida. Algumas vezes chegamos a exclamar: “É ação de Deus”.
• Convivemos com dona Maria Aparecida, de Muzambinho, MG. Como tantas outras Marias, passou por muitas dificuldades em sua vida. Apesar dos sofrimentos, ela gostava muito de cantar e costumava repetir: quem canta seus males espanta. A sua vida e de sua família era muito difícil. Quando seus filhos e filhas reclamavam de alguma coisa, ela dizia: é preciso olhar para trás e para os lados, há gente pior do que a gente. Morreu de maneira inesperada, um dia depois da tragédia do tsunami, em dezembro de 2004. O seu ensinamento — “há gente pior do que a gente” — tornou-se uma palavra de vida para suas filhas e seus filhos.
• Dona Alice, de Conselheiro Lafaiete, MG, morreu às vésperas de completar 100 anos. Mulher com grande sabedoria de vida, sempre tinha um provérbio na ponta da língua, para todas as situações. Certa vez, uma das filhas lhe deu de presente um vestido, que ela achou comprido. Mas a filha insistia que daquela forma era melhor; afinal, a mãe já estava com mais de 90 anos. Dona Alice apenas disse: “Eu dou o meu jeito”. E, citando um provérbio, completou: “Quem não se enfeita por si mesmo se enjeita”. Em outra ocasião, aconselhando o neto, disse: “É a necessidade que faz o sapo pular”.
• Uma das assessoras do Centro Bíblico Verbo viajou de São Paulo para Belém (PA), onde trabalhou uma semana; em seguida foi para Porto Velho (RO), para um curso bíblico de fim de semana. Um voo complicado, com um atraso de quase 13 horas. Ainda por cima, a assessora chegou ao destino final sem as bagagens. O curso estava marcado para começar às 14 horas; ela chegou às 13h30. Respirou fundo e começou o curso, que só encerrou às 20 horas. No final, um senhor lhe disse: “Olha, a sua garra e a sua disposição me ensinaram mais do que todo o seu conteúdo. Bem diz o ditado: “As palavras comovem, mas os exemplos arrastam”.
• No interior de São Paulo, na região de Carmo do Rio Claro, encontramos Roberto, líder de uma comunidade rural. Ele disse ter aprendido a ler para ajudar na comunidade e acrescentou: “Em terra de cego, quem tem um olho é rei”. Em sua comunidade, gosta de repetir um ditado que ouviu de seu pai: “É bom ser importante, mas é mais importante ser bom”. Na conversa, ele acrescenta: “Trabalhar na comunidade não é fácil, as críticas vêm de todo lado. Aí eu me lembro de um ditado que ouvi na Bahia, minha terra: ‘Só se joga pedra em árvore que tem frutos’”.
Ontem como hoje, há ditados que condensam longa experiência de vida. O sábio Coélet, mais conhecido por Eclesiastes, por volta do ano 250 a.C., recolhe muitas sentenças no meio do seu povo. Ele não apenas cita o provérbio, mas explica, reformula ou apresenta nova visão. A base de sua reflexão é a experiência e a observação da vida cotidiana. O seu livro é um protesto de vida. Um livro de Sabedoria.
I. Sabedoria na história de Israel
Eclesiastes é um livro pertencente à coleção de Livros Sapienciais, escritos que tratam da sabedoria. Em todos os textos que formam a Bíblia encontramos lições de vida colhidas na experiência do povo. Mas, na organização da Bíblia, alguns livros foram classificados como livros de Sabedoria. Nesse conjunto encontramos o livro de Jó, o Cântico dos Cânticos, os Provérbios, o Eclesiástico — também conhecido por Sirácida — e o livro da Sabedoria. Há também outros projetos que nascem da vida do povo, como o livro de Jonas, de Rute, de Judite, acréscimos gregos de Ester e Daniel, entre outros.
Mas, afinal, o que é sabedoria? É uma forma especial de conhecimento que se adquire ao longo da vida, nas experiências cotidianas. É a capacidade de viver intensamente cada momento e descobrir nas pequenas coisas o sentido da existência. A sabedoria não é adquirida nos bancos da escola ou da faculdade, mas ao longo da vida.
A sabedoria do Antigo Oriente, da Mesopotâmia ao Egito, é um saber que nasce do cotidiano, das experiências vividas, e tem como objetivo ajudar as pessoas a manter seus valores, princípios e direitos. É um saber que nasce da vida prática e deve orientá-la. Uma pessoa pode saber muito e nem por isso ser sábia. O importante é aprender a arte de viver e ser capaz de passar adiante esse saber. A sabedoria está relacionada com o próprio exercício da vida e com a capacidade de situar a pessoa no mundo em que ela vive.
No início da formação do povo de Israel, a sabedoria nasce da experiência e da vivência das famílias; dos encontros e das celebrações, do jeito de viver e de se organizar surgem alguns princípios que ajudam o povo a viver. Em geral, o conhecimento é transmitido de pai para filhos, de geração em geração, como podemos ler no livro dos Provérbios: “Escutai, filhos, a instrução de um pai, ficai atentos para conhecerdes a inteligência: eu vos dou uma boa doutrina, não abandoneis a minha instrução. Também eu fui filho do meu pai, amado ternamente por minha mãe. Ele me instruiu assim: ‘Conserva minhas palavras no teu coração, guarda os meus preceitos e viverás’” (Pr 4,1-4). O saber é tecido na vida. Vamos olhar alguns fios construídos ao longo da história do povo judeu.
1. O saber das aldeias
Na sua origem, o povo de Israel se organiza em aldeias comunitárias e agrícolas. O saber nascido desses agrupamentos gira em torno da vida cotidiana, do convívio entre as pessoas, do trabalho e do contato com a natureza. O ambiente é o da vida no campo. Dessa forma, relacionado à preocupação com a sobrevivência, o saber se desenvolve na observação do clima, das plantas, dos animais, desde a maneira de semear e colher até a maneira de se relacionar com as pessoas do campo, da cidade e de outros países.
As leis visam garantir o modo de viver a solidariedade: “Não oprimirás um assalariado pobre, necessitado, seja ele um dos teus irmãos ou um estrangeiro que mora em tua terra, em tua cidade” (Dt 24,14). Há muitas leis que surgem para defender o direito dos pobres (Dt 24,19.22). O saber está voltado para fortalecer uma organização igualitária, descentralizada e baseada na prática da justiça e da solidariedade.
Essa forma de sabedoria predomina no período anterior à monarquia. Mas, mesmo depois da chegada da monarquia, a sabedoria das aldeias continua presente na vida do povo, alimentando os ideais da justiça. Os grupos proféticos de Amós, Oseias e Miqueias, como também alguns grupos que organizaram as leis mais antigas presentes no livro do Deuteronômio, são portadores desse ideal.
2. O saber das escolas oficiais na monarquia
Quando a monarquia é instaurada em Israel, surge a necessidade de organizar o Estado e o palácio. O rei Salomão, que se casou com a filha do Faraó e manteve entendimento diplomático com o Egito, institui o grupo de escribas — sábios da corte —, importando-os de seu vizinho com experiência na arte de governar. Com eles, são trazidos os textos da sabedoria palaciana do Egito, destinados à educação e formação dos filhos do rei, dos altos funcionários e dos diplomatas da monarquia.
No livro dos Provérbios temos a sabedoria de Amenemophe (Pr 22,17-23,11), traduzida da tradição sapiencial do Egito e ensinada nas escolas oficiais: “Vês um homem perito em seu trabalho? Ele será posto a serviço de reis, não será posto a serviço de pessoas obscuras” (Pr 22,29). Formam-se as escolas da corte e aumentam-se os trabalhos dos sábios na produção de textos oficiais sobre a história de Israel.
Além de estudar e assumir as tradições de sabedoria dos Estados vizinhos, os sábios da corte recolhem e organizam as tradições do povo, seus saberes práticos da vida, para tirarem proveito na arte de governar e organizar o país. Dessa maneira, a sabedoria nascida das experiências do povo é apropriada, escrita, reescrita e adaptada pelos escribas para defender os interesses da monarquia.
No tempo do rei Ezequias, por volta do ano 700 a.C., há uma coleção de provérbios atribuída aos sábios de sua corte (Pr 25-29). Eis um dos ensinamentos desses sábios: “O rei mantém a terra pelo direito, mas o ávido de impostos a transtorna” (Pr 29,4).
3. O saber no exílio e no pós-exílio
A monarquia e o sofrimento do povo caminham lado a lado. As guerras contra a Babilônia, o exílio (597-538 a.C.), a chegada do império persa e a instituição da teocracia, ou seja, do governo dos sacerdotes e escribas, agravam a situação do povo: “Da cidade sobem os gemidos dos moribundos e, suspirando, os feridos pedem socorro; e Deus não ouve a sua súplica” (Jó 24,12).
É interessante observar que, no pós-exílio, surgem diferentes formas de entender a sabedoria com a orientação dos teocratas. Alguns enfatizam a sabedoria como um mistério ligado à Criação: “Iahweh me criou, primícia de sua obra, de seus feitos mais antigos. Desde a eternidade fui estabelecida, desde o princípio, antes da origem da terra” (Pr 8,22-23). Não se trata de uma sabedoria que nasce da vida, do cotidiano, mas de um mistério que existe antes de tudo. Cabe aos seres humanos aceitá-la e acolhê-la. A sabedoria se torna revelação, um dom de Deus para a pessoa fiel à Lei.
Na teologia sapiencial do pós-exílio, há a tendência a considerar a Lei como a verdadeira fonte de sabedoria. Aquele que vive os princípios da Lei alcança a sabedoria. Essa ideia está presente na última redação do livro do Deuteronômio, por volta do ano 400 a.C.: “Eis que vos ensinei estatutos e normas, conforme Iahweh meu Deus ordenara, para que os ponhais em prática na terra em que estais entrando, a fim de tomardes posse dela. Portanto, cuidai de pô-los em prática, pois isto vos tornará sábios e inteligentes aos olhos dos povos… E qual a grande nação que tenha estatutos e normas tão justas como toda esta Lei que eu vos proponho hoje?” (Dt 4,5-6.8). É essa forma de sabedoria que orienta e ajuda os teocratas a organizar a nação judaica.
Mas existe outra forma de compreender a sabedoria. Em meio à realidade de opressão, o povo cultiva na sabedoria popular uma forma de defender os seus projetos e sonhos. Podemos sentir a resistência do povo em vários textos bíblicos, como em alguns salmos, no livro das Lamentações, de Jó, do Cântico dos cânticos, de Jonas, de Rute e em alguns provérbios; por exemplo: “No mundo há quatro coisas pequenas, mais sábias do que os sábios: as formigas, povo fraco, que no verão asseguram o alimento; as ratazanas, povo sem força, mas que moram nas rochas; os gafanhotos que não têm rei e marcham todos em ordem; as lagartixas, que se deixam apanhar pela mão, mas entram nos palácios do rei” (Pr 30,24-28).
Com a chegada de Alexandre Magno, em 333 a.C., há o avanço do helenismo: presença das formas de pensar e viver da cultura grega. A alta sociedade de Jerusalém adere aos novos costumes e à sabedoria oficial, que favorece os interesses das elites dominantes. Nesse contexto, qual é a posição de Coélet, um sábio que observa a realidade e procura oferecer uma resposta para a sua época, por volta do ano 250 a.C.?
Ele procura mostrar que as novidades trazidas pelos gregos, especialmente o comércio, o lucro, a escravidão, a cultura, a educação, não estão a serviço da vida da maioria das pessoas. Chega a ironizar a sabedoria oficial, afirmando: “pois o abrigo da sabedoria é como o abrigo do dinheiro, e a vantagem do conhecimento é que a sabedoria faz viver os que a possuem” (Ecl 7,13). É com essa perspectiva que queremos ler Ecl 9,13-18 e aprender com o sábio a cultivar a verdadeira sabedoria.
II. Mais vale sabedoria do que armas
Para ensinar que a sabedoria é importante, Coélet conta uma história:
Também vi essa sabedoria debaixo do sol, e ela me parece importante:
Havia uma cidade pequena com poucos habitantes. Um grande rei veio contra ela, cercou-a e levantou contra ela obras de assédio. Nela encontrou um homem pobre e sábio, que salvou a cidade com sua sabedoria, mas ninguém se lembrou desse homem pobre. E eu digo:
Mais vale a sabedoria do que a força, mas a sabedoria do pobre é desprezada e ninguém dá ouvidos às suas palavras.
Palavras calmas de sábios são mais ouvidas do que gritos de quem comanda insensatos.
Mais vale sabedoria do que armas, mas um só pecador anula muita coisa boa (Ecl 9,13-18).
Coélet é um sábio que ensina com base na vida. Ele afirma: “vi essa sabedoria debaixo do sol”. A palavra hebraica râ’â é usada muitas vezes; em geral, é traduzida por ver, mas tem também o sentido de constatar, observar, notar, considerar, conhecer. É uma ação que ultrapassa o sentido físico de enxergar. O sábio vê debaixo do sol. Essa expressão pode significar o conhecimento da realidade dura do dia a dia de trabalhadoras(es) ou mesmo uma referência ao domínio dos Ptolomeus, adoradores do deus sol, Amon Rá.
Mas o que ele vê? Uma pequena cidade salva de uma invasão por um homem sábio, mas pobre. A intenção da história é mostrar o poder da sabedoria, por isso a narrativa acentua o contraste entre uma cidade pequena e com poucos habitantes e um poderoso rei e seu aparato militar, prestes a invadi-la. Quando tudo parece perdido, sem esperanças, um homem pobre e sábio salva a cidade, mas, por ser pobre, é esquecido. A palavra de Coélet é apoiada por outros sábios: “O sábio escala a cidade dos guerreiros e destrói a fortaleza em que ela confiava” (Pr 21,22).
Mas, afinal, o que vale mais: a sabedoria ou a condição social? De acordo com a mentalidade grega, a pessoa pobre não tem existência social, não é cidadã. Vive à margem da sociedade. Havia até uma deusa chamada Fortuna. As pessoas pobres não eram abençoadas por essa deusa. Segundo a tradição judaica oficial da sociedade governada pelos sacerdotes, a partir do pós-exílio (538 a.C.), a pobreza também é considerada castigo de Deus à pessoa que não cumpre a Lei (cf. Dt 28,48). No contexto de Coélet, quem é o pobre capaz de salvar a cidade? Não são exatamente os camponeses e camponesas que realizam um trabalho fatigante sob o sol e mantêm o sistema com seus impostos e tributos?
Coélet reforça a importância da sabedoria, citando um dito popular: “Mais vale a sabedoria do que a força” (Ecl 9,16a). Aqui está o principal ensinamento. Ele faz um resumo dos versículos 13 a 15. A sabedoria pertence ao homem pobre, e a força, aos cidadãos que não conseguem enfrentar o grande rei. O ensinamento é um protesto contra todas as pessoas que põem sua confiança nos poderosos e nas armas.
A conclusão do sábio quer afirmar como a atitude das pessoas é absurda: “mas a sabedoria do pobre é desprezada e ninguém dá ouvidos às suas palavras” (Ecl 9,16b). Dependendo de quem fala ou escreve, a palavra tem um peso diferente: “Quando o rico fala, todos se calam e elevam até às nuvens a sua palavra” (Eclo 13,23). Naquele tempo, como hoje, a palavra dos pobres não é ouvida. Entretanto, em outro capítulo, Coélet procura mostrar que a riqueza não garante a honra: “Mais vale um jovem pobre e sábio do que um rei velho e insensato que não aceita mais conselho” (Ecl 4,13). Hoje podemos nos perguntar: como acolhemos, no dia a dia, a sabedoria das pessoas simples que vivem em nosso meio?
A sabedoria é a sensatez, o equilíbrio, o bom senso, a capacidade de observar a experiência e refletir sobre ela. É um saber que nasce da vida e se preocupa em transmitir a arte de viver. Ter sabedoria é fundamental para dar novos sabores à vida. A sabedoria não consegue resolver todos os problemas do ser humano, mas aponta novos horizontes. Abre caminhos novos.
Coélet afirma: “Palavras calmas de um sábio são mais ouvidas do que gritos de quem comanda insensatos” (Ecl 9,17). Gritar é próprio dos que não têm argumentos, dos insensatos. Existem pessoas fracas que preferem os gritos de outros que aparentemente têm poder. Porém, essa não é a maneira de pensar de Coélet.
Por fim, reafirmando o ensinamento do versículo 16, Coélet repete o provérbio: “Mais vale sabedoria do que armas”. A sabedoria está acima das armas de guerra. Trata-se de uma crítica contra o militarismo dos gregos e contra as guerras. Mas o sábio lembra que a sabedoria pode fracassar quando mal usada pelo ser humano, chegando a levá-lo à destruição. Contudo, ainda há esperança. Muitas pessoas sábias põem seus dons a serviço da vida.
III. Provérbios na vida do povo: no tempo de Eclesiastes e hoje
Coélet é um dos poucos sábios do Antigo Testamento que recolhe provérbios e os aprofunda, sistematiza, questiona e põe a serviço da vida. Vamos percorrer o livro de Eclesiastes, identificando algumas dessas sentenças e, ao mesmo tempo, constatando que essa sabedoria de vida continua presente em nosso meio, na cozinha de nossas casas, no saber de nossos avós, dos pais e das mães que encontramos ao longo da vida.
Os provérbios são sentenças de sabedoria que brotam do chão da existiência concreta de mulheres e homens. São sentenças breves, que condensam séculos de história e de vida. Nascem de uma situação concreta, mas podem ser aplicados em outras situações, pois a sua linguagem é universal. O provérbio “quem fica olhando o vento jamais semeará, quem fica olhando as nuvens jamais ceifará” (Ecl 11,4) tem como chão a experiência agrícola, mas pode ser usado em outros contextos para ajudar a pessoa a tomar uma atitude diante da vida, pois quem fica só olhando desperdiça o tempo e, como diz o povo, “quem fica pensando na morte da bezerra perde a oportunidade de decidir sobre a própria vida”.
Um provérbio é uma lição de sabedoria, nascida das coisas simples e corriqueiras, que reflete a mentalidade social, podendo expressar uma visão conformista, reformadora ou transformadora. São sentenças que correm de boca em boca e ninguém sabe quem disse primeiro. São anônimos. Em geral surgem como um aviso, um conselho ou uma observação acerca da natureza, das pessoas ou da vida em sociedade. Coélet aconselha a não falar demasiado: “Das muitas tarefas vem o sonho, e das muitas palavras o alarido do insensato” (Ecl 5,2). A sabedoria de hoje adverte: “Temos dois ouvidos e uma boca, para ouvir mais e falar menos”.
Provérbio é linguagem simples que todas as pessoas entendem. Fala do cotidiano da vida. Nos provérbios, encontramos um pouco de tudo: sentenças que falam sobre o sentido da vida, o problema do mal, a origem da sabedoria, da amizade, do orgulho, da educação, do uso do dinheiro… Enfim, eles retratam a experiência humana.
Cada época produz o seu próprio provérbio. Ele está relacionado com a maneira de organizar a vida de um povo, de uma comunidade ou de um grupo. Vamos ler o livro de Eclesiastes, procurando relacionar o provérbio de ontem com as lições de vida que temos em nosso meio hoje.
a) As limitações do ser humano diante da natureza:
— “O que foi, será, o que se fez, se tornará a fazer: nada há de novo debaixo do sol” (Ecl 1,9);
— “O que é torto não se pode endireitar” (Ecl 1,15a);
— “O que está faltando não se pode contar” (Ecl 1,15b);
— “Quando as nuvens estão cheias, derramam chuva sobre a terra; e quando uma árvore cai, tanto ao sul como ao norte, no lugar onde cair, aí ficará” (Ecl 11,3).
O sábio recorda alguns provérbios com a intenção de mostrar os limites da vida: “Vê a obra de Deus: quem poderá endireitar o que ele curvou?” (Ecl 7,14). Cabe à pessoa viver e ser feliz em meio à sua realidade.
Ditados de hoje:
— De pequenino é que se torce o pepino;
— Água mole em pedra dura tanto bate até que fura;
— Quem semeia vento colhe tempestade.
b) A importância e o risco da sabedoria: o saber aumenta a consciência sobre os motivos de aflição e de dor. Sabedoria provoca angústia e sofrimento:
— “Muita sabedoria, muito desgosto; quanto mais conhecimento, mais sofrimento” (Ecl 1,18).
— “Mais vale a sabedoria do que a força” (Ecl 9,16a).
— “Mais vale a sabedoria do que armas” (Ecl 9,18a).
Coélet cita exemplos da sabedoria tradicional, mas em seguida faz a sua crítica: “O sábio tem os olhos na cabeça, mas o insensato caminha nas trevas. Mas ambos terão a mesma sorte” (Ecl 2,14).
— “Um pouco de insensatez conta mais que sabedoria e glória” (Ecl 10,1b). A sabedoria que não ajuda na vida prática não tem valor.
— “Quem cava um buraco, nele cairá, quem escava um muro, uma cobra o morderá. Quem remove pedras, com elas se machuca, quem racha a lenha expõe-se ao perigo” (Ecl 10,8-9). Nem sempre é possível confiar nas próprias habilidades.
— “Se o machado está cego e não for afiado, é preciso muita força; é mais vantajoso usar a sabedoria” (Ecl 10,10).
Ditados de hoje:
— Quanto mais sabido mais confundido;
— Mais vale acender uma vela do que caminhar na escuridão;
— Macaco velho não pisa em galho seco;
— Papagaio velho não aprende a falar.
c) Sentenças que reforçam a dimensão comunitária:
— “Mais valem dois que um só” (Ecl 4,9);
— “A corda tripla não se rompe facilmente” (Ecl 4,12b).
Ditados de hoje:
— A união faz a força;
— Povo unido jamais será vencido;
— Uma andorinha só não faz verão;
— Boa companhia encurta o caminho;
— A corrente não é mais forte do que o seu elo mais fraco.
d) O sábio critica a pessoa que usa o trabalho para buscar sucesso, poder e riquezas:
— “Mais vale um bocado de lazer do que dois bocados de trabalho correndo atrás do vento” (Ecl 4,6).
Ditados de hoje:
— Mais vale quem Deus ajuda do que quem cedo madruga;
— De grão em grão, a galinha enche o papo;
— Deus dá o frio conforme o cobertor;
— Uma mão lava a outra e as duas lavam o rosto.
e) Coélet insiste no uso de poucas palavras:
— “Que tuas palavras sejam pouco numerosas” (Ecl 5,1);
— “Das muitas tarefas vem o sonho, e das muitas palavras o alarido do insensato” (Ecl 5,2);
— “Quanto mais palavras, tanto mais vaidade” (Ecl 6,11a).
Ditados de hoje:
— Quem muito fala muito erra;
— Quem fala o que quer ouve o que não quer;
— O peixe morre pela boca;
— A má língua fere mais que a espada;
— O falar é prata, o silêncio é ouro;
— Em boca fechada não entra mosquito.
f) Provérbios sobre a sabedoria tradicional e o valor do sofrimento para a reflexão:
— “Mais vale a fama do que o óleo fino; o dia da morte do que o dia do nascimento” (Ecl 7,1);
— “Mais vale ir a uma casa em luto do que ir a uma casa em festa, porque esse é o fim de todo homem; deste modo, quem está vivo refletirá” (Ecl 7,2);
— “Mais vale o desgosto do que o riso, pois pode-se ter a face triste e o coração alegre” (Ecl 7,3);
— “O coração dos sábios está na casa em luto, o coração dos insensatos está na casa em festa” (Ecl 7,4);
— “Mais vale ouvir a repreensão do sábio que o canto dos insensatos” (Ecl 7,5);
Depois de citar alguns ditados sobre a sabedoria, Coélet conclui: “E isso também é vaidade”. Em seguida, ele passa a apresentar o seu pensamento:
— “Mais vale o fim de uma coisa do que o seu começo; mais vale a paciência do que a pretensão” (Ecl 7,8).
Ditados de hoje:
— Nem tudo que reluz é ouro;
— Quem vê cara não vê coração;
— Muito riso é sinal de pouco juízo;
— Mais vale um pássaro na mão do que dois voando;
— Não deixe o certo pelo duvidoso;
— Onde há fumaça há fogo.
g) Sobre o valor de estar vivo:
— “Um cão vivo vale mais do que um leão morto” (Ecl 9,4b).
Ditados de hoje:
— É preferível um covarde vivo a um herói morto;
— É preferível um mendigo vivo a um rei morto;
— Enquanto há vida, há esperança.
h) O pequeno e insignificante pode destruir o mais importante:
— “Moscas mortas fazem com que o perfumista rejeite o óleo” (Ecl 10,1).
Ditados de hoje:
— Um tomate podre pode estragar toda a cesta de verduras.
Há pessoas que têm provérbio para todos os momentos. Em geral, são verdades profundas, ditas de maneira simples. Mas é importante ter presente que os provérbios reproduzem o modo de pensar da sociedade onde nasceram. Muitos desses saberes são preconceituosos, patriarcais ou pejorativos. Por exemplo: “Em briga de marido e mulher não se põe a colher”. Nem sempre esse ditado corresponde à realidade, pois há situações de violência doméstica que exigem providências externas. Ou, ainda, dizer “pau que nasce torto morre torto” é fechar a possibilidade de acreditar que uma pessoa pode mudar.
A linguagem dos provérbios é universal, pois fala dos problemas existenciais e da maneira de o ser humano viver e se relacionar com o mundo que o cerca. Por exemplo, diante de uma situação de sofrimento, fracasso ou desilusão, costumamos dizer: “Nada como um dia depois do outro”; ou “O tempo é o melhor remédio”; ou ainda: “A rosa só é bela porque tem espinhos”. Esses provérbios não devem servir para nos acomodar, mas, ao contrário, para nos ajudar a levantar a cabeça e seguir em frente; afinal, “amanhã é outro dia”.
Uma frase ou uma sentença só se tornam um provérbio quando o povo gosta delas e começa a repeti-las. Em nosso meio há muitos. Basta apurar os ouvidos. São máximas de sabedoria, guardadas no baú de nossa memória, que usamos quando necessárias. Uma frase de Confúcio, um sábio chinês, tornou-se famosa, atravessou continentes e continua orientando a nossa vida: “É melhor acender uma pequena vela do que maldizer a escuridão”.
Bibliografia consultada
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MICHAUD, Robert, Qohelet y el helenismo, Estella (Navarra), Editorial Verbo Divino, 1988.
STORNIOLO, Ivo, Trabalho e felicidade: o livro de Eclesiastes, São Paulo, Paulus, 2002.
VÍLCHEZ LÍNDEZ. Eclesiastes ou Qohelet, São Paulo, Paulus, 1999.
ZENGER, Erich (org.), Introdução ao Antigo Testamento, São Paulo, Loyola, 2003.
Maria Antônia Marques; Shigeyuki Nakanose, svd