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Publicado em número 228 - (pp. 26-32)

Catequese batismal e catequese vocacional: pontos de interação

Por Ir. Clotilde Prates de Azevedo, ap

A celebração do ano vocacional, com o tema do batismo, é um convite a revisitar nossa pia batismal (como vivo o meu batismo no contexto atual da história?) e nossa práxis pastoral (quais os reflexos de nossa vivência batismal comunitária?). Antes de aceitar este convite, seria bom empreendermos uma viagem no tempo para conhecer um pouco mais a forma como as primeiras comunidades cristãs viviam e realizavam sua catequese batismal. Ao longo desta viagem, faremos algumas pausas. Pausas são importantes em qualquer viagem, pois nos ajudam a perceber e internalizar elementos captados de forma rápida ao longo do percurso. Por isso, em nossa primeira parada procuraremos ver, de forma breve, em que consiste a iniciação e suas várias formas de compreensão; a seguir, o catecumenato na Igreja primitiva; depois, a catequese com adultos hoje; e em nossa última parada nos deteremos na dimensão vocacional da catequese.

 

1. Iniciação

Desde os primeiros tempos, os cristãos depararam com este questionamento: como iniciar os novos membros nos mistérios e na vida de fé da comunidade? Inspirados em práticas já existentes e usadas por outras correntes religiosas, elaboraram um processo de iniciação chamado catecumenato (Katekúmenos = aquele que deve ser instruído). Essa foi uma das mais felizes e eficazes criações de toda a história da Igreja, gerando também o núcleo do desenvolvimento do ano litúrgico que até hoje vivemos[1]. Por meio do catecumenato, o adulto era iniciado nos mistérios cristãos.

Antes de prosseguir viagem pelas comunidades primitivas e sua catequese batismal, seria importante ter presente o significado da palavra iniciação e seus elementos constitutivos. Para tanto, tomemos como base o Estudo da CNBB nº 81 (que trata do batismo de crianças).

A palavra iniciação vem do verbo latino inire, que traduz o grego myein, raiz da palavra mistério, e significa “entrar dentro”. A palavra mistério lembra as religiões mistéricas, que exigiam dos adeptos uma iniciação de ensinamentos, ritos e práticas esotéricas. Tomemos como exemplo as religiões mistéricas greco-romanas, em que os “participantes só eram considerados verdadeiros adeptos depois de terem passado por uma experiência religiosa chamada ‘iniciação’. Segundo a crença dos seguidores dessas religiões, após a ‘iniciação’ o neófito já não era o mesmo de antes, tinha mudado de identidade e a sua salvação estava garantida. Pela iniciação, um processo em que se entremeavam ensinamentos e ritos, o candidato passava a ser membro ou filho da divindade cultuada”[2].

Iniciação pode designar um processo no qual crianças, ao chegarem à puberdade, são introduzidas “na idade adulta e na plena vida social, mediante um conjunto de ritos, provas e ensinamentos orais. O fim da iniciação é modificar radicalmente a condição social e religiosa da pessoa iniciada. A iniciação, neste caso, é ao mesmo tempo cultural e religiosa”[3]. Além disso, a mesma palavra pode designar um processo de socialização da pessoa, no qual se apropria existencialmente de normas, valores, comportamentos, atitudes e hábitos de um grupo social. Sendo assim, a iniciação é também uma passagem que modifica a maneira de ser da pessoa em sua identidade histórico-relacional.

Segundo H. Bourgeois, “os iniciados desfazem em suas pessoas ou deixam desconstruir em si mesmos certo modo de ser e de viver, para entrar em nova forma de existência… O processo iniciático consiste, pois, em desfazer um modo de ser artificial, para reconstruir, de forma totalmente nova, outra coerência. Neste sentido, a iniciação normalmente costuma ser vista como uma integração. Reúne diversos componentes de nossa experiência, além da indistinção inicial: o cognitivo, o corporal, o temporal, o simbólico e o relacional”[4].

De acordo com o estudo que tomamos como base, na iniciação podemos distinguir quatro elementos constitutivos: instrução — “onde se faz memória do passado, dos acontecimentos fundantes, da tradição e do futuro que ela anuncia… Durante toda a instrução, o iniciado deverá também fazer memória da sua própria história”[5]; apropriação existencial — de valores, normas, símbolos, crenças e comportamentos do grupo em que a pessoa se inserirá. Essa apropriação irá desencadear o processo pessoal de transformação/conversão; ritualidade — “a iniciação compreende um conjunto de cerimônias rituais que dão certo ritmo ao processo, distinguem as etapas e fazem com que as realidades evocadas progressivamente se tornem presentes. (…) Os ritos têm, então, a função de acompanhar, facilitar e canalizar a transformação”[6]; estrutura — toda iniciação supõe estrutura de “morte” e “renascimento” do neófito.

Por sua própria natureza, o cristianismo é uma religião iniciática, pois leva a pessoa a descobrir o mistério da pessoa de Jesus e os mistérios do Reino, a entrar na dinâmica do seguimento que desencadeia todo um processo de conversão (pessoal, comunitário) e compromisso com a realidade. Se compreendermos a catequese como um processo de iniciação, preparação, compreensão e acolhimento dos mistérios da vida nova revelada em Jesus, concordaremos que ela não pode ser reduzida a um simples “rito ou período de admissão” à Igreja. O Diretório Geral da Catequese (DGC), nº 64, afirma: “A catequese de iniciação é o elo necessário entre a ação missionária, que chama à fé, e a ação pastoral, que alimenta continuamente a comunidade cristã. Não é, portanto, uma ação facultativa, mas sim uma ação basilar e fundamental para a construção tanto da personalidade do discípulo quanto da comunidade. Sem ela a ação missionária não teria continuidade e seria estéril. Sem ela a ação pastoral não teria raízes e seria superficial e confusa: qualquer tempestade faria desmoronar todo o edifício”.

 

 

2. Catecumenato

O caminho do catecumenato, principalmente nos primeiros séculos, era o meio normal de conduzir os adultos — não tanto crianças — à conversão, à profissão de fé e à participação na comunidade. “De um modo relativamente claro, Tertuliano é a primeira testemunha, por volta do ano 200, que fala explicitamente do batismo de crianças num texto que oferece dificuldades de interpretação. A verdade é que Tertuliano não urgia o batismo de crianças por duas razões: a inocência da criança (innocens aetas) e a grande responsabilidade que contraíam os padrinhos caso fossem batizados filhos de pagãos. Não se comprovou com total segurança se houve batismo de crianças nos primeiros séculos, embora a prática deste tipo de batismo seja muito antiga. O segundo texto justificativo do batismo de crianças procede da Tradição de Hipólito, dos anos 215 ou 225. Afirma Hipólito que a hora do batismo deve começar pelas crianças e que, se podem responder por si mesmas, que respondam, do contrário que o faça alguém de sua família. Outro texto se deve a uma carta de S. Cipriano a Fidus, pelo ano 250. Há historiadores que, à vista desses textos, concluem que o batismo de crianças é, desde a mais remota antiguidade, costume geral, ou como disse Orígines: ‘tradição recebida dos Apóstolos’. Evidentemente não foram batizadas na Igreja apostólica todas as crianças; talvez só aquelas que tinham algumas enfermidades, sendo seus pais necessariamente cristãos. Também se pode afirmar que não causou surpresa o primeiro início desta prática na antiga Igreja”[7].

A partir da paz de Constantino, proclamada com o Edito de Milão em 313, começa a ser difundida a prática do batismo de crianças e iniciam-se os batizados em massa. A partir do século IV, esvazia-se o conteúdo do catecumenato, que começa a perder o seu sentido original e passa a ser pensado mais como etapa pós-batismal.

É importante ressaltar que, por sua própria natureza, o batismo de crianças exige o catecumenato pós-batismal (primeira eucaristia e crisma) para o desabrochar da graça batismal junto com o crescimento da pessoa, pois a criança é batizada na fé da Igreja, como nos afirma o Catecismo da Igreja Católica nº 1.231. O batismo não é simplesmente sinal externo de uma salvação interna/espiritual por meio de uma fé pessoal, mas ação salvífica de Deus que intervém na história, na comunidade cristã e exige de nós fé (dom de Deus). No batismo, a criança recebe a “semente da fé”; os pais, padrinhos e toda a comunidade eclesial deverão ajudar para que essa semente desabroche e cresça.

O texto-base do ano vocacional 2003, nº 84, afirma: “Pelo mergulho na fonte batismal os homens e as mulheres são sepultados com Cristo na sua morte para serem pessoas ressuscitadas, plenas de vida (cf. Rm 6,1-11). Pela água da fonte batismal as pessoas são enxertadas em Cristo (cf. Rm 6,3), inseridas no seu corpo (cf. 1Cor 12,13), para, na diversidade de carismas (cf. 1Cor 12,4-31), servirem à comunidade e à humanidade. ‘O batismo significa e realiza uma incorporação, mística, mas real, no corpo crucificado e glorioso de Jesus’. Portanto, o batismo é a fonte da comum dignidade dos cristãos e da legitimidade da diversidade das vocações e dos ministérios (cf. LG 32)”.

Serve de alerta à nossa prática pastoral esta afirmação: “Hoje o sacramento do batismo vem sendo celebrado mais como um gesto de identidade sociocultural do que como adesão de fé a um grupo de crentes a Jesus Cristo, fundador deste grupo. Esta situação exige com urgência uma reflexão que renove a ação pastoral e dê sentido à celebração deste sacramento. É preciso ultrapassar dois vícios mais ou menos comuns em nossa pastoral: o automatismo e a negligência (batiza-se porque os pais também são batizados, são católicos, sem nada exigir, com a desculpa da misericórdia e da caridade pastoral). Já diziam os Santos Padres Tertuliano e Jerônimo: ‘Os cristãos não nascem, se fazem (…) o batismo não é um ato punctual, passageiro, mas uma celebração que se situa num processo e que de algum modo começa com a preparação, alcança um momento culminante no ato ritual e continua no crescimento da fé até chegar a sua plena maturidade através dos outros elementos sacramentais e não sacramentais de iniciação”[8].

Tendo presente esse alerta, vamos conhecer um pouco mais do processo elaborado pelos primeiros cristãos.

 

3. Etapas do catecumenato

O processo catecumenal começa quando “uma pessoa se interroga sobre o sentido de sua existência a partir de sua própria vida; deseja encontrar o significado para as realidades humanas. Se nesse momento encontra a Deus e acolhe sua Palavra como boa notícia, pode entrar em processo de conversão. Começa então uma transformação de sua própria vida pessoal, encontra outros cristãos, descobre a Igreja como comunidade de crentes, torna-se membro da Igreja, aprofunda-se na fé, participa da liturgia catecumenal e recebe os sacramentos de iniciação ou reiniciação”[9]. Desse caminho se destacam dois elementos essenciais: o itinerário pessoal e o âmbito comunitário de entrada na comunidade eclesial. Comunidade encarnada numa realidade concreta que testemunha sua fé, centrada em Jesus Cristo, fundamentada na Palavra de Deus. Comunidade que vive em contínuo processo de conversão e, pela vida litúrgica, celebra a salvação de Deus, estando em contínuo estado de missão. Uma comunidade/Igreja que se reconhece como Ekklesia (assembleia de chamados).

O catecumenato, como vimos, nasceu como etapa de preparação à vida cristã para adultos convertidos, a fim de que sua fé inicial se transformasse em profissão de fé explícita e celebrada de forma sacramental pela comunidade.

Na Igreja primitiva, o catecumenato era composto de quatro etapas:

 

a) Missionária ou etapa de evangelização: “Cada cristão evangelizava na fé seus familiares, amigos e vizinhos, de uma maneira simples e espontânea”[10], suscitando a conversão dos mesmos mediante a pregação do evangelho. Após rigoroso exame sobre suas motivações e disposição, o candidato era admitido à próxima etapa, em que era chamado de “catecúmeno” (ouvinte). A entrada nessa fase era marcada pelo sinal da cruz feito na fronte do candidato como expressão de sua fé em Jesus. Aqui aparece a figura do padrinho como aquele que dará testemunho, diante dos responsáveis da Igreja, da capacidade do candidato em trans­formar a sua vida e ser admitido à próxima etapa.

 

 

b) Etapa catecumenal: Período composto de formação e prova, de três ou mais anos, em que era exigido do catecúmeno arrependimento, fé na Igreja e vida transformada. É o tempo da catequese — não se restringindo à formação intelectual. Ela se desenvolvia durante a celebração comunitária da manhã, por meio da liturgia da Palavra. Nesta etapa, os catecúmenos participavam da missa até a liturgia da Palavra e depois se retiravam. Ao final do período, o candidato era submetido a um exame, que verificava sua conduta até então. Mais uma vez, o padrinho aparece como aquele que atestará a idoneidade de vida e as intenções do afilhado, que terá seu nome inscrito para o batismo, celebrado solenemente na vigília pascal. Nessa nova etapa, o catecúmeno será chamado de “bendito”, “competente” ou “iluminado”.

 

c) Etapa quaresmal ou preparação próxima: Sua duração é de algumas semanas e é composta de uma preparação intensiva ao batismo e à eucaristia. Essa preparação era conhecida como catequese quaresmal ou pascal e centrava-se no evangelho, credo (símbolo apostólico), no pai-nosso (oração dominical) e nos sacramentos. Nesta etapa, eram realizados os “escrutínios”, compostos de exorcismos e “entrega” do evangelho, símbolo apostólico e oração dominical. Este período encerrava-se com a celebração do batismo, e o recém-batizado (neófito), a partir de então, participava da oração dos fiéis, do beijo (abraço) da paz, apresentava suas ofertas e comungava.

 

d) Etapa do tempo pascal ou etapa mistagógica: Durava toda a semana da páscoa, em que os neófitos todos os dias se dirigiam à Igreja, com vestes brancas, para receber as catequeses mistagógicas ou sacramentais — a interiorização dos sacramentos recebidos e o ingresso na comunidade.

 

Oñatibia afirma que “a história do catecumenato antigo nos desvela, antes de tudo, a imagem de uma Igreja exigente, que recusa dar seus sacramentos às pressas”[11].

Uma Igreja que não entende os sacramentos como meta, mas como fruto de um longo processo de configuração a Jesus Cristo e a seu projeto. Processo que não se encerra com o momento sacramental, uma vez que este se torna a porta/convite ao compromisso com Deus e com a humanidade. Nossa atuação pastoral, qualquer ela seja, em particular a ligada aos sacramentos de iniciação, não deveria ser medida pelo número de “novos cristãos” que fazemos. A expressão pode parecer forte, porém, muitas vezes, nossa mentalidade e ação podem estar sendo influenciadas pela onda da sociedade de consumo: quanto mais, melhor. A preocupação de Jesus nunca foi com o número, e sim com a adesão sincera, com o encontro pessoal com Deus. Os sacramentos deveriam ser fruto de autêntica experiência de Deus (vocacionalmente falando — chamado/resposta), e não o resultado de uma experiência parcialmente religiosa. As várias etapas do processo catecumenal são este caminho: da experiência parcialmente religiosa ao encontro pessoal com Deus.

Com a generalização do batismo de crianças e os batismos em massa, o catecumenato de adultos foi perdendo a sua força.

A restauração oficial do catecumenato deu-se com a Sacrossanctum Concilium (4/12/1963): “Restaure-se o catecumenato dos adultos dividido em diversas etapas, introduzindo-se o uso de acordo com o parecer do Ordinário do lugar. Desta maneira, o tempo do catecumenato, estabelecido para a conveniente instrução, poderá ser santificado com os sagrados ritos a serem celebrados em tempos sucessivos” (SC 64).

 

4. Catequese com adultos

Em vista da 2ª Semana Brasileira de Catequese (2ª SBC), foi realizada, no primeiro semestre de 2001, uma pesquisa sobre a catequese com adultos; os dados levantados nos dão um quadro de como anda essa forma de catequese em nosso país.

No Brasil, existem 260 dioceses. Responderam à pesquisa 172 dioceses (7.249 paróquias). Verificou-se que, em 1999, foram batizados 14.500 adultos, sendo 4.625 na área rural, 9.333 na área urbana e 542 sem especificação da área. Partindo desses dados, pode-se afirmar que, cada vez mais, a questão urbana (com toda a sua complexidade sociocultural e religiosa) deve ser considerada, não somente pela catequese, mas por todo o agir pastoral da própria Igreja.

Das 7.249 paróquias, 2.766 afirmaram existir catequese com adultos, 4.168 não responderam e 315 disseram não haver. Contudo, não ficou claro, pelos dados da pesquisa, qual é a compreensão que se tem dessa forma de catequese.

Nosso objetivo não é fazer uma análise detalhada dessa pesquisa (para isso, recomendamos o texto do Ir. Nery e do Pe. Vilson em Estudos da CNBB, nº 84), mas, diante da realidade dos fatos, ter presente o grande número de pessoas adultas que pedem o batismo. Pessoas que “vão à procura dos sacramentos de iniciação em vista do casamento ou outras motivações nem sempre autênticas. É preciso acolhê-las e, através de um eficaz anúncio missionário, procurar suscitar motivações profundas que possibilitem um itinerário catecumenal”[12] gerador de santos. Pode parecer estranha essa afirmação, mas é essa também a proposta de João Paulo II, retomando LG 39-42, em sua carta apostólica Novo Millennio Ineunte: “Se o batismo é um verdadeiro ingresso na santidade de Deus por meio da inserção em Cristo e da habitação do seu Espírito, seria um contrassenso contentar-se com uma vida medíocre, pautada por uma ética minimalista e uma religiosidade superficial. Perguntar a um catecúmeno: ‘queres receber o Batismo?’ significa, ao mesmo tempo, pedir-lhe: ‘queres fazer-te santo?’. Significa colocar no seu caminho o radicalismo do sermão da montanha: ‘sede perfeitos, como é perfeito vosso Pai celeste’ (Mt 5,48). Como explicou o Concílio, esse ideal de perfeição não deve ser objeto de equívoco, vendo nele um caminho extraordinário, que pode ser percorrido por algum ‘gênio’ da santidade. Os caminhos da santidade são variados e apropriados à vocação de cada um” (nº 31).

São muitos os caminhos do “sim”. Para alguns, o ser santo se realizará na vocação do(a) cristão(ã) leigo(a) em suas várias formas [casado(a), solteiro(a), viúvo(a)] e ministérios; outros darão sua resposta na vida consagrada (vida religiosa, institutos seculares); alguns encontrarão no ministério ordenado (diácono, presbítero, bispo) o seu caminho. Os caminhos não importam, todos são formas amorosas e criativas que Deus encontrou para vivermos com ele no amor. Eles nos diferenciam teologicamente, mas têm igual dignidade, pois nascem da mesma raiz: o batismo, fonte de todas as vocações e ministérios.

Ser santo é tornar-se plenamente humano.

 

5. O que é catequese com adultos?

Continuando nossa viagem, a pesquisa nos apontou a necessidade de ter clareza “quanto à própria concepção do que seja catequese com adultos”[13], e, nesse sentido, é importante ter presente ao menos o que alguns textos oficiais da Igreja e alguns estudos relevantes afirmam sobre este assunto.

O texto-base preparatório da 2ª SBC, nos números 118-119, nos dá uma explicação clara do que seja catequese com adultos: “A expressão catequese com adultos deveria referir-se prioritariamente à atividade dirigida a adultos ainda não batizados (propriamente catecúmenos) e a adultos já batizados, que porém necessitam de uma introdução mais aprofundada nos mistérios do cristianismo, nas riquezas da vida cristã. Também se destina a adultos que já receberam, sim, certa iniciação e mesmo fizeram a primeira eucaristia ou foram crismados e casados na Igreja, mas não passaram por uma verdadeira iniciação e necessitam refazer sua caminhada de discípulos de Jesus Cristo. Destina-se ainda a adultos que passam de alguma confissão cristã para o catolicismo, pois não estão iniciados no modo católico de viver a fé cristã. Por sua vez, para cristãos já adultos na fé, com boa base de vida cristã, seria melhor falar de formação permanente ou continuada, e não tanto de catequese”. O nº 150, do mesmo texto, afirma: “Ao preferirmos a expressão catequese com adultos em vez de ‘para adultos’ ou ‘de adultos’, estamos optando por um tipo de trabalho que necessita do conhecimento das características e potencialidades desses catequizandos. Todos os assim chamados destinatários da catequese devem poder manifestar-se sujeitos ativos, conscientes e corresponsáveis, e não puros receptores silenciosos e passivos (cf. DGC 167), com muito mais razão se são adultos. Por isso, nesse tipo de catequese, mais do que em outros, eles não sejam considerados simples destinatários, mas interlocutores de nossa proposta de fé. É uma catequese feita de partilha de saberes, experiências e iniciativas, em que ambos os lados criam laços (catequistas e catequizandos), buscam, ensinam, aprendem e vivenciam a vida cristã”.

O Diretório Geral da Catequese nº 174 apresenta os critérios que vão assegurar uma verdadeira catequese com adultos: “A atenção aos destinatários na sua situação de adultos, como homens e mulheres, cuidando, portanto, dos seus problemas e experiências, dos recursos espirituais e culturais, em pleno respeito pelas diferenças; a atenção à condição leiga dos adultos, aos quais o batismo confere a possibilidade de ‘procurar o Reino de Deus, exercendo funções temporais e ordenando-as segundo Deus’ e, ao mesmo tempo, os chama à santidade; a atenção ao envolvimento da comunidade, para que seja lugar de acolhimento e de apoio do adulto; a atenção a um projeto orgânico de pastoral dos adultos, no qual a catequese se integre com a formação litúrgica e com o serviço da caridade”. Quanto às tarefas da catequese com adultos, que só podem ser realizadas a partir da adesão do catecúmeno a Jesus Cristo, o DGC nº 175 afirma que a catequese “deve propor a fé cristã na sua integridade, autenticidade e organização sistemática, segundo a compreensão que dela possui a Igreja, colocando em primeiro plano o anúncio da salvação, iluminando as muitas dificuldades, pontos obscuros, mal-entendidos, preconceitos e objeções atualmente em circulação, mostrando a incidência espiritual e moral da mensagem, introduzindo à leitura crente da Sagrada Escritura e à prática da oração. (…) Em particular, são tarefas da catequese dos adultos: promover a formação e o amadurecimento da vida no Espírito de Cristo ressuscitado; educar à justa avaliação das transformações socioculturais na nossa sociedade à luz da fé; esclarecer as atuais questões religiosas e morais; esclarecer as relações existentes entre a ação temporal e a ação eclesial; desenvolver os fundamentos racionais da fé; formar à assunção de responsabilidades na missão da Igreja e a saber dar um testemunho cristão na sociedade”. No entanto, não poderíamos esquecer que também é de fundamental importância “educar para o diálogo fraterno e respeitoso em relação à alteridade no nosso mundo pluralista, dando especial atenção à dimensão ecumênica e ao diálogo inter-religioso e cultural”[14].

Toda a comunidade cristã é responsável pela catequese; a Catechesi Tradendae (nº 16) deixa claro que a catequese “não deve ser obra somente dos catequistas ou sacerdotes, mas de toda a comunidade dos fiéis”. Por meio de sua própria dinâmica interna (vida litúrgica e sacramental, anúncio de Jesus Cristo e missão), a comunidade acompanha o desenvolvimento do processo catequético e, ao mesmo tempo, “os neoconvertidos, sobretudo os jovens e os adultos, aderindo a Jesus Cristo, levam à comunidade que os acolhe uma nova riqueza humana e religiosa. Assim, a comunidade cresce e se desenvolve, pois a catequese conduz à maturidade da fé não somente os catequizandos, mas também a própria comunidade enquanto tal” (DGC 221).

A catequese com adultos é um verdadeiro processo catecumenal e, nesse sentido, é um resgate da catequese dos primeiros cristãos (não uma cópia do passado), realizada de maneira criativa e com a devida inculturação.

As comunidades primitivas eram comunidades da Palavra. Entre elas e por meio delas, “a Palavra de Deus crescia e se multiplicava”. Mesmo as perseguições, em vez de desanimar, serviam para espalhar e divulgar a Palavra. Além disso, outra característica da Igreja dos primeiros tempos é o testemunho. Anúncio da Palavra e testemunho de vida são realidades inseparáveis. Não se trata de testemunhar uma ideia, um conjunto de verdades, uma doutrina. Mas testemunhar a pessoa, a obra, o projeto de Jesus de Nazaré e seu mistério pascal. O testemunho não é privilégio ou dever de alguns, mas de todos os seguidores de Jesus. As primeiras comunidades eram também Igreja da missão: cristãos que saíam, iam, partiam. Não eram pessoas acomodadas a estruturas e esquemas, preocupadas com conquistas ou ganhos passados; nem ficavam paradas em sacristias, esperando pelo povo. Eram pessoas da rua, das praças, das viagens, tendo como horizonte o mundo! Como Igreja da missão, as primeiras comunidades eram Igrejas das casas, Igrejas domésticas. Sendo assim, na catequese com adultos, o encontro com a Igreja de Jesus e das primeiras comunidades é o ponto de partida de toda a catequese com adultos, de todo catecumenato cristão[15].

Dessa forma, na vivência desse processo catecumenal, é necessário uma Igreja adulta que favoreça o pleno amadurecimento do(a) cristão(ã). Uma Igreja ícone da Trindade, em que se vive a comunhão e a participação, estimulando a tríplice vocação que o batismo nos confere: profeta, sacerdote e rei; uma Igreja no mundo e para o mundo, a qual busca ser fermento do Reino de Deus; uma Igreja em diálogo com a cultura e a sociedade, aberta ao ecumenismo; uma Igreja a serviço, comprometida com a defesa da vida, dos valores do Reino e promotora da justiça; uma Igreja que testemunha o evangelho, sendo boa nova principalmente aos pobres e excluídos, e que vive num contínuo processo de conversão alimentando a esperança oferecida por Jesus Cristo; uma Igreja que escuta as aspirações humanas: “as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, especialmente as dos pobres e daqueles que sofrem, são as alegrias e esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo. Não há nada de verdadeiramente humano que deixe de lhes ressoar no coração” (GS 1).

 

6. Dimensão vocacional da catequese

Nossa viagem é longa e talvez pareça “perda de tempo” fazer esta última parada. Quem sabe, alguém poderia dizer: “Esta dimensão já está contemplada em todo o caminho percorrido”. Mesmo assim, é importante ressaltá-la, pois a animação vocacional “não é um elemento secundário ou acessório, nem um momento isolado ou setorial. É, sim, uma atividade intimamente inserida à pastoral geral de cada Igreja (…) uma dimensão conatural e essencial da pastoral da Igreja, ou seja, de sua vida e missão” (PDV 34). Às vezes, consideramos tantas coisas como óbvias que corremos o risco de perdê-las na generalização. Por isso é oportuno retomar o significado de vocação.

A vocação tem sua origem na Trindade: o Pai chama, o Filho escolhe e o Espírito envia; é fruto de uma eleição divina (Ex 3,10.16; Is 6,9; Jr 1,7; Mc 3,13; 10-21; Lc 9,57-62; Jo 6,44); não é algo que a pessoa cria, mas um processo em que ela se descobre vocacionada; passa sempre por mediações concretas. A esse respeito, Pe. Tiago Alberione, iniciador da Família Paulina, referindo-se à missão das Irmãs Apostolinas, disse: “Vós sois como canais. O canal leva a água. A vocação parte de Deus, passa por vós, que sois os canais, e chega às pessoas”. Essa frase, sem dúvida, poderia ser dita a todo agente vocacional, a todo catequista, a todos(as) que se colocam como mediação e voz do Deus que chama.

A vocação é um ato de liberdade: quem chama deixa sempre espaço para que a pessoa aceite ou não; sempre há a perspectiva do serviço; requer da pessoa doação, disponibilidade, entrega e renúncia. Ela também leva a pessoa vocacionada a estar atenta e disponível às necessidades da comunidade; não é fruto de uma escolha pessoal calculada, mas uma missão. A vocação mostra que a vontade de Deus é algo irreversível; pode haver resistência, mas aos poucos a pessoa termina por aceitar a proposta de Deus, até chegar ao ponto de abandonar completamente seus projetos e interesses pessoais.

O eixo unificador da pessoa é a vocação: ela “faz a pessoa”, cria a sua personalidade e não a deixa ser um “fantoche”, mas a ajuda a se descobrir e agir como protagonista.

Ao assumir a proposta de Deus, respondendo ao chamado, o(a) vocacionado(a) passa a ser portador(a) de grande liberdade, não anulando a sua subjetividade (autonomia) nem caindo no individualismo. A centralidade da missão é o que determina a vocação. Viver a vocação é se inserir na dinâmica do seguimento de Jesus e, por consequência, do Reino de Deus.

O DGC afirma que “a catequese se esforça por habilitar os discípulos de Jesus a se fazerem presentes, como cristãos, na sociedade e na vida profissional, cultural e social. Prepara-os também a prestar a sua cooperação nos diferentes serviços eclesiais, segundo a vocação de cada um. Esse empenho evangelizador origina-se, para os fiéis leigos, dos sacramentos da iniciação cristã e do caráter secular de sua vocação. É também importante usar todos os meios disponíveis para suscitar vocações sacerdotais e de particular consagração a Deus, nas diversas formas de vida religiosa e apostólica, e para acender no coração de cada um a vocação missionária” (nº 86). Ou seja, a catequese deveria “preparar” o(a) cristão(ã) para ser sal e luz no mundo; fomentar em seus destinatários uma consciência vocacional e ministerial; despertar as várias vocações.

Entre os objetivos que inspiram as escolhas metodológicas da catequese, temos: “impulsionar a pessoa a se entregar ‘livre e totalmente a Deus’: inteligência, vontade, coração, memória; ajudar a pessoa a distinguir a vocação a qual o Senhor a chama” (DGC 144). Além do mais, o “catequista realiza um dos mais preciosos serviços da ação catequética: ajuda os destinatários da catequese a distinguirem a vocação para a qual Deus os chama”[16]. O nº 185 do DGC afirma que, na catequese juvenil, o discurso vocacional tem o seu justo lugar. E, na catequese com adultos, que deve conduzir o(a) cristão(ã) a uma maturidade na fé, a dimensão vocacional deveria estar ainda mais presente e trabalhada. Pois só assim teremos e seremos os santos de que o mundo tanto necessita.

A catequese é um período em que se estrutura a conversão a Jesus Cristo, por meio de “um ensina­mento sistematizado e um aprendizado devidamente prolongado na comunidade (…) sua atividade específica é introduzir os catequizandos já batizados ou os catecúmenos que se preparam para o batismo na vida da comunidade cristã, no estilo evangélico de vida, nos mistérios da fé, no seguimento e na doutrina de Jesus, com suas implicações na maneira de conviver e na necessidade de transformar o mundo”[17]. Realizar essa tarefa é também fazer animação vocacional.

É nesse contexto que se insere o convite do ano vocacional de 2003: crescermos na consciência de que “todos os vocacionados(as), ao serem batizados(as), recebem o mesmo Espírito que animou a vida de Jesus. Os batizados são movidos pelo Espírito que é a força do Pai, geradora de vida no seio de Maria. Desse modo, os cristãos, vivendo segundo o Espírito, assumem, como Jesus, os desafios da humanidade. O centro da vida de todos os batizados é a pessoa de Jesus e sua proposta transformadora de amor e de justiça. Neste ano vocacional avancemos para águas mais profundas, transformando as nossas pias batismais em fontes de todas as vocações”[18].

 

7. Tire suas conclusões

 Ao final desta viagem, mais que uma conclusão, ficam alguns questionamentos: o processo iniciático, por nós desenvolvido, leva o catequizando a descobrir a pessoa de Jesus Cristo, seu projeto, e entrar na dinâmica do seguimento ou é apenas um “rito de passagem”? Nossa catequese com adultos é geradora de santos, de adultos maduros na fé? Como as etapas do processo catecumenal estão presentes em nossa vivência comunitária? Percebemo-nos e vivemos como Ekklesia, vocacionada pela Trindade a ser, pelo batismo, fonte de vocações e ministérios? Que lugar ocupa a animação vocacional em nossa comunidade?



[1] LIMA, L. A. de, “Memória do catecumenato na história”, in Estudos da CNBB 84, Segunda Semana Brasileira de Catequese, São Paulo, Paulus, 2002, p. 229.

[2] FRANCISCO, J. M., “Batismo como primeiro passo da iniciação cristã”, in Estudos da CNBB 81, O batismo de crianças, São Paulo, Paulus, 2001, p. 35.

[3] Ibid., p. 36.

[4] Ibid., p. 38.

[5] Ibid., p. 41.

[6] Ibid., p. 41.

[7] FLORISTÁN, C., Catecumenato: história e pastoral da iniciação, Petrópolis, Vozes, 1995, pp. 92-93.

[8] FRANCISCO, J. M., “Batismo como primeiro passo da iniciação cristã”, Ibid., p. 35.

[9] FLORISTÁN, C., Catecumenato: história e pastoral da iniciação, p. 30.

[10] Ibid., p. 83.

[11] Ibid., p. 89.

[12] LIMA, L. A. de, “Catequese com adultos e iniciação cristã”, Estudos da CNBB 84, pp. 348-349.

[13] NERY, I. J., “Catequese com adultos no contexto atual”, Estudos da CNBB 84, p. 54.

[14] CNBB, “Com adultos, catequese adulta. Texto-base elaborado por ocasião da 2ª Semana Brasileira de Catequese”, Estudos da CNBB 80, São Paulo, Paulus, 2001, p. 106.

[15] Cf. FELLER, V. G., “Catequese com adultos: contexto eclesial”, in Estudos da CNBB 84, pp. 195-198.

[16] DGC 156.

[17] Estudos da CNBB 80, p. 63.

[18] CNBB, Texto-base do ano vocacional 2003, nn. 90-91.

Ir. Clotilde Prates de Azevedo, ap