Ecumenismo não é cada Igreja ser sombra de si mesma, mas conviver com quem questione e caminhe junto em direção ao Reino de Deus.
Ecumenismo é ação conjunta de pessoas e grupos diferentes. É vivida no caminho, e não em castelos. É busca de unidade, e não camuflagem das divergências e negação das identidades. É proclamação da mesma fé, do mesmo batismo e do mesmo Cristo (Ef 4,4-6).
Sem comunhão fraterna não há ecumenismo e sem ecumenismo não há comunhão. Oferecer os bens materiais aos pobres é compromisso de todos os cristãos e de suas Igrejas. A hipoteca social é também hipoteca ecumênica. Ser ecumênico é transformar este mundo em um mundo de Deus, ou, como sonhava Santo Agostinho, inspirado nos Atos, em uma Cidade de Deus.
Ser ecumênico é caminhar em direção ao outro como fizeram Cornélio e Pedro (cf. Atos 10- 11).
“O ecumenismo não é uma opção para as Igrejas. O imperativo ecumênico deve ser escutado e respondido em todas as partes. Essa resposta exige necessariamente a formação ecumênica”[1].
Não se faz ecumenismo sem uma real mudança de coração e sem livrar-se de alguns defeitos, como orgulho, intolerância, vaidade eclesial e pessoal, ignorância religiosa, superficialidade na própria fé, entre outros.
Ecumenismo não é: “Ser uma única confissão religiosa. Desconsiderar as diferenças confessionais. Camuflar as divergências. Considerar a minha verdade religiosa em detrimento das demais. Usar a Bíblia como instrumento de discórdia e divisões”[2].
O livro dos Atos fala de Pedro e Paulo e da personalidade de cada um deles, dos conflitos e sensibilidades ecumênicas, fala de comunidades, de intolerância diante do novo, relata inúmeras prisões e fala muito pouco de doutrina. A novidade maior é anunciar Jesus a todas as nações — ecumenismo puro, já que a palavra deverá ser anunciada a toda terra habitada. A pregação já nasce sob o signo do ecumenismo. As Igrejas devem ser ecumênicas por mandato evangélico. Não é acessório nem uma pastoral a ser exercida só por alguns membros ou especialistas. É tarefa de todos, com todos e para todos. Inspirada, sem dúvida, no Espírito e guiada por ele, mas tarefa comunitária e boa notícia contra uniformidades, domínios clericais e arrogâncias denominacionais.
“A intenção primária da obra dedicada a Teófilo é mostrar a atuação da salvação de Deus no caminho histórico da primeira missão cristã… Resulta então que os Atos dos Apóstolos, por um lado, estão mais próximos de uma catequese sobre a história do que de uma crônica oficial; por outro lado, são mais aparentados com as histórias dos clássicos do que com as diversas filosofias ou teologias da história dos autores antigos e modernos”[3].
Atos é chamado Evangelho do Espírito e pretende mostrar a Igreja em ato, como uma comunidade de caminheiros que seguem os desígnios de Deus. O livro quer fazer história mais que registrá-la. Lucas toma o mundo como ele é, e não como deveria ser. Procura destacar a continuidade histórica entre Jerusalém e Roma. Entretanto, há diversidades e diferenças entre as novas Igrejas e o grupo da Palestina.
Trata-se de valorizar e harmonizar isso, sem uniformizar. Dois personagens destacam-se nestes “atos ecumênicos” da Igreja Apostólica: Pedro e Paulo. Não agem sozinhos. Estão cercados de amigos, discípulos, e, sobretudo, de comunidades. Se não existe Pedro sem Jerusalém, também não podemos pensar Paulo sem Antioquia e Corinto.
O coração do livro está no capítulo 15, que relata a Assembleia ou Concílio de Jerusalém.
Os vinte e quatro discursos grandes ou menores estão espalhados pelo texto (um quarto da obra escrita), e, dentre eles, destacam-se os sete discursos querigmáticos e apologéticos de Paulo que querem responder aos problemas vividos pelas comunidades cristãs. Lucas escreve aos cristãos do segundo século, remetendo-os ao período entre os anos 30 e 60 d.C. Olha o passado com os olhos de sua Igreja[4].
O autor dos Atos quer mostrar que as promessas feitas ao povo de Israel estão abertas para o universo ecumênico das nações pagãs. O autor quer assegurar aos cristãos novos sua identidade de fé e superar as tensões existentes quer no judaísmo, quer no ambiente externo da pregação. Assim os destinatários são os cristãos que vêm do mundo dos pagãos. Usa da língua e da cultura mais para construir que para fixar-se obsessivamente à sua verdade.
Sabemos que “o autor dos Atos é Lucas, homem culto, familiarizado com textos clássicos e helenísticos e com um bom conhecimento da Bíblia grega conforme a tradução dos Setenta; talvez seja um cristão de Antioquia e médico”[5].
O livro se estrutura em cinco grandes sessões ou blocos que contam fundamentalmente os atos de dois apóstolos, Pedro (até o capítulo 12) e Paulo (do capítulo 13 ao 28).
1. Origens da Igreja em Jerusalém, onde a questão ecumênica está no conflito com o judaísmo legalista. O preço humano desse conflito serão as vidas ceifadas de Estêvão (pelo ano 34) e Tiago (ao redor do ano 41).
2. Perseguição e missão ecumênica: de Jerusalém a Antioquia, onde a crise ecumênica se situará no encontro das diversas identidades culturais dos samaritanos, antioquenos e etíopes. Aqui vivemos a conversão de Paulo (em torno do ano 36) e a perseguição de Pedro (pelo ano 41-42).
3. Primeira viagem e Concílio (entre os anos 48-50), sendo a questão-chave no ecumenismo o debate em Jerusalém sobre a circuncisão e os costumes judaicos. A proclamação de Pedro e o decreto conciliar abrirão caminho para a liberdade ecumênica sem rupturas internas.
4. Grande viagem e fundação das Igrejas na Ásia e na Grécia, sendo o tema ecumênico central a inserção do Evangelho de Cristo no mundo cultural grego e o confronto com as autoridades e estruturas imperiais de Roma.
5. Paulo prisioneiro, desde sua captura e prisão em Jerusalém (58) e Cesareia e o complexo processo diante de Félix com a narração das peripécias da viagem à capital do Império, Roma (no outono-inverno do ano 60), e sua prisão domiciliar entre os anos 61-63.
1. Paulo de Tarso, exemplo prático
Paulo é o defensor de metodologia e pedagogia ecumênicas marcadas pela abertura e pela superação de imposições rituais e legais. É o ator central do livro. De perseguidor a evangelizador, vive na carne o drama das primeiras divisões entre os cristãos. O clímax da crise ele vive na Igreja de Éfeso. A experiência pessoal de Damasco irá impregnar-se em seus atos e palavras. Sua conversão constitui-se na reviravolta histórica fundamental no movimento cristão primitivo. O autor do livro dos Atos cita três vezes este episódio. Embora divergentes, os três relatos pretendem legitimar a missão cristã entre os pagãos e autenticar o papel de Apóstolo ao jovem de 25 anos. Embora não faça parte do núcleo dirigente de Jerusalém, recebe instruções de um certo Ananias, da periférica Igreja síria. Paulo une a Igreja dos pagãos (na leitura de Lucas) à Igreja dos judeu-cristãos (na leitura de Marcos). Depois do que ele viveu ali em Damasco, tudo será feito como uma grande tarefa ecumênica.
O “neoapóstolo ecumênico”, depois de ficar três dias sem ver, sem comer, sem nada beber, está preparado para empreender o caminho novo. Escreve cartas para animar e superar brigas e preconceitos. Fala do único corpo de Cristo em suas epístolas e realiza viagens para costurar e compor um corpo firme e unido. Paulo reconhece que todos têm a possibilidade de conhecer a vontade de Deus e viver o Evangelho.
“Paulo tinha horror àquela uniformidade no agir, imposta em nome da fé. Não gostava de gente que, por não entender nada do principal, se levantava em defensor de coisas secundárias, querendo definir por elas a ortodoxia de alguém”[6].
Isso para Paulo não é uma concessão tática ou estratégia proselitista, mas seu modo de viver a mensagem de Cristo. “Os judaizantes esperavam Igrejas heterogêneas apenas em teoria”[7].
Paulo, entretanto, veste o cristianismo da roupa helênica para torná-lo acessível à gente de seu tempo. Cura o licaônico aleijado de nascença (14,8-20) e procura mostrar que é humano, e não o deus Hermes, que estaria a exigir sacrifícios e ritos propiciatórios. Rasga sua veste, o que deve ter sido incompreensível para o povo greco-pagão com quem se encontrava pela primeira vez. Realiza o que hoje poderíamos chamar de pré-evangelização, falando do Deus vivente e não ainda de Cristo. A multidão muda de lado e apedreja Paulo que não morre, mas segue para Derbe junto com Barnabé.
“A visão religiosa ‘ecumênica’ de Paulo oferece a plataforma para um positivo e fecundo diálogo com as religiões não cristãs. Isso vale de modo particular em relação ao povo hebraico, do qual ele se considera filho do ponto de vista humano-histórico, segundo a carne. Paradoxalmente, o mesmo Paulo, que é considerado o ponto de ruptura com o hebraísmo, poderia tornar-se o elo de uma nova ligação com o povo da primeira aliança”[8].
2. Atos ecumênicos
Façamos um breve percurso pelos vinte e oito capítulos de Lucas recolhendo os atos e práticas ecumênicas presentes no livro e vividos na Igreja primitiva.
• O primeiro grande ato é o olhar retrospectivo que nos é anunciado em 1,1-5, onde vemos o Ressuscitado ao lado do Pai. O Cristo vivo envia o Espírito que age no mundo construindo comunidades. A garantia de uma instituição animada pelo Espírito Santo que anuncia com liberdade é condição básica para a pregação. Como nos lembraria toda a tradição patrística, agora é tempo da Igreja, pois concluiu-se o tempo histórico de Jesus. Os Atos são os atos das comunidades dos seguidores e companheiros de Jesus, que, após breve período de espera (quase uma gravidez!), recompõem o grupo dos doze, e, com a liderança de Pedro, partem em missa.
• O segundo ato ecumênico é vivido pela experiência de Pentecostes (2,1-13), onde o vento impetuoso já mostra a audácia de Deus e o estrondo da fé. O falar em línguas (compreensíveis) de gente analfabeta deixa perplexos os judeus. Os povos enumerados parecem formar um leque de direções mostrando mais para onde estava indo a mensagem de Jesus do que de onde ela partia. O Espírito gerando comunidades e presença em povos de distintas línguas e culturas. Este é o núcleo de um sadio ecumenismo. Respeito às diversidades e universalidade coesa em torno de um mesmo e único Espírito, o de Jesus. Esta experiência no Espírito Santo, no fogo e pela expressão múltipla de dons e línguas, quer realçar o caráter profético deste novo povo. Mais que milagre e espetáculo, o que se quer mostrar é que os pobres anunciam o Deus que transforma os corações e as estruturas. Três vezes o autor pergunta sobre o significado deste evento (2,7.8.12). Alguns dirão que se trata de bebedeira de vinho doce. Lucas apresenta o discurso de Pedro (o primeiro de três pronunciados) como o momento introdutório da resposta de fé e uma explicação razoável para o evento pentecostal. E diz com força e coragem: “Deus constituiu Senhor e Messias este Jesus que vós crucificastes” (2,36b). Jesus é o Cristo. Esse é o centro da mensagem cristã proclamada com vigor, liberdade e coragem (parrhêsia, em grego). Esse momento é conhecido como a hora do querigma (2,22-26). A ruptura com o passado situa-se no rito do batismo “em nome de Jesus”. O detalhe final mostrando que os primeiros 120 haviam se multiplicado em três mil mostra o empenho do autor em ampliar sempre mais a mensagem para que o cristianismo nascente adquira o tamanho do universo sem distinção de raça e cultura.
• O terceiro ato ecumênico é relatado nos três resumos (2,42-47; 4,32-35; 5,12-16) da vida em comunidade. Palavras fortes como fidelidade, partilha, venda de bens, distribuição, ensinamento dos apóstolos, alegria mostram para as Igrejas hoje divididas o escândalo que isso representa e o ideal de unidade vivido e querido pelos cristãos ecumênicos. Esse estilo ou modo de vida gera entusiasmo e é a verdadeira fonte de uma espiritualidade libertadora. Afinal é “uma criação espontânea do Espírito Santo dentro da Igreja”[9].
• O quarto ato é a cura do paralítico no pátio dos pagãos (3,1-10). Cura feita com a riqueza de Pedro que não era feita nem de ouro, nem de prata, mas da palavra valiosa que é o nome de Jesus. Pedro faz o segundo discurso dirigido aos judeus. A tensão é grande entre o grupo novato dos cristãos e a instituição judaica. Pedro irá nos oferecer a base para a moderna objeção de consciência e a defesa da liberdade de consciência.
• O quinto ato é expresso na construção de comunidades fora da Palestina, de forma pluralista, descentralizada e onde as mulheres exerciam serviços concretos na missão evangelizadora. O papel das mulheres é valorizado por Lucas em seu Evangelho e também em Atos. Vemos inúmeras mulheres vivendo a experiência ecumênica, como Tabita em Jope (9,31.39); Lídia, em Filipos (16,15.40); Damaris, em Atenas; mulheres da alta sociedade em Corinto e na Bereia (17,4.12); o casal Áquila e Priscila da cidade de Corinto, e, na viagem do apóstolo a Éfeso, destaca-se a atividade e força de Priscila (18,26); as quatro filhas virgens e profetisas de Filipe de Cesareia (21,8); e o destaque inicial dado à comunidade originária de Jerusalém, onde estavam os doze junto com as mulheres e Maria, a mãe de Jesus (1,14); rejeita qualquer machismo eclesiástico ainda hoje presente em nossas instituições religiosas e na forma do exercício hierárquico de muitas comunhões cristãs. Ecumenismo também precisa ser vivido nas questões de gênero e da relação entre homens e mulheres nas Igrejas.
• O sexto ato é a organização de um fundo de solidariedade (coleta) promovido entre as comunidades dos pagãos em favor da comunidade dos judeus. Esse fato hoje se repete quando o Conselho Mundial de Igrejas (que reúne os evangélicos) financia trabalhos e comunidades da Igreja católica. Quando coletas de fundos são feitas pela Cáritas católica para apoiar projetos de Igrejas protestantes, estamos plantando unidade. Os sete companheiros de Paulo, na viagem para levar a coleta, hoje podem ser representados pelas sete Igrejas membros do CONIC que realizam projetos em favor das comunidades empobrecidas de nosso país. São estas as Igrejas que formam hoje a escolta de honra do Apóstolo Paulo em sua viagem para Jerusalém: presbiterianos unidos, metodistas, luteranos, anglicanos, cristãos reformados, ortodoxos sirianos e católicos romanos.
• O sétimo e fundamental ato ecumênico situa-se no acolhimento e batismo do oficial romano convertido — Cornélio e toda a sua família (10,1-11,18). Esse acontecimento exemplar é precedido de dois eventos miraculosos em Lida e Jope. Em Lida um paralítico conhecido como Eneias é curado (9,32-35) e assim todos os habitantes da região de Saron se convertem. Em Jope, Pedro ressuscita uma mulher conhecida como Tabita ou Dorcas (gazela) (9,36-43). Esse ato ecumênico exerce papel central no livro dos Atos e está conectado ao Concílio Ecumênico de Jerusalém. A conversão de Cornélio antecipa a novidade do Concílio de Jerusalém.
3. Ecumenismo em ato
Um segundo excurso, em nossa viagem pelo livro dos Atos, será o de verificar como decisões ecumênicas foram colocadas em prática pelos cristãos e por suas lideranças e comunidades nascentes.
• O Concílio em Jerusalém vive as tensões entre Pedro e Tiago de um lado e Paulo e Barnabé de outro. A versão escrita por Paulo em Gálatas diz que nada mais fora imposto, mas Tiago propõe ao menos quatro normas rituais (At 15,1-29). De toda forma, a missão de Paulo é aprovada. O texto de Lucas é menos emotivo e mais distante do fato histórico. A carta que está expressa em Atos 15,23-29 deixa claro que, respeitadas as exigências inevitáveis, não se pode impor nenhuma outra obrigação. A oração de Jesus para que a experiência de comunhão fosse real (Jo 17,21), e não só símbolo ritual ou prece bem-intencionada, foi profundamente valorizada por Lucas em Atos 2,44-45. Muitos acreditavam que esse mandato prático não era necessário ou sequer oportuno. Acreditavam que o judaísmo seria a única mediação histórica do divino entre nós. A Igreja, entretanto, nasceu do encontro fecundo entre a mensagem e valores cristãos e as culturas locais. A riqueza dos ritos orientais, celebrados ainda hoje como o melquita, o maronita, o siro-malabar, o copta testemunham a riqueza dos dons, maravilhas e mistérios de Deus diversamente distribuídos entre os seres humanos de todos os povos e nações. No Concílio de Jerusalém o único compromisso assumido por Paulo foi a ajuda aos pobres de Jerusalém (Gl 2,10).
• As quatro viagens de Paulo (13,1-14,28; 15,39-18,22; 18,22-21,16 e 21,17-28,16), nos lembram que a tarefa ecumênica se assemelha à corrida de um atleta inteiramente dedicado à meta desejada. Quinze anos de corrida missionária percorrendo cerca de 10 mil quilômetros mostram o ecumenismo em ação. Os apóstolos, de forma particular Paulo, utilizam de todas as estradas e caminhos possíveis para pregar sua mensagem. Vão sozinhos ou acompanhados. Paulo naufraga, passa frio, é açoitado, preso, extraditado, mas clama, proclama e reclama. Sempre como o servo de todos, encontra alguns dispostos ao diálogo e outros completamente intolerantes. Vence a magia e a religião de resultados (já naquela época havia religião da prosperidade!), mas é perseguido duramente por isso. O anúncio ecumênico criava simpatizantes e inimigos (13,48-50).
4. Conflitos ecumênicos internos e externos
Na comunidade primitiva inúmeros conflitos religiosos e ecumênicos foram enfrentados quer pelos apóstolos, quer pelos cristãos com respostas diferenciadas.
• “O primeiro conflito interno da Igreja, e o único mencionado por Lucas em todo o livro, refere-se à questão da manutenção das viúvas helenistas” (6,1)[10].
• O incidente — ou controvérsia — vivido em Antioquia quando Paulo se separa de Barnabé: este cristão originário de Chipre, que segue para sua terra com Marcos, por outro caminho evangelizador (15,36-41 e no relato mais dramático de Gl 2,11-14), e o próprio Paulo, que por questões táticas, segue com Silas e depois Timóteo (cristão de Listra) pela Síria e, Cilícia (15,41-16-5).
• A incompatibilidade com o mago Elimas (13,4-12).
• O conflito com os artesãos da deusa Ártemis entre os quais Demétrio, e o grave tumulto que se expandiu por toda a cidade (19,23-29).
• A jovem escrava possuída pelo espírito da adivinhação usada pelos seus senhores (16,16- 40).
• Os exorcistas judeus, filhos de Ceva, sumo sacerdote, e a queima de cinquenta mil moedas de prata em escritos mágicos (19,11-20).
• Encontro com os discípulos de João Batista (19,1-7).
• Encontro e debate com Apolo, pregador alexandrino (18,24-28).
• Prisão de Estêvão (6,8-15) seguida de seu assassinato.
• A generosidade de Barnabé versus a fraude de Ananias e Safira (4,36-5,11).
• Apóstolos diante do Sinédrio (5,17-42).
• A ação dos missionários itinerantes e a pregação de Paulo.
• O conflito em Icônio e a fuga para Licaônia e arrededores (14,1-7).
• A conflitiva conversão do mago Simão e a tentativa de manipulação de Filipe e Pedro (8,9-25).
• A morte do idólatra Herodes Agripa e o paradoxal crescimento da palavra de Deus (12,20-25).
• A prisão de Paulo e Silas em Filipos (16,16-40) por razões político-religiosas.
5. Sonhos ecumênicos
O ecumenismo presente no livro é marcado por inúmeros sonhos de unidade:
• Que gente de outro grupo religioso pode falar de modo inspirado assim como os membros de nossa Igreja? (19,1-7).
• A missão de Filipe e o sonho recebido em face do eunuco etíope (8,26-40) demonstra a gratuidade da ação de Deus, e a concretização da velha profecia de Isaías 40,5: “Então se revelará a glória de Javé, e todo o mundo junto a verá, pois assim falou a boca de Javé”.
• A alegria que se difundia pelas cidades que conheciam o Evangelho ecumênico (8,8).
• A constituição da Igreja de Antioquia como uma comunidade mista de cristãos de várias origens, identidades culturais e religiosas como modelo das futuras comunidades urbanas do império (11,19-26). O centro de gravidade passa de Jerusalém a Antioquia. Uma inovadora Igreja plural numa cidade marcada pela corrupção moral e religiosa. É aí, em Antioquia, que os cristãos (em grego, christianoi) pela primeira vez assim são chamados. Uma Igreja que nasce do Espírito em meio de refugiados e perseguidos é sinal de esperança em tempos de exclusão e idolatrias. O poder de Deus junto aos helenistas nasce do sangue de um mártir, Estêvão.
• Os belos nomes usados nas Igrejas evangélicas até hoje têm raízes no livro dos Atos. Assim temos: gente do caminho, irmãos, crentes, discípulos; santos e cristãos.
• A cena emocionante de Rosa, jovem porteira da casa de Maria, mãe de João Marcos, relembra o encontro de Jesus Ressuscitado e os discípulos e também nos anima a construir encontros entre pessoas e povos considerados mortos e separados há séculos. O beijo e o perdão mútuo de Paulo VI e Atenágoras reafirmaram o sonho de reatarmos pessoas, Igrejas e tradições depois de séculos de guerras e incompreensões religiosas.
• Deus chama Paulo em sonhos para ir à Macedônia, porta da Europa (16,9-10) e sua futura viagem para Roma, capital do Império (23,11).
• Lucas faz questão de não esquecer os missionários menores como o evangelista Filipe e suas quatro filhas profetisas que viviam em Cesareia (21,8-9). Cita mesmo profetas desconhecidos como Ágabo, que anuncia momentos de crise para o Apóstolo Paulo (21,10-14). Uma denominação cristã precisa aprender a ouvir e conviver com seus inoportunos profetas e não transformar-se em uma instituição de burocratas e funcionários eclesiásticos. Dizia Dom Helder Câmara: “Ter ao próprio lado quem só sabe dizer amém, quem concorda sempre, de antemão e incondicionalmente, não é ter um companheiro, mas, sim, uma sombra de si mesmo”.
• A pregação no Areópago de Atenas (17,16-34) como grande exemplo de abertura inter-religiosa e de diálogo com outro pensamento cultural. Já na primeira frase Paulo destaca que vê, sob todos os aspectos os atenienses, como “extremamente religiosos”. Paulo é modelo de cristão ecumênico capaz de viver a inculturação a cada nova realidade: “Fiz-me grego com os gregos…”. Desenvolve uma pregação ousada até para nossos dias e seu método continua sendo válido também hoje.
6. Conclusão
Paulo às vezes exagerava em seus discursos. Em Trôade, por exemplo, faz um jovem chamado Êutico (que significa afortunado) cair morto da janela do terceiro andar. Esse relato curioso e dramático da Eucaristia noturna pode nos ajudar a acordar de tantos sonos litúrgicos em nossas assembleias e de tantos cultos confessionais que não mais possuem a emoção do amor primeiro. Podem, até, fazer ressuscitar a fé ecumênica muitas vezes amordaçada em nossas Igrejas — por meio de documentos oficiais —, autoproclamando-se, muitas vezes, donas da verdade e não servidoras humildes do Espírito de Cristo Jesus. A palavra de Paulo ao povo de Trôade é confortadora: Não vos perturbeis! Ele está vivo de novo.
Assim também a tarefa ecumênica está vivíssima.
Acolher os irmãos de outras Igrejas com alegria festiva é a tarefa primeira (15,4).
Anunciar a mensagem em que se crê com paciência, mas sem aprisionar nem o interlocutor nem o evangelista. Ecumenismo e Evangelho são tarefas de homens e mulheres livres (26,27-29).
Ao percorrer o livro dos Atos veio-me à mente o rosto sorridente do arcebispo Helder P. Câmara, apelidado pelos amigos de Dom. Dizia ele: “Se discordas de mim, tu me enriqueces, se és sincero e buscas a verdade e tentas encontrá-la como podes, ganharei tendo a honestidade e a modéstia de completar com o teu, meu pensamento, de corrigir enganos de aprofundar a visão”.
Assim, lendo os Atos dos Apóstolos, agiremos de forma ecumênica e não seremos mais estranhos uns aos outros, mas membros da grande família de Deus, apelidados de Teófilos (amigos de Deus). E amigos ecumênicos na ação, nas palavras e orações.
[1] Conselho Mundial de Igrejas, Formação ecumênica, reflexões e sugestões ecumênicas, coedição CESEP — Paulus, 1997, p. 29.
[2] CONIC-CLAI, Diversidade e comunhão, Um convite ao ecumenismo, coedição Paulinas — Sinodal, S. Paulo, 3ª ed., 2000, p. 32.
[3] Rinaldo Fabris, Os atos dos Apóstolos, Loyola, S. Paulo, 1991, pp. 31ss.
[4] Cf. Ana Flora Anderson, Frei Gilberto Gorgulho, O povo de Deus em marcha: as comunidades cristãs primitivas, mimeo, Dominicanos, 1997, S. Paulo.
[5] Rinaldo Fabris, op. cit., p. 33.
[6] Carlos Mesters, Deus, onde estás?, Editora Vega, Belo Horizonte, 1976, p. 188.
[7] Jerome Murphy-O’Connor,Paulo, biografia crítica, Loyola, S. Paulo, 2000, p. 156.
[8] Rinaldo Fabris, Para ler Paulo, Loyola, S. Paulo, 1996, p. 159.
[9] Oscar Cullmann, The Early Church, studies in early christian history and theology, The Westminster Press, Philadelphia — USA, 1956, p. 204.
[10] José Comblin, “Ricos e Pobres nos Atos dos Apóstolos”, in Vida Pastoral, ano 42, nº 218, maio-junho 2001, Paulus, S. Paulo, p. 6.
Prof. Fernando Altemeyer Jr