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Publicado em número 087

Creio na Igreja santa e pecadora

Por Roque Frangiotti

Nossa profissão de fé seria mais completa e mais elucidada se rezássemos: “creio na Igreja Una, Santa, Pecadora, Católica, Apostólica…”. Estaríamos assim abrangendo as duas dimensões, as duas faces da Igreja: a divina e a humana, o Espírito e a carne, a carismática e a institucional, a invisível e a visível, a profética e a organizacional, a vertical e a horizontal, a da graça e a do pecado. Por si, é um erro considerar a questão deste ponto de vista, já que essa distinção é convencional e fruto de certas tendências extremistas dos cristãos. Não existe uma Igreja do Espírito e uma Igreja do homem, da carne, uma Igreja invisível e uma Igreja visível. O que existe é a Igreja que está aí, que conhecemos, que denominamos por Católica, Apostólica.

1. A DIALÉTICA ENTRE O ESPÍRITO E A CARNE

Pretendemos comentar, neste artigo, a dialética desenvolvida entre o Espírito e a Carne, isto é, entre o que é Santo e o que é pecado na Igreja. A Igreja não é só a obra de Cristo-Espírito, nem só a obra dos Apóstolos, do homem. É uma obra teândrica, isto é, de Deus e do homem. Poderíamos afirmar: a Igreja é verdadeiramente divina e verdadeiramente humana. É impossível dividi-la em espiritual e carnal, em carismática e institucional. O que podemos destacar, com muita clareza, são os aspectos que historicamente ganham mais realce, isto é, a ênfase, o acento que os cristãos colocam num dos polos. Quando isso acontece, no movimento pendular, torna-se mais visível, mais evidente, um dos aspectos, ou o divino ou o humano.

Os textos do Concílio Vaticano II foram criticados por alguns observadores não católicos por seu cristomonismo unilateral e por não dar a devida atenção à dimensão pneumatológica. Isso significa que o Espírito está apenas em função de Cristo, para levar à eficácia universal as palavras e obras de Jesus-Cristo. Como uma consequência imediata, leva-nos a conceber a doutrina e a prática da Igreja de modo unilateral, como instituição de Jesus-Cristo. Tirando todas as consequências, chegaríamos a afirmar: o aspecto institucional da Igreja estaria em primeiro plano, enquanto o aspecto profético e carismático ficariam em segundo lugar, não recebendo abertura suficiente para seu desenvolvimento. Como reação, notamos que a teologia e os movimentos eclesiais pós-conciliares destacaram expressamente a dimensão carismática da Igreja. Por sua vez, uma concepção puramente pneumatológica, carismática, produz uma Igreja inimiga do mundo, inimiga da organização, anti-institucional.

Parece-nos que devamos conceber as estruturas institucionais como consequências, sinais e materializações da ação do Espírito Santo no coração dos crentes. A dimensão carismática é o fundamento e a raiz da Igreja como institui­ção. Mas o monofisismo ronda a Igreja, a ponto de se dizer dela: “A Igreja romana que se quer sinal da presença de Cristo no mundo, transformou-se na maior administração não governamental do mundo. A Instituição-Igreja funciona segundo protótipo da General Motors”.

Trava-se, ao largo da história, essa luta entre o Espírito e a Carne, entre a graça e o pecado, entre o dom e a incredulidade, entre o carismático e o institucional, no seio da única Igreja. Única porque há um só Corpo. Um prédio não é feito só de mármore, de vidraças, mas também de barro, de reboco. A Igreja se faz na fidelidade e na infidelidade. Está por isso sempre necessitada de revisão, de conversão, sempre necessitada de renovação. Só será perfeita, fiel em estado escatológico, como Jerusalém celeste.

II. IGREJA: CRISE QUE O ESPÍRITO ESTABELECE NA CARNE

A Igreja sempre está ameaçada. Sempre em crise. Querer uma Igreja sem crise é afundar-se no idealismo e na completa abstração.

Nasceu a Igreja de uma crise-ruptura entre o Antigo e o Novo Testamento. Seus primeiros passos foram marcados pela crise-oposição entre os convertidos do paganismo, indicados pelas comunidades paulinas, e os judeus convertidos, indicados pela comunidade de Jerusalém, de Tiago e Pedro. Quando lemos Atos 4,32, onde se diz que os cristãos “eram um só coração e uma só alma”, imaginamos uma situação ideal, paradisíaca. Mas, continuando a leitura, encontramos já no capítulo 6 a explosão de um conflito: “Naqueles dias, como aumentasse o número dos discípulos, surgiram murmurações entre os helenistas contra os hebreus”. Diziam os helenistas que, no serviço cotidiano, suas viúvas eram esquecidas ou maltratadas.

Hoje a Igreja continua em crise. É uma crise que mostra sua capacidade de sobreviver, que ajuda aos homens a compreenderem o sentido da crise que vivem. Os movimentos contestatórios no seio da Igreja querem tornar possível aos homens de hoje a leitura dos sinais da Igreja, visto que, muitos dos seus símbolos, sinais, estruturas, tornaram-se opacos, ilegíveis. Com isso a Igreja vai deixando de ter significação para o homem.

O Evangelho é sua força crítica. Uma ordem estabelecida é precisamente uma ordem que recusa uma crise, é uma ordem estática. Portanto, a Igreja não pode atrelar-se, prender-se a uma ordem estática, mesmo em nome das melhores intenções. Fixar-se, estabelecer-se é trair o Evangelho, é desfigurá-lo. A Igreja se estabelece quando começa a se sobrecarregar de leis, de pequenas tradições, de estruturas ameaçadoras para se proteger. Protegendo-se, pode-se firmar. Firmando-se, se fixa. Fixando-se, se imobiliza. Imobilizando-se, se arcaíza.

O Espírito é fogo, é a chama sempre a iluminar o caminho dos cristãos. É o elemento crítico que não permite a sobreposição das estruturas ao homem. O Espírito faz os cristãos ultrapassarem os limites históricos de suas instituições para que não se petrifiquem.

Aparentemente, no dia de Pentecostes, nasceu uma comunidade religiosa entre muitas outras, mas na realidade, tratava-se de outra coisa muito diferente, de uma humanidade radicalmente nova, constituída por todos aqueles que reconhecem a verdade da existência, a verdade da crise perpétua que é o ser humano.

III. IGREJA: ESPÍRITO-CARNE-ESTRUTURA

A Igreja é católica, isto é, universal, enquanto é capaz de se abrir a toda verdade, venha de onde vier, evitando a mentalidade sectária. Contudo, esta Igreja-católica não consegue existir sem alguma estrutura, alguma organização. Seu erro está em fazer da instituição, da organização os traços característicos, de tal modo que impeça a aproximação dos povos, que dificulte ao homem ser Igreja. A vida em comum não pode passar sem estruturas, mas pode-se fazer das estruturas uma expressão da vida e da comunhão e não barreiras, empecilhos, contratestemunhos. Jesus nunca desenhou uma maquete de Igreja, nunca traçou, em concreto e em pormenores uma regra de vida, uma organização que fosse modelada, plasmada desde toda eternidade que deveria ser reproduzida aqui. Aprendi, em meus tempos de catecismo, que a Igreja era uma “Sociedade Perfeita”. Entendem-se duas coisas: ou é uma sociedade ao nível das outras tantas, com todo aparato de burocracia, de repartições, de morosidade que entravam a vida pública, imbuída de toda autoridade e poder ou, então, é algo cujo modelo original está no céu e o que temos aqui é a cópia fiel e acabada do modelo celeste. Parece-me que os dois sentidos podem coexistir. Basta-nos recordar os momentos históricos em que, assumindo o máximo de autoridade e poder, sobrepujou os reis e imperadores, em nome do modelo celeste.

A Igreja está ameaçada enquanto se identifica com a lei, com as estruturas que abafam a vida e levam ao farisaísmo. Quando se recusa a ser servidora e pobre, promotora da Liberdade. Igreja ameaçada é a que em vez de ajudar os homens a serem livres, filhos de Deus, torna-os crianças, assumindo todas as suas tarefas, e responsabilidades, decidindo por eles o que é ou não bom, o que devem ou não fazer, quanto devem rezar, como e onde, quando se deve jejuar, o quanto se deve comer num dia de jejum. Igreja insensível aos valores humanos, à liberdade, à criatividade. Talvez seja esta a razão porque muitos falam que creem em Cristo, mas não na Igreja. Cristo é atração, mas a Igreja é empecilho, entrave, algo ultrapassado.

É a Igreja que enfatiza mais o valor do dogma, da rubrica, tornando-se reacionária, obscurantista. Igreja construída não pela fé que vem do “ex auditu”, mas pela espada, pelo decreto de ameaça de condenação eterna. O Patriarca Atenágoras, de Constantinopla, dizia: “O que falta mais aos homens da Igreja é o espírito de Cristo, a humildade, o acolhimento desinteressado, a capacidade de ver melhor o outro(…). Nós andamos fora da vida. Nós fizemos da Igreja uma organização como as outras. Todas as nossas forças foram gastas para pôr essa organização em pé. E hoje são gastas para a fazer funcionar. A Igreja caminha como uma máquina e não como uma vida”.

A Igreja não pode se reduzir aos esquemas humanos do jurisdicismo, autoritarismo. Sua fraqueza é justamente ser uma “Sociedade perfeita”, em assemelhar-se às empresas multinacionais. Seu alicerce não é este, mas cada homem de boa vontade. O Espírito não está nas estruturas, mas nos corações onde inscreve a Lei Nova do Amor, da Fraternidade.

IV. ESPÍRITO: ALMA DO CORPO

Há um dizer tradicional que compara o Espírito Santo em relação à Igreja como a alma em relação ao corpo. Não partilhamos dessa antropologia dualista, por isso é com certa dificuldade que entendemos o que se quer dizer com esta comparação. O Espírito Santo não é apenas uma “alma”, mas uma Pessoa coeterna, codeterminada, coparticipada com o Pai e o Filho, e a Igreja também não é um corpo à maneira do nosso corpo. Trata-se, portanto, de uma comparação, não de uma realidade.

Creio na Igreja enquanto é íntima comunhão do homem com Deus e dos homens entre si. Enquanto é comunidade-fraternidade dos homens, edificada à sombra de Deus. Enquanto encarnação de Deus no homem através de Jesus-Cristo-Filho. Enquanto atuar do Espírito que vai penetrando toda a massa humana para formar com ela a Unidade divino-Cristo-humana.

Há uma unidade profunda, ainda que invisível, neste universo. Unidade radical que cria a solidariedade universal de todos os seres e na qual todos os seres estão entrelaçados, intersujeitos. “Há um só Deus e Pai de todos, que é sobre todos, por meio de todos e em todos” (Ef 4,6).

Nosso corpo é formado de células, átomos, moléculas tão diversas quimicamente, mas produzem essa unidade orgânica que se chama corpo. Serão as células, os átomos, as moléculas que formam essa unidade? Não será um outro elemento, embora não mensurável, não dissecável, mas tão real quanto as moléculas, que produz a unidade orgânica e vital? É o Espírito Santo o “princípio vital”, princípio pessoal, unificador, corporificador da humanidade. É ele quem patrocina aquele existir em união de amor, aquele laço unitivo, aquele vínculo fraterno do repartir no dia a dia. “Com efeito, o corpo é um e, não obstante, tem muitos membros, mas todos os membros do corpo, apesar de serem muitos, formam um só corpo. Assim também acontece com Cristo. Pois fomos todos batizados num só Espírito para ser um só corpo, judeus e gregos, escravos e livres; e todos bebemos de um só Espírito” (lCor 12,12-13).

É o Espírito Santo o gerador da unidade fundamental da Igreja. A unidade externa deveria ser o sinal, o sacramento dessa unidade interior, profunda. O povo, só é povo quando está unido. Para estar unido precisa do servidor da unidade, o bispo. O bispo só o é em comunhão com todos os bispos, através do pastor comum, o papa, que é o servidor da unidade de todo o Povo de Deus. Os presidentes das Igrejas deveriam deixar-se guiar pelo Espírito, para que os cristãos sentissem que é o Espírito Santo quem governa a Igreja, quem a dirige, coordena, conduz. Convém recordar a admoestação que Pedro faz em sua primeira carta, no capítulo 5, versículo 2-3: “Apascentai o rebanho de Deus que vos foi confiado, cuidando dele, não como por coação, mas de livre vontade, como Deus o quer, nem por torpe ganância, mas por devoção, nem como senhores daqueles que vos couberam por sorte, mas, antes, como modelos do rebanho”.

Os pastores têm que deixar os fiéis sentirem que o Espírito está trabalhando, agindo, vivificando. Isso só é possível quando, conscientes, souberem-se participantes não só de tarefas secundárias, mas participantes da indefectibilidade da fé, conforme pede o Vaticano II, na Lumen Gentium, número 12: “Por este senso da fé, excitado e sustentado pelo Espírito da Verdade, o Povo de Deus, (…) não já recebe a palavra de homens, mas verdadeiramente a palavra de Deus (…): apega-se indefectivelmente à fé uma vez para sempre transmitida aos santos (…); e, com reto juízo, penetra-a mais profundamente e mais plenamente a aplica na vida”.

V. ESPÍRITO UNIFICADOR NA UNIÃO DA CARNE

A noção tomista de Igreja inclui, indiretamente, o Espírito Santo como princípio de unidade que habita em Cristo e em nós, reunindo-nos com ele e nele. Todos os meios externos da graça, sacramentos, escritura, leis, são secundários e subordinados: seu papel é simples­mente dispor os homens para uma união interior com Deus.

No princípio deste século, Émile Mersch estabeleceu a distinção entre a Igreja como “a sociedade dos fiéis batizados sob a direção dos seus legítimos pastores”, e o Corpo Místico, “a unidade dos que vivem a vida de Cristo”.

Mais recentemente, Pio XII, em sua encíclica Mystici Corporis, lançada em 1943, definia a Igreja como Corpo Místico de Cristo, identificando o Corpo Místico com a Igreja católica romana. Nela Pio XII designa o papa e os bispos como juntas e ligamentos do corpo, e afirma que “aqueles que exercem o sacro poder no corpo são os seus primeiros e principais membros”. O leigo apenas “assiste a hierarquia eclesiástica na difusão do reino do divino Redentor”, ocupando lugar honroso, embora muitas vezes humilde, na comunidade cristã.

O Concílio Vaticano II, através de sua Constituição Dogmática Lumen Gentium, enfatizou mais a Igreja como Povo de Deus, distinguindo entre a Igreja como sociedade hierárquica e como corpo de Cristo, afirmando que ambas se relacionam entre si de modo comparável ao com que se relacionam entre si as naturezas humana e divina de Cristo. A estrutura da Igreja se descreve como um instrumento que serve o Espírito de Cristo, que o vivi­fica construindo o seu corpo.

Tanto a figura do Corpo Místico como a do Povo de Deus destacam a relação de todos os fiéis com o Espírito Santo. A imagem de Povo de Deus ressalta a comunhão de pessoas cada uma das quais é individualmente livre.

A mútua união das pessoas sem prejuízo de sua distinção, é propriamente a obra do Espírito Santo, que é no seio da Trindade uma pessoa entre as pessoas do Pai e do Filho. Em relação à humanidade, o Espírito Santo é a pessoa divina que nos torna um só sem deixarmos de ser muitos. A Igreja é uma pessoa (O Espírito Santo) em muitas pessoas (nós). Mas não se pode pensar a união dos homens com Cristo, no Espírito, como uma união orgânica, nem moral, nem ainda jurídica. Trata-se de um novo tipo de união ao nível do espírito. Não quer dizer que se trata de uma união meramente interior. A união dos fiéis com Cristo, no Espírito, é ambas as coisas: uma união interior santificadora que se consuma no mais íntimo do cerne pessoal, e uma união visível, nos laços da fraternidade, da comunidade, selada pelo ministério e pelos sacramentos.

Esta acentuação nas relações entre os fiéis e o Espírito Santo, ajuda a revivificar a espiritualidade e a vida de oração. Dá lugar às iniciativas espontâneas suscitadas pelo Espírito Santo, que concede a cada um como bem lhe apraz e sem consultar previamente a hierarquia; ajuda a restaurar os inter-relacionamentos ardentes e vitais, informais, espontâneos, interpessoais, no seio da Igreja.

É uma das realidades que exerce grande atração ao homem de hoje que sai ao encontro desta união, deste tipo de expressão da fé. As pessoas acham o sentido para suas vidas não em termos de instituições de grande porte que mais dão a impressão de oprimir e despersonalizar, mas em termos informais, pessoais, comunitários.

VI. O ESPÍRITO: FORÇA RENOVADORA

Enquanto obra de Deus, a Igreja é sempre santa. Contudo, ela não é obra puramente de Deus, vinda do céu, mas obra de Deus com os homens, teândrica. Igreja de Deus constituída por homens, que embora purificados e renascidos no batismo, carregam a fraqueza na carne, a opacidade nos olhos, o peso das decisões, o medo das opções comprometedoras. Frente aos homens, a Igreja aparece muito mais como obra dos homens, isto é, o aspecto de pecado é muito mais saliente, mais volumoso.

Há sempre uma grande tensão entre o dom de Deus e aquilo que concretamente os homens fazem com ele. A infidelidade ao dom de Deus, a não correspondência ao apelo de Deus dirigido aos cristãos marca negativamente muitas páginas da história da Igreja. É isto que leva a Igreja a viver em constante vigilância, em estado de revisão permanente, em busca de purificação. Apesar de seus pecados, o dom de Deus persiste sempre, por razão de seu amor eterno, de sua eterna fidelidade. “Afirmar a santidade da Igreja não é excluir o pecado dela, é proclamar a indissolubilidade da união de Cristo com a Igreja”. Portanto, nossa confiança não se firma na eficácia da ação do homem, mas na fidelidade de Deus que está ligado e comprometido com a empresa humana.

A Igreja é santa primeiramente naquilo que recebeu e recebe continuamente de Deus para ser Igreja, sacramento universal de salvação. O Espírito é aquele que nos foi dado para produzir os frutos de santidade: “Para que nele incessantemente nos renovemos (cf. Ef 4,23), deu-nos seu Espírito, que, sendo um só e o mesmo na Cabeça, e nos membros, de tal forma vivifica, unifica e move todo o corpo que seu ofício pôde ser comparado pelos santos Padres com a função que exerce o princípio da vida ou a alma no corpo humano”.

O Espírito Santo habita a Igreja que é seu templo. Por ele Cristo realiza nela as operações de purificação, de renovação, de santificação. Talvez seja por esta razão que Charles Journet, afirme: “A Igreja não existe sem pecadores, mas é sem pecado”. Como tal, a Igreja é sem pecado. O pecado não pertence senão aos membros da Igreja, e, então, são infiéis e como tais estão “fora da Igreja”. Aqui a Igreja é a “Igreja dos Santos”. Parece-nos uma visão platônica de Igreja. A Igreja é uma realidade histórica, concreta, feita por Deus e por homens de vi­são curta, de corações duros, imperfeitos. Enquanto tais não são Igrejas? Não seria melhor dizer com Karl Rahner “Igreja santa dos peca­dores”? A Igreja não existe sem pecadores.

A Igreja é Santa se a considerarmos em si mesma, em seus elementos intemporais, eternos. Os pecadores não formam o Corpo de Cristo enquanto este significa plena comunhão de graça. Mas a Igreja contém pecadores e é no seio dela que eles encontram o perdão, a purificação, a santificação, a renovação, a revivificação. Por isso se marca também como Igreja Penitente. É a Lumen Gentium quem nos autoriza esta declaração quando expressa em seu n. 8: “… a Igreja, reunindo em seu próprio seio os pecadores, ao mesmo tempo santa e sempre na necessidade de purificar-se, busca sem cessar a penitência e a renovação”.

VII. CONCLUSÃO

Um filho nunca poderá assumir uma atitude assim: fechar os olhos e recusar ver o cancro que vitima sua mãe. Deve ser o primeiro a reconhecê-lo e a correr em busca de socorro. “A Santa Mãe Igreja” é uma expressão correta se a entendermos no sentido de que somos gerados por Deus, em Cristo, pela ação do Espírito Santo. É ele, o Espírito, que produz a uiotesía em nós, isto é, a filiação divina. Enquanto ação do Espírito, carisma, graça derramada em nossos corações, filiação, estamos no seio da “Igreja Santa”. Enquanto peregrinamos de estrutura em estrutura, montamos organizações, ou quando tentamos enquadrar a ação de Deus em nossas instituições; enquanto não nos convertermos radical­mente, vivemos na “Igreja do Pecado”, pelo menos sujeita ao pecado. São duas Igrejas? Não. Uma única e mesma Igreja: a teândrica. Como filhos não devemos fechar os olhos para os cancros que ameaçam nossa Mãe. Estamos sempre em busca de remédio. A crítica positiva, a revisão constante, a busca cada vez maior de mais intensa e profunda comunhão, poderão ser a terapia adequada.

Roque Frangiotti