Introdução
Em João 5, a partir do sinal da cura do paralítico que vivia excluído da sociedade política e religiosa, Jesus revela o centro do evangelho.
Nessa narrativa temos uma longa experiência e reflexão das comunidades joaninas, no início do cristianismo. A cura do paralítico é um gesto de Jesus, na Palestina, durante seu ministério. Esse gesto serviu de base para desenvolver a reflexão cristã, no final do primeiro século, sobre a identidade de Jesus, que se proclama igual a Deus, e revela o seu poder como criador e salvador dos homens; e além do mais, revela o sentido da vida que veio comunicar, no presente e no futuro.
Em um único capítulo, temos a oportunidade de seguir o crescimento da comunidade joanina, desde os tempos da Palestina, e o seu florescimento na Ásia Menor. Esse crescimento se faz na explicitação de um paradoxo que manifesta o centro mesmo do evangelho: a exclusão do paralítico e sua cura são o sinal para se compreender a união do Pai e do Filho e da vida que comunicam para a salvação da humanidade.
Para o tema da Campanha da Fraternidade de 1995, “A fraternidade e os excluídos”, o que interessa é ver como apresenta o excluído, em todas as dimensões da exclusão, e como o gesto misericordioso de Jesus revela também todas as dimensões da comunhão que salva. Jesus liberta da exclusão e abre o caminho para a Vida plena que está na união do Pai e do Filho.
I. O paralítico é sinal
A figura do paralítico é um sinal. Indica a dimensão da exclusão. O paralítico da cena è o caso extremo de exclusão. Os outros doentes podiam entrar por si mesmos na piscina. O paralítico, porém, só tem esperança de cura se outros o ajudarem a movimentar-se. Mas não existem outros para ele. Ele é marginalizado pela sociedade, pela religião, pelos vizinhos e pela família.
O paralítico é figura dos doentes excluídos e sem força para sair desta sua situação que destrói a vida, aos poucos e continuamente. De fato, ele representa a multidão de excluídos na situação social da Palestina, no primeiro século. A Palestina estava numa pobreza muito grande. Toda colônia romana enfrentava o problema da tributação dupla: era necessário sustentar o Templo, as famílias sacerdotais, e ainda mandar o tributo para Roma. Muitos se endividaram, nessa situação; perderam suas terras, contraíram doenças e eram obrigados a viver uma vida fora da participação social e religiosa. A pobreza é a causa principal da destruição do corpo humano. Mal alimentadas, mal alojadas, as pessoas enfraqueciam e caminhavam lentamente para a morte.
O paralítico é sinal de miséria, de doença e de morte. É sinal de que o sistema do puro e do impuro, mantido pelo Templo de Jerusalém e pela Lei, não pode libertar e dar vida. A estrutura de morte dominava a Palestina e o mundo antigo sob o imperialismo romano. A exclusão é a presença das forças de morte na vida do povo. É um povo doente e à procura de uma saída. A multidão dos doentes constituía uma parte considerável da população. Numerosos doentes, cegos, coxos e paralíticos viviam deitados no chão à procura de saúde e de vida.
A situação não permitia saída. O povo era mantido doente e marginalizado pela estrutura política do Império Romano, pela estrutura econômica e pela exploração do regime de trabalho.
O Templo e a Lei mantinham essas estruturas de morte. Mesmo suas instituições de ajuda e de cura não conseguiam tirar o povo da doença e do domínio dessas forças de morte. A piscina de cura, em Jerusalém, traz uma cura individual para um “afortunado” que consegue chegar primeiro e tocar nas forças benéficas das águas. Mas, a multidão dos doentes, deitados pelo chão, continuava sem saída. Além do mais essas instituições tornaram-se dominadas pela lógica da exclusão, do puro e do impuro, colocando o Sábado e as instituições acima da vida e da dignidade humana. As instituições tornaram-se organismos fechados e autoritários, sem nenhuma função real de libertação. O Templo mantinha a lógica da exclusão, e a Lei interpretava a Palavra de Deus não como fonte de vida, mas como norma de obediência e de submissão à estrutura sociorreligiosa da vida do povo. Os marginalizados viviam numa situação sem saída, e excluídos até de se beneficiar da ajuda que o sistema de exclusão oferecia.
Nessa situação de morte, a figura do paralítico é um sinal de procura de um mundo novo de vida, e de plena reintegração na comunidade social. Jesus cura o paralítico fazendo dele também o sinal de sua própria obra, que consiste em dar vida, no presente e no futuro. Diante das estruturas de morte do velho mundo (piscina de cura, Sábado), manifesta-se a obra salvífica do Filho em união com o Pai em sua obra criadora e libertadora (Jo 5,17-19).
II. O dom da Vida
Nesse contexto de exclusão e de morte, o centro do evangelho é a boa-nova de que o Filho veio comunicar sua Vida de união com o Pai. O desenvolvimento completo do discurso se faz em torno do sentido da ação de Deus no Sábado (criação e salvação), fato que leva a uma compreensão completa da identidade de Jesus e de sua missão como doador de Vida para a humanidade toda.
1. O paralítico curado é sinal de que a libertação não está na lógica da exclusão do Império e da Lei do puro e do impuro. Mas a saída está no gesto misericordioso de Jesus que dá Vida (Jo 5,1-9a). Jesus é a fonte da Vida para os excluídos e dominados.
2. A controvérsia sobre o poder de Jesus se faz por ocasião da cura no sábado (Jo 5,9b-18). A cura no sábado revela que Jesus é Senhor do Sábado, e age como o próprio Deus (ação na criação, e ação contínua sem repouso, para a salvação da humanidade). Jesus revela-se com o mesmo poder de Deus, e revela-se igual a Deus. Esta obra é ocasião da manifestação das estruturas de morte; os homens da Lei declaram também o seu discernimento: é preciso matar este homem que viola a lei do sábado e blasfema (vv. 16-18). O gesto de libertação, no sábado, torna-se o lugar teológico concreto para a plena revelação da identidade e da missão salvífica de Jesus.
3. Jesus é a fonte da Vida (Jo 5,19-30). Ele se revela como o Juiz definitivo que comunica a vida no presente e no futuro. A obra do Filho consiste em realizar o julgamento: ele tem poder de ressurreição e de Vida. A obra messiânica consiste em comunicar a Vida que não perece. A unidade e igualdade do Pai e do Filho, na vida e na ação é o centro do evangelho (Jo 5,2-25): o Pai e o Filho são um, e vivem a mesma vida. A ressurreição e a vida são uma realidade para o presente que acontece na fé e no amor gratuito. Esse é o prenúncio da vida plena da ressurreição no futuro, no mundo novo que é eterno (Jo 5,25-30).
4. O testemunho de tudo o que acontece na história converge para o próprio testemunho de Jesus. Ele é o centro de todo testemunho, pois é a fonte da Vida, e veio comunicá-la em abundância. O seu testemunho concretiza e revela sua união com o Pai. O testemunho de dois é verídico conforme os critérios da própria Lei, segundo o Deuteronômio. Assim é a ação messiânica de Jesus. O testemunho de João Batista foi simplesmente para preparar este testemunho do Messias (Jo 5,35-37). A obra do Filho, em união com o Pai, é revelação e dom, concretização de seu Amor pelo mundo. Mas o Pai permanece inacessível. Ele é conhecido através da pessoa e da missão do Filho (Jo 5,37-38).
5. O testemunho de Moisés e das Escrituras também apontam para o gesto e para o testemunho de Jesus como fonte de Vida (Jo 5,39-47). As Escrituras são um sinal relativo. Elas apontam para a realidade definitiva que é a obra do Filho. Os homens da lei pensam encontrar a Vida eterna nas Escrituras. Os escritos têm valor se apontam para a realidade que é Jesus. O pecado consistiu em ficar parado até mesmo nas promessas e não ser capaz de ver a realidade em Jesus de Nazaré. Os sinais tornaram-se opacos, e até estruturas incapazes de dar vida (cf. Jo 1,17-18). A realidade está no testemunho que comunica vida, no ato de amor. Isso é válido para Jesus e para os seus discípulos. Estes devem apreender do sinal da cura do paralítico não ser possível encontrar vida tão somente nas estruturas e nas exigências da Lei. A libertação dos excluídos é sinal da vinda do Espírito de Vida e de Comunhão que está na união do Pai e do Filho.
Frei Gilberto Gorgulho