Publicado em maio-junho de 2025 - ano 66 - número 363 - pp. 62-64
29 de junho – SÃO PEDRO E SÃO PAULO
Por Pe. Francisco Cornélo*
Seguidores de Jesus, testemunhas do Evangelho e guardiões da fé
I. Introdução geral
No centro da liturgia desta solenidade está a memória dos apóstolos Pedro e Paulo, as duas testemunhas mais notáveis do cristianismo das origens, de acordo com os escritos do Novo Testamento, cujos legados se estendem pelos séculos afora. Pedro, um pescador galileu transformado em pescador de seres humanos; Paulo, um fariseu fanático e perseguidor de cristãos, transformado em apóstolo das nações. Ambos assumiram um protagonismo incomparável no início da Igreja, a ponto de aventar-se que o livro dos Atos dos Apóstolos poderia até ser chamado de Atos de Pedro e Paulo. Com caminhos e métodos diferentes – como eram tão diferentes em personalidades e histórias de vida –, tiveram em comum a paixão por Jesus Cristo e o zelo pelo seu Evangelho, recebendo, como prêmio, a coroa do martírio.
II. Comentários dos textos bíblicos
1. I leitura (At 12,1-11)
Embora forneça o melhor panorama da vida da Igreja em suas origens, o livro dos Atos dos Apóstolos não é um livro de crônicas, e sim uma obra teológica e catequética, na qual, por meio de narrativas, o autor Lucas quer mostrar que nenhuma força consegue impedir a expansão da Palavra de Deus. É nessa perspectiva que devemos ler todo o livro e, especialmente, o texto indicado pela liturgia como primeira leitura. Trata-se de um dos textos mais vivos e animados de todo o livro. É também a última cena que tem Pedro como protagonista, pois, no capítulo seguinte (cap. 13), entra em cena o protagonismo de Paulo. Obviamente, estamos falando do protagonismo humano, que é secundário, pois os verdadeiros protagonistas do livro são o Espírito Santo e a própria Palavra de Deus, de quem Pedro e Paulo são apenas instrumentos.
O texto reflete um momento delicado na vida da Igreja primitiva: a perseguição promovida pelo rei Herodes, com prisões, torturas e até a morte de um dos apóstolos: Tiago (v. 1-2). Com isso, o autor mostra que a vida dos discípulos vai se configurando cada vez mais à vida do próprio Jesus, na condição de vítimas de perseguição pelos detentores de poder (v. 3-4). Ademais, a prisão de Pedro nos “dias dos Pães Ázimos”, ou seja, no tempo da Páscoa, é a principal demonstração de que o autor quer mostrar uma correspondência entre o destino dos discípulos e o de Jesus. Um dos aspectos mais interessantes que a leitura retrata é a oração da Igreja como fonte de libertação para Pedro (v. 5). Isso ressalta tanto a importância dele para a comunidade de Jerusalém quanto a confiança da Igreja no Senhor. Lucas – o autor do livro – apresenta a oração como uma prática constante da Igreja, em continuidade com o que ele diz de Jesus em seu Evangelho. Com isso, quer dizer que a vida da Igreja reflete a vida de Jesus, e isso é prova de fidelidade.
O milagre da libertação de Pedro é descrito (v. 6-11) com uso de diversas imagens, que visam ressaltar que Deus é o verdadeiro protagonista e Senhor da história, propondo três ensinamentos fundamentais para a vida da comunidade. O primeiro é a eficácia da oração comunitária; o segundo é a proteção de Deus sobre as pessoas escolhidas para seu serviço; o terceiro é a certeza de que nenhuma força ou poder humano é capaz impedir a realização do projeto libertador de Deus. A expressão “anjo do Senhor” (v. 7.11) significa o próprio Deus; é ele quem liberta o ser humano de todo mal, pois é dele que vem a salvação.
2. II leitura (2Tm 4,6-8.17-18)
A segunda carta a Timóteo, da qual é tirada a segunda leitura, é considerada uma espécie de testamento espiritual de Paulo, embora a maioria dos estudiosos considere que o autor real do escrito não foi o apóstolo, e sim algum discípulo muito próximo, que conhecia seus sentimentos e pensamentos. Contudo, independentemente de quem seja o verdadeiro autor, o importante é que nela ouvimos a voz de Paulo e a batida do seu coração.
A carta retrata a fase final da vida do apóstolo, quando já estava na prisão, e revela a consciência tranquila de quem dedicou a vida ao Evangelho de Jesus Cristo (v. 6). Com muita serenidade, empregando linguagem simbólica, ele relata sua apaixonante experiência de vida cristã. Sua tranquilidade de consciência provém da convicção de ter guardado a fé (v. 7). Com isso, quer dizer que anunciou o Evangelho de modo integral e pleno, sem nenhuma distorção (v. 17); foi plenamente fiel ao Senhor. Para expressar seu zelo e sua fé, ele recorre à linguagem do culto (v. 6), o que significa a consciência do martírio que se aproximava e a certeza de ter feito da vida um culto agradável a Deus. Também recorre a imagens do mundo militar e esportivo: “combati o bom combate, completei a corrida” (v. 7).
Enfim, a vida de Paulo foi uma aventura de amor na qual ele fez tudo o que foi possível para o Evangelho ser anunciado. Para isso, contou com a proteção do Senhor em todos os momentos. A conclusão da leitura expressa a confiança que marcou toda a sua vida, por isso termina com um hino de louvor a Deus (v. 18), como deve ser a vida de todos os cristãos.
3. Evangelho (Mt 16,13-19)
O Evangelho deste dia é a versão de Mateus da confissão de fé feita por Pedro, reconhecendo Jesus como “o Messias, o Filho do Deus vivo” (v. 16). Esse episódio é comum aos três Evangelhos sinóticos (Mt 16,13-19; Mc 8,27-30; Lc 9,18-21), mas o relato de Mateus é mais rico e valoriza mais a figura de Pedro. A cena narrada está ambientada na região de Cesareia de Filipe (v. 13), no extremo norte da Galileia. Como o próprio nome indica, Cesareia – homenagem a César – era uma cidade imperial, onde o culto ao imperador romano era praticamente obrigatório. Logo, a confissão da messianidade de Jesus naquele lugar significa clara denúncia e desmascaramento da religião imperial.
A pergunta de Jesus sobre o que dizem dele (v. 13b), ou seja, do Filho do Homem, não quer dizer que ele se preocupasse com sua imagem pessoal, e sim com a eficácia do anúncio pelos seus seguidores. De fato, até então Jesus já tinha realizado muitos sinais entre o povo e ensinado bastante, mas as pessoas ainda não conheciam sua verdadeira identidade. Muita gente o seguia pela novidade que ele trazia: uns pelo seu jeito diferente de acolher os mais necessitados e excluídos, outros para se aproveitarem dos seus milagres. Isso fica claro pela resposta dos discípulos à pergunta sobre a opinião do povo, embora Jesus já estivesse bem-conceituado, pois era reconhecido como um grande profeta (v. 14). Os personagens citados na resposta foram grandes homens, profetas que acenderam a esperança de libertação, anunciando, denunciando e testemunhando.
A pergunta sobre o que as outras pessoas pensavam sobre ele foi apenas um pretexto. O que Jesus queria saber mesmo era o que seus discípulos pensavam. Por isso, pediu também a opinião deles (v. 15), e, em nome de todos, Pedro respondeu solenemente: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo” (v. 16). Trata-se de resposta complexa e profunda. É muito significativo que Jesus seja reconhecido como o Messias esperado, ou seja, o Cristo, o enviado de Deus para libertar seu povo e a humanidade inteira. Como circulavam muitas imagens de messias naquela época, principalmente a de um messias guerreiro e glorioso, o segundo elemento da resposta de Pedro é de extrema profundidade e importância: além de definir a qualidade da messianidade de Jesus, servia para denunciar a falsidade do culto ao imperador romano, que exigia ser reverenciado como filho de uma divindade.
Satisfeito com a resposta de Pedro, Jesus o proclama bem-aventurado (v. 17), pois percebe que ele está aberto aos propósitos do Pai, e é isso que o torna apto a participar da construção da sua comunidade, a Igreja (v. 18). Ao contrário do judaísmo, que necessitava de um templo de pedras, Jesus quer, acima de tudo, pedras vivas na edificação da sua Igreja. Pedro é, pois, a primeira pedra viva. Edificada a Igreja com pedras vivas e seguras como Pedro, Jesus declara que as hostilidades e perseguições – o poder do inferno – não conseguirão destruí-la.
No final, temos a mais significativa declaração de Jesus a Pedro e à comunidade (v. 19), que é, acima de tudo, a outorga de uma missão. A comunidade recebe “as chaves do Reino dos Céus” porque é nela que se faz a experiência da fé e da comunhão profunda com Deus. “Ligar e desligar” é, portanto, imagem da responsabilidade e da missão da Igreja. Se alguém ficar fora do Reino, a causa pode ser a omissão da comunidade. Isso significa que, quando a comunidade cristã vive profundamente o que Jesus ensinou, acontece comunhão perfeita entre o céu e a terra.
III. Pistas para reflexão
A liturgia da Palavra deste dia retrata a profundidade das experiências de encontro e seguimento de Jesus, feitas pelos apóstolos Pedro e Paulo. Cada um, à sua maneira, com a palavra e o testemunho, mostrou ao mundo quem é Jesus, conforme a pergunta central do Evangelho desta festa: “E vós, quem dizeis que eu sou?” (Mt 16,15). Todos os cristãos, em todos os tempos, têm a missão de continuar a responder a essa pergunta, anunciando quem é Jesus Cristo, considerando que a primeira forma de anúncio é o testemunho, a configuração da vida ao Evangelho. Pedro e Paulo fizeram isso e receberam, como prêmio, a coroa do martírio. Questionemo-nos, então, como temos respondido à pergunta de Jesus sobre a sua identidade e como o temos manifestado em nossa vida.
Pe. Francisco Cornélo*
*é presbítero da diocese de Mossoró-RN. Possui mestrado em Teologia Bíblica pela Pontificia Università San Tommaso D’Aquino – Angelicum (Roma). É licenciado em Filosofia pelo Instituto Salesiano de Filosofia – Insaf (Recife) e bacharel em Teologia pela Universidade Católica de Salvador-BA. É professor de Teologia no Centro Universitário UniCatólica do RN. [email protected]