Roteiros homiléticos

Publicado em maio-junho de 2025 - ano 66 - número 363 - pp. 52-55

15 de junho – SANTÍSSIMA TRINDADE

Por Pe. Francisco Cornélio*

O mistério e a beleza de um Deus comunidade de amor

I. Introdução geral

Celebrada no primeiro domingo após Pentecostes, a solenidade da Santíssima Trindade recorda a comunhão de amor que une o Pai, o Filho e o Espírito Santo, as três divinas pessoas, que constituem um único Deus. Esse é o mistério central da nossa fé, do qual emanam todos os demais. No entanto, o fato de ser um mistério não significa que não possa ser explicado nem compreendido, e sim que nenhuma explicação humana é capaz de dizer tudo sobre ele. Portanto, as leituras desta festa não explicam a Santíssima Trindade, como nenhum texto bíblico o faz, mas ensinam muita coisa sobre a identidade do Deus que é uno e trino, à luz do que se diz do seu agir em favor do mundo e da humanidade, sobretudo. A primeira descreve a maneira de Deus criar: ele não suporta a solidão, por isso, antes de criar o universo, criou a sabedoria, para continuar criando em sua companhia, divertindo-se ao lado dela. Na segunda, Paulo recorda que a vida cristã é toda revestida do agir trinitário, sobretudo pelo amor, motivo de esperança para os cristãos. No Evangelho, Jesus anuncia o envio do Espírito Santo, para capacitar seus discípulos na compreensão dos seus ensinamentos e de tudo que recebeu do Pai. Mediante o salmo, somos convidados a contemplar a beleza de Deus na criação, especialmente no ser humano, sua obra-prima.

II. Comentários dos textos bíblicos

1. I leitura (Pr 8,22-31)

O livro dos Provérbios, do qual é tirada a primeira leitura, é o mais expressivo dos escritos sapienciais da Bíblia. É composto de várias coleções de máximas, provérbios e ditos populares, recolhidas da sabedoria popular de Israel em diferentes épocas. Possui também algumas seções poéticas e narrativas. Começou a ser composto ainda em época salomônica, no século X a.C., e foi concluído já no século III a.C., durante a dominação grega, perfazendo cerca de sete séculos de produção literária.

Apesar de estar localizada na primeira parte (cap. 1-9), a leitura pertence à última fase de composição do livro, quando a cultura grega exercia grande influência na juventude, o que era visto como ameaça para as tradições de Israel. Diante disso, preocupados com a educação das novas gerações, escribas e sábios judeus elaboraram grandes reflexões sobre a sabedoria judaica, apresentando-a como infinitamente superior à dos gregos. Vários escritos surgiram nesse contexto, como partes de Provérbios e os livros do Eclesiástico e da Sabedoria. A leitura faz parte de um discurso poético em primeira pessoa (8,12-36), considerado o coração do livro, no qual a própria Sabedoria se apresenta como uma personagem, dando origem à ideia de Sabedoria personificada, pois é retratada como uma pessoa. Detentora da palavra, ela faz um elogio a si mesma, apresentando-se como a primeira das criaturas (v. 22) e atuando como uma espécie de assistente de Deus durante a criação, mas sem fazer qualquer interferência (v. 30).

Embora faça um autoelogio, o que a Sabedoria mais revela é a identidade de Deus, sobretudo seus atributos de criador. Ela se declara possuída por Deus como primícia, demonstrando ser muito querida por ele, criada antes de todas as coisas como modelo e inspiração para a criação inteira (v. 22-26). Enquanto Deus criava, ela estava ao seu lado (v. 27-30a) como uma criança que assiste ao seu pai em seu trabalho e o diverte, tornando o trabalho mais prazeroso e, por consequência, a obra mais bonita (v. 30b-31). Assim, ela revela os traços de um Deus criador e Pai, que se humaniza à medida que dá forma aos seus projetos, sentindo-se, com isso, plenamente realizado. Trata-se de um Deus que não suporta a solidão, mas vive de comunhão, pois, antes de tudo, criou a sabedoria para, em seguida, desenvolver seu programa criador já em companhia dela.

Diante disso, é possível ver na Sabedoria uma representação prefigurada tanto do Filho quanto do Espírito Santo. O que ela diz sobre Deus, ao falar de si mesma, é prefiguração do que Jesus, o Verbo encarnado, revelou e o Espírito Santo recorda perenemente. Contudo, ao estabelecer essa relação, deve-se recordar que, ao contrário da sabedoria, o Filho e o Espírito Santo não são criaturas, mas são Deus mesmo, possuem a mesma natureza daquele que é Criador e Pai.

2. II leitura (Rm 5,1-5)

A segunda leitura é tirada da carta aos Romanos, considerada a obra-prima do apóstolo Paulo. Além de ser a mais longa, é a mais importante das suas cartas, devido à profundidade da reflexão teológica desenvolvida. Estima-se que foi escrita entre os anos 57 e 58 d.C., na cidade de Corinto, quando ele ainda não tinha sequer visitado Roma. No entanto, o apóstolo conhecia a comunidade de lá, pois recebia informações de seus colaboradores de missão e de lideranças locais, tanto por correspondência quanto por contato pessoal, pois a geografia e a infraestrutura do Império Romano favoreciam bastante a comunicação e a circulação de pessoas e ideias. Paulo se serviu dessa situação, utilizando-a em prol da evangelização mediante a constituição de verdadeira rede de comunidades, de modo que, mesmo sem estar presente em todas, conhecia as necessidades de cada uma.

O tema central da carta é a justificação pela fé em Jesus Cristo, em contraposição ao princípio de que a salvação dependia essencialmente do cumprimento das obras da Lei, como defendiam os grupos de tendência judaizante, infiltrados na comunidade. Desse modo, o trecho proclamado na liturgia deste dia pode ser considerado verdadeira síntese da obra. Nele, o autor reafirma solenemente o que foi desenvolvido nos capítulos anteriores – fomos justificados pela fé em Jesus Cristo (v. 1) – e apresenta as consequências imediatas dessa nova realidade, descrevendo a vida cristã em perspectiva trinitária. A fé em Jesus é o ponto de partida, e o primeiro fruto da justificação obtida pela sua mediação é a paz com Deus, o que gera confiança e esperança, pois indica uma condição de plena liberdade do ser humano (v. 2). Diante disso, as tribulações já não afetam a esperança, mas a fortalecem, ao prová-la, tornando-a mais constante e paciente (v. 3-4). De fato, quanto mais provada, mais forte a esperança se torna, por isso ela não decepciona (v. 5a).

Contudo, além das tribulações que a provam, o motivo principal da solidez da esperança é o derramamento do amor de Deus em nosso coração pelo Espírito Santo (v. 5). Com isso, percebe-se que a vida do cristão é toda revestida do agir trinitário. As três divinas pessoas atuam juntas, deixando suas marcas no ser humano, aperfeiçoando continuamente a semelhança criadora. Ademais, como resposta ao agir trinitário em nós, também nos cabe viver trinitariamente, conduzindo nossa existência com fé, esperança e amor, as virtudes teologais que são reflexo da Trindade em nossa vida.

3. Evangelho (Jo 16,12-15)

Após dois domingos de alternância, o Evangelho volta a ser tirado do longo discurso de despedida de Jesus em João (Jo 13,31-16,33), chamado convencionalmente de “testamento de Jesus”, devido ao estilo literário e à relevância teológica que possui. Pertence ao contexto da última ceia, ambientada em Jerusalém. O evangelista aproveita a ocasião para apresentar verdadeira síntese e recapitulação dos elementos essenciais da mensagem de Jesus. Por isso, retrata-o ensinando e conferindo suas últimas recomendações aos discípulos, o que culmina no anúncio do envio do Espírito Santo, em comunhão com o Pai. Em forma de promessa, Jesus faz esse anúncio por cinco vezes (Jo 14,16-17; 14,26; 15,26; 16,7-8; 16,13) ao longo do discurso, o que ressalta a importância do Espírito Santo para a vida da comunidade cristã em todos os tempos. O trecho lido na liturgia contém o quinto e último anúncio.

Ao chegar à última ceia, Jesus tinha plena consciência do que estava para acontecer, sabia da sua morte iminente. Da mesma forma, tinha consciência de já ter ensinado tudo aos seus discípulos, dando-lhes a conhecer todo o seu programa e a essência da sua pessoa, incluindo sua intimidade com o Pai, a ponto de afirmar-lhes: “Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor, mas vos chamo de amigos, porque tudo o que ouvi de meu Pai vos dei a conhecer” (Jo 15,15). Por certo, ser discípulo de Jesus é entrar no seu círculo de intimidade mais profunda, tornando-se seu amigo, assimilando seus ensinamentos e pondo-os em prática, configurando-se a ele no estilo de vida.

Contudo, Jesus sabia também que os discípulos ainda não tinham assimilado tudo; logo, não estavam prontos para continuar a missão confiada, após sua partida deste mundo para o Pai. Portanto, quando ele afirma que ainda tem muitas coisas a dizer (v. 12), não se refere a ensinamentos novos, mas à capacidade de compreensão dos discípulos. Até porque a chave para compreender e interpretar sua mensagem é o mistério da cruz e ressurreição, o que ainda não tinha acontecido. Diante disso, ele anuncia o envio do Espírito Santo, pela quinta vez no discurso, a fim de conduzir os discípulos à plena verdade (v. 13). A verdade plena é ele mesmo, a totalidade da sua pessoa e mensagem. Por conseguinte, é preciso deixar-se conduzir pelo Espírito Santo para conhecer plenamente Jesus e sua mensagem, tendo a capacidade de atualizá-la diante de novas situações e fatos da história. É assim que ele se sente glorificado (v. 14).

Jesus conclui seu anúncio do envio do Espírito Santo com a reafirmação de sua comunhão com o Pai e com o próprio Espírito, revelando a íntima unidade dos três (v. 15). Nisso, o texto revela-se altamente trinitário, mesmo sem propor qualquer definição do mistério. O Espírito é responsável por anunciar à comunidade tudo o que recebe de Jesus; e tudo o que Jesus concede ao Espírito recebeu do Pai. Logo, a presença perene de Jesus na comunidade, por meio do Espírito, é também presença do Pai. É essa relação que torna sempre novo e atual tudo o que Jesus viveu e ensinou. Deixar-se conduzir pelo Espírito Santo é entrar também nessa comunhão profunda com o Pai e o Filho.

III. Pistas para reflexão

Esta solenidade não é ocasião para tentar explicar o mistério da Santíssima Trindade. É importante ressaltar, com base nas leituras, que Deus se deixa conhecer pela sua forma de atuar no mundo, sobretudo em favor da humanidade. Em todas as leituras, prevalece a imagem de um Deus que se relaciona, que é comunhão em si mesmo e se abre à comunhão com o universo inteiro. Da imagem que temos de Deus depende nossa relação com ele, por isso é importante percebê-lo próximo, criando laços. Que a certeza da comunhão trinitária estimule a vida fraterna, a solidariedade e o amor em nossas comunidades.

Pe. Francisco Cornélio*

*é presbítero da diocese de Mossoró-RN. Possui mestrado em Teologia Bíblica pela Pontificia Università San Tommaso D’Aquino – Angelicum (Roma). É licenciado em Filosofia pelo Instituto Salesiano de Filosofia – Insaf (Recife) e bacharel em Teologia pela Universidade Católica de Salvador-BA. É professor de Teologia no Centro Universitário UniCatólica do RN. [email protected]