Roteiros homiléticos

Publicado em maio-junho de 2025 - ano 66 - número 363

8 de junho – PENTECOSTES

Por Pe. Francisco Cornélio*

Como prometido, o Espírito Santo é derramado sobre o mundo

I. Introdução geral

Com esta solenidade, a Igreja celebra a plenitude de todo o mistério pascal: o envio do Espírito Santo – dom maior do Ressuscitado, em comunhão com o Pai – sobre a comunidade dos discípulos reunidos em Jerusalém, no dia de Pentecostes, como embrião da Igreja, hoje presente no mundo inteiro. Essa celebração foi amplamente preparada ao longo de todo o tempo da Páscoa, sobretudo pela liturgia dos dois últimos domingos, quando o Espírito Santo foi apresentado, em forma de promessa, como defensor (6º domingo) e força do alto (Ascensão). O que celebramos nesta solenidade, portanto, é o pleno cumprimento dessa promessa, como tão bem retrata a liturgia da Palavra. É importante recordar que os autores do Novo Testamento situaram esse evento na história em diferentes perspectivas, de acordo com as necessidades concretas de suas comunidades e suas respectivas linhas teológicas. Lucas, o autor dos Atos dos Apóstolos, narrou-o em forma de teofania, seguindo modelos do Antigo Testamento, e situou-o no dia da antiga festa judaica de Pentecostes, quando os judeus celebravam a entrega da Lei de Deus a Moisés, cinquenta dias após a Páscoa, conforme o relato da primeira leitura. Para o autor do Quarto Evangelho, o Espírito Santo foi comunicado aos discípulos no dia mesmo da ressurreição, como mostra o texto do Evangelho. Paulo, de sua parte, em vez de narrar o envio do Espírito Santo como um evento, opta por falar dos seus efeitos concretos na vida da comunidade: gerar unidade na diversidade, tendo em vista o bem comum, como se vê na segunda leitura.

II. Comentários dos textos bíblicos

1. I leitura (At 2,1-11)

Pentecostes era uma das grandes festas judaicas, junto com a Páscoa e a festa das Tendas. Inicialmente, era chamada de festa das Semanas, por ser celebrada sete semanas após a Páscoa. A partir da dominação grega, recebeu o nome de Pente­costes (Tb 2,1; 2Mc 12,32), cujo significado literal é “quinquagésimo dia”, o que equivale à soma das sete semanas mais um dia. Daí o sentido de plenitude, pois o número sete evoca perfeição e, multiplicado por ele mesmo, resulta em totalidade, inteireza. Como quase todas as festas judaicas, também Pentecostes tem suas origens ligadas à vida agrícola. Era a festa da colheita e, para sua celebração, os peregrinos iam até Jerusalém levando como ofertas os melhores grãos e frutos da terra, como sinal de gratidão a Deus. Com o passar do tempo, perdeu sua relação com a agricultura, ganhando novo sentido: os judeus passaram a celebrá-la como recordação do dom da Lei a Moisés e a constituição do povo de Deus ao redor do Sinai. Na época do Novo Testamento, esse novo sentido já estava consolidado.

Como artifício literário, Lucas, autor do livro dos Atos dos Apóstolos, serve-se desse contexto, fazendo coincidir, em seu relato, o envio do Espírito Santo aos discípulos com a festa judaica de Pentecostes (v. 1). Por ocasião da festa, a cidade de Jerusalém estava repleta de judeus peregrinos de todo o mundo (v. 5.9-11), que tinham ido agradecer o dom da Lei. Assim, Lucas ensina que o Espírito Santo é a nova Lei. Para permanecer fiel a Jesus, a comunidade cristã já não necessita observar os preceitos da Lei mosaica, mas deve apenas estar aberta e sensível ao Espírito Santo, o dom do Ressuscitado por excelência. Para ilustrar ainda mais essa relação, o relato é construído com elementos semelhantes aos da teofania do Sinai, como o vento e o fogo (v. 2-3; Ex 19,16-19).

Ao contrário da Lei, destinada a um único povo, o Espírito Santo é acessível a todos os povos da terra, facilitando a comunicação e a comunhão, ao invés de separação. Por isso, o primeiro efeito do Espírito Santo é a compreensão recíproca: cada um se expressa do seu modo, sem negar os traços da sua cultura (v. 4), e é compreendido e respeitado pelo outro da maneira que é (v. 5). Isso é o advento de um novo mundo, com a superação de todas as barreiras que impedem a compreensão e a convivência fraterna entre os povos. A referência a “outras línguas” (v. 5), aqui, não é ao fenômeno carismático da glossolalia, mas à diversidade de idiomas e culturas representadas em Jerusalém (v. 9-11).

Enquanto o evento do Sinai deu origem a um único povo, a cena descrita por Lucas em Pentecostes marca o início da unidade entre todos os povos da terra, congregados pelo Espírito Santo para levar adiante o projeto libertador de Jesus Cristo.

2. II leitura (1Cor 12,3b-7.12-13)

A comunidade de Corinto era reconhecida pelo fervor espiritual e pela riqueza de dons – carismas – que possuía. No entanto, havia sérios problemas internos, com muitas divisões, conflitos e rivalidades entre seus membros, exatamente porque tinham dificuldades de pôr os dons recebidos a serviço de todos. Isso gerou muitas preocupações e até desgostos em Paulo, que a amava com um amor semelhante ao de um pai e de uma mãe, uma vez que foi ele quem a fez nascer para a fé em Jesus Cristo. No pequeno trecho da sua primeira carta dirigida à comunidade, empregado como segunda leitura neste dia, ele chama a atenção dos seus membros para os efeitos concretos do Espírito Santo, que é fonte de todos os dons e, por consequência, princípio de unidade.

Como primeiro efeito do Espírito Santo, Paulo aponta o reconhecimento de Jesus como Senhor (v. 3b). Trata-se de dado fundamental, pois quer dizer que a fé em si já é um dom e, portanto, o Espírito Santo está em todos os membros da comunidade, e não apenas naqueles que foram contemplados com carismas especiais, como alguns consideravam. Daí deriva a certeza de que é um só o Espírito que opera na comunidade, gerando uma diversidade de dons e ministérios (v. 4-6) em vista do bem comum (v. 7). De fato, a maioria dos conflitos na comunidade tinham surgido porque os detentores de dons e carismas especiais se consideravam superiores aos demais membros, usando o que tinham recebido na gratuidade do Espírito para o proveito pessoal, alimentando vaidades, despertando rivalidades, quando na verdade deveriam estar a serviço da unidade e da edificação de todos.

Na imagem do corpo com seus vários membros, Paulo encontra a melhor representação de uma comunidade, com sua pluralidade de dons, carismas e ministérios (v. 12). Com isso, ele exorta os cristãos de Corinto e os de todos os lugares, em todos os tempos, a viver a unidade na diversidade (v. 13). Quando uma comunidade alimenta divisões, espírito de competição e vaidades, está se fechando ao Espírito Santo e, consequentemente, desvinculando-se de Jesus Cristo.

3. Evangelho (Jo 20,19-23)

João situa a efusão do Espírito Santo pelo Ressuscitado em seus discípulos no mesmo dia da ressurreição, o primeiro dia da semana (v. 19), como mostra o Evangelho desta solenidade, um texto que já foi lido no 2º domingo da Páscoa em uma versão mais longa. Embora a Igreja tenha apreciado mais o esquema de Lucas (primeira leitura), a perspectiva de João parece ter maior sentido. Amedrontada e sem poder de ação, a comunidade dos discípulos necessitava com urgência da força do Espírito para abrir suas portas e, vencendo o medo, iniciar a missão de reconciliar a humanidade consigo mesma e com Deus, conforme o mandato do Ressuscitado.

Embora curto, o texto é muito rico. Começa com um dado que evidencia a necessidade do Espírito, o outro Defensor prometido por Jesus: os discípulos estavam reunidos com portas fechadas, com medo dos judeus (v. 19). O termo “judeus”, aqui, não significa o povo em si, mas as autoridades responsáveis pela execução de Jesus. É inegável que os discípulos estavam em crise e a continuidade do projeto libertador de Jesus estava em risco. Por isso, o Ressuscitado se manifestou no meio deles e deu-lhes sua paz, dom que, nesse contexto, significa a confiança e a coragem, antídotos ao medo. Jesus comunica sua paz estando no meio dos discípulos, e isso significa que, para a Igreja viver os propósitos do Evangelho, é indispensável que no centro da sua existência esteja o Ressuscitado; a comunidade não pode ter outra referência que não seja ele. Por isso, ao se manifestar, o Ressuscitado aparece sempre no meio.

Após comunicar sua paz aos discípulos, Jesus mostrou as mãos e o lado (v. 20a), como sinal da continuidade entre o Ressuscitado e o Crucificado. Além dessa continuidade, as mãos e o lado são uma síntese da vida de Jesus: as mãos são sinais do serviço e de todo o bem que fez em favor da humanidade, enquanto o lado significa o coração com o qual amou os seus até o fim, a ponto de dar a vida por eles. Com isso, o evangelista diz que o Ressuscitado continua servindo e amando os seus, mas de uma maneira nova, já não condicionada às limitações de tempo e espaço, como antes. Dessa certeza brota a alegria dos discípulos (v. 20b).

Oferecendo novamente a paz, Jesus envia os discípulos com a mesma autoridade com que fora enviado pelo Pai (v. 21). Em seguida, confere o dom por excelência, o Espírito Santo (v. 22) – sem o qual o envio não teria sentido nem eficácia –, cumprindo sua maior promessa (Jo 14,16.26; 15,26). Junto com o Espírito prometido, a comunidade cristã recebe a missão de reconciliar a humanidade consigo mesma e com Deus, continuando, assim, a obra de Jesus. Por isso, os discípulos recebem a missão de perdoar pecados (v. 23). Esse mandato não significa que a Igreja tem poder para determinar se um pecado deve ser perdoado ou não, e sim que ela tem a responsabilidade de chegar a todos os lugares e comunicar o amor de Jesus. O que gera o perdão é o amor. Os pecados são perdoados à medida que o amor de Jesus se espalha por todos os lugares. Só há risco de permanecerem pecados sem perdão se os discípulos de Jesus forem omissos e deixarem de comunicar seu amor.

Credenciado por João Batista como aquele que tira o pecado do mundo (Jo 1,29), Jesus compartilha essa responsabilidade com a comunidade cristã. Para isso, é necessário deixar-se impulsionar pelo Espírito e amar sem medidas, a exemplo dele.

III. Pistas para reflexão

O sentido desta celebração ultrapassa o marco cronológico que delimita a conclusão do tempo pascal. Nela, temos a confirmação da fidelidade de Jesus aos seus seguidores de todos os tempos, também destinatários do seu Espírito, que sopra onde quer. Por isso, é importante explicar bem as leituras, contextualizá-las, mostrando que as diferentes perspectivas de cada autor não indicam contradição, mas já são demonstração da liberdade na maneira de atuar do Espírito Santo. A missão de continuar o projeto libertador de Jesus, confiada oficialmente à Igreja na ascensão, só pode ser cumprida com a assistência do Espírito Santo e a devida abertura às suas intuições. De fato, é o Espírito quem mantém a Igreja alinhada ao projeto de Jesus.

Pe. Francisco Cornélio*

*é presbítero da diocese de Mossoró-RN. Possui mestrado em Teologia Bíblica pela Pontificia Università San Tommaso D’Aquino – Angelicum (Roma). É licenciado em Filosofia pelo Instituto Salesiano de Filosofia – Insaf (Recife) e bacharel em Teologia pela Universidade Católica de Salvador-BA. É professor de Teologia no Centro Universitário UniCatólica do RN. [email protected]