Roteiros homiléticos

Publicado em março-abril de 2025 - ano 66 - número 362 - pp. 58-61

20 de abril – DOMINGO DA PÁSCOA NA RESSURREIÇÃO DO SENHOR

Por Junior Vasconcelos do Amaral*

“Ele devia ressuscitar dos mortos”

I. INTRODUÇÃO GERAL

Celebramos hoje o dia sem ocaso, o domingo da Páscoa na Ressurreição do Senhor. É o dia que o Senhor fez para nós, como canta alegre o salmo dessa assembleia santa. Expressa-se o convite à alegria, à exultação e à felicidade. Rezamos o mistério fontal de nossa fé: o Cristo vivo e ressuscitado. Ele é vencedor da morte, garantindo-nos a esperança da feliz ressurreição, no encontro definitivo com o Senhor, na glória eterna.

Na primeira leitura, dos Atos dos Apóstolos, Pedro proclama um discurso que, por um lado, acentua a responsabilidade do povo, o qual prega Jesus na cruz e o mata, e, por outro, destaca a ação do Pai, que, por sua onipotência, ressuscita o Cristo ao terceiro dia.  A ação da Igreja nascente e dos apóstolos é pregar e testemunhar ao povo a ação salvífica de Jesus ressuscitado, permitindo-lhes perceber que a autoridade-poder do Senhor vem do Pai. Na segunda leitura, da carta aos Colossenses, por um lado, ratifica-se a salvação trazida por Cristo e sua primazia no mundo; por outro, acentua-se o despertar da ética em vista da fé. A expressão “esforçai-vos por alcançar as coisas do alto” (v. 1b) marca o empenho prático do cristão em conformar suas ações do cotidiano da vida com sua profissão de fé. O texto evangélico revela não só a incredulidade dos discípulos no dia da Páscoa, mas também como Pedro e João chegaram à fé no Ressuscitado. Maria Madalena recebe também notoriedade, uma vez que foi ela, uma mulher, a primeira testemunha do túmulo vazio. Ela é a “Apóstola dos apóstolos”, como afirmou Santo Tomás de Aquino. Assim, celebrando este dia solene e alegre, confiemo-nos ao Senhor para que, na vivência dos valores evangélicos e cristãos, possamos um dia participar da glória da eternidade, quando Deus nos chamar desta vida à plenitude.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (At 10,34a.37-43)

Nos cinquenta dias pascais, começando com esta liturgia, leremos, cotidianamente, trechos dos Atos dos Apóstolos. A comunidade cristã primitiva torna-se modelo e exemplo para a vivência da fé no hoje de nossa vida. Do mesmo modo que o Ressuscitado iluminou a experiência dos primeiros cristãos, assim também deve iluminar nossa vida, nossos lares, famílias e comunidades.

Estamos diante de um discurso querigmático do apóstolo Pedro. Nessa altura do livro (cap. 10), tal discurso já não se destina somente ao povo hebreu – como vemos, por exemplo, em At 2,14-36 –, mas sim a todos aqueles que, pela fé, buscam a Deus. Vai cumprindo-se, desse modo, o mandato de Jesus, presente nos Evangelhos, de que a Boa-nova da salvação seja anunciada até os “confins do mundo”. Pedro começa a dizer quem é Jesus e desenvolve, logo em seguida, a missão que ele realizou. O Senhor foi aquele “ungido por Deus com o Espírito Santo e com poder” (v. 38a). Ele fez o bem, curou as pessoas e expulsou demônios. Contudo, o autor sagrado faz questão de ratificar: “porque Deus estava com ele” (v. 38c). O poder-autoridade – exousía – de Jesus não emana dele mesmo, mas do Pai. Toda a sua missão não é realizada autonomamente, mas em comunhão, participação e integração com a vontade de Deus todo-poderoso.

O discurso petrino culmina no anúncio da paixão, morte e ressurreição do Senhor: “eles o mataram, pregando-o numa cruz. Mas Deus o ressuscitou no terceiro dia [...]” (v. 39c-40a). Se as autoridades judaicas acreditavam que, eliminando Jesus, se silenciaria a mensagem anunciada pelo Senhor, a morte, pelo contrário, torna-se oportunidade de vida nova, vida ressuscitada, vida gloriosa. Com a ressurreição do Mestre, seus discípulos são (re)animados à missão, anunciando e testemunhando o que receberam do Senhor. O mandato de Jesus é claro: ele “nos mandou pregar ao povo e testemunhar que Deus o constituiu Juiz dos vivos e dos mortos” (v. 42). O apóstolo Pedro finaliza sua pregação, dizendo como todos aqueles que o escutam podem associar-se ao Cristo: crer em Jesus é condição para a remissão dos pecados e, consequentemente, horizonte para alcançar a salvação.

2. II leitura (Cl 3,1-4)

A carta aos Colossenses tem seu ponto central no mistério de Cristo: o Filho, Deus eterno com o Pai, em determinado momento da história, assumiu a natureza humana. Jesus Cristo é Criador junto com o Pai; mas, por sua vez, assumiu uma natureza criada. Por isso, é o primeiro dos seres humanos e superior a todos eles. Sua atuação é decisiva na criação de todas as coisas e, também, na nova criação, que é a regeneração da ordem da graça, levada a cabo mediante sua entrega na cruz. Por isso, Cristo é a “cabeça” de todo o universo, de todas as realidades terrenas e da Igreja. Por meio da salvação do ser humano, ele reconcilia tudo o que existe. Antes de Cristo não há vida nem morte eterna. Tudo passa por ele. O Filho de Deus não é somente o membro mais nobre da Igreja, mas é também seu princípio de vida e de atividade. Ele deve ser posto acima de todas as realidades, como cabeça salvífica e centro de convergência.

Com essa moldura teológica, encontramo-nos com essa exortação do autor sagrado. Ele nos convida a viver uma vida, de fato, verdadeira, diferente da anterior. Nossa fé na ressurreição nos desperta para as coisas do alto, como diz o texto. Na verdade, essa leitura deseja despertar-nos para um compromisso ético, impulsionado pela fé. Nós, que cremos, rezamos e celebramos que Cristo ressuscitou, carecemos de que nosso modo de ser, de falar e de agir no mundo com os irmãos e irmãs seja, cada vez mais, parecido com o do Senhor: “esforçai-vos por alcançar as coisas do alto” (v. 1b). É preciso deixar de lado a antiga vida, de pecado, de trevas, de “escravidão”, e assumir a liberdade, a graça e a luz que vêm de Deus, por meio de seu Filho, nosso Senhor Jesus Cristo.

3. Evangelho (Jo 20,1-9)

A ressurreição do Senhor é testemunho vivo, fervoroso e provocante na comunidade dos discípulos de Jesus. Cantamos na “Sequência” desta liturgia: “Vi Cristo ressuscitado, o túmulo abandonado”; e, logo depois: “Ressuscitou de verdade. Ó Rei, ó Cristo, piedade!” A ressurreição do Senhor é verdadeira e testemunhada por aqueles que viram ou o túmulo vazio, ou o Ressuscitado numa de suas aparições.

A cena do Evangelho narra uma dessas situações. Era domingo, o primeiro dia da semana, dia que se tornará a oportunidade da reunião da comunidade. Transcorridos os fatos da paixão e da morte de Jesus, Maria Madalena foi ao túmulo, possivelmente para ungir o corpo do Senhor, em sua sepultura, ainda de madrugada – a notícia da ressurreição, luz que dissipa todas as trevas, ainda não havia atingido a comunidade dos discípulos. Contudo, um fato inesperado e surpreendente é vivenciado por Maria Madalena: a pedra tinha sido retirada do túmulo. Como e por que razão uma pedra tão grande e pesada foi retirada da entrada do túmulo? Ela sai em disparada e se encontra com Pedro e o discípulo amado. Madalena está angustiada: “Tiraram o Senhor do túmulo, e não sabemos onde o colocaram” (v. 2b).

Ao receberem a notícia, os dois discípulos correm em direção ao centro da cena: encontram o sepulcro vazio. O discípulo amado chega primeiro, talvez porque fosse mais jovem. Contudo, não entra – é a imagem do amor cristão que sabe esperar, com expectativa e alegria, os tempos e os momentos de Deus. Ele espera Pedro, o chefe do grupo dos Doze, aquele sobre o qual recaía a autoridade dos discípulos. Por um lado, o que marca a cena é a incredulidade dos seguidores de Jesus (v. 8-9): “eles ainda não tinham compreendido a Escritura, segundo a qual o Senhor devia ressuscitar dos mortos”. Contemporaneamente, corremos o mesmo risco: de sermos homens e mulheres incrédulos, racionais, positivistas e fechados à graça e à ação de Deus na história. Por outro lado, ressalta-se a postura do discípulo amado: “Ele viu e acreditou” (v. 8c). Ele crê na ressurreição de Jesus e no cumprimento das Escrituras (v. 9).

Teologicamente, essa cena tem muito a nos dizer e ensinar. Somente aquele que ama verdadeiramente consegue “enxergar” esperança, vida nova e ressurreição mesmo num cenário de morte, medo e angústia. O coração do discípulo amado era aquele que estava na mesma sintonia do coração do Senhor – tanto que, na cena da última ceia, ele estava reclinado no peito de Jesus. O amor do discípulo se torna, dessa forma, esperança viva, testemunho autêntico, ímpeto missionário para uma nova fase da vida das comunidades nascentes. Agora, é preciso anunciar: as Escrituras se cumpriram, Cristo venceu, ressuscitou, as cadeias da morte não foram suficientes para acorrentá-lo. Além disso, a primeira testemunha desse evento extraordinário e fundante é uma mulher, Maria Madalena – chamada, posteriormente, de Apóstola da ressurreição. Aqui, revela-se, nas entrelinhas, mesmo num contexto patriarcal e machista, o papel preponderante da mulher. Ela foi a primeira a receber a Boa Notícia e foi a primeira a anunciá-la, corajosamente.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

Chamar a comunidade a viver intensamente este dia de alegria e fé, no espírito de paz e fraternidade. O dia da Páscoa se estenderá por oito dias, na chamada oitava pascal, para nos recordar que um dia apenas é muito pouco para vislumbrar e saborear a graça da vida nova que nos vem de/por Cristo. Perceber que entre nós há sinais de ressurreição e vida nova quando vivemos o perdão, a solidariedade e somos capazes de olhar para o sepulcro de nossa existência, notando que nele o Senhor deixa sua luz e as trevas nunca serão a maior e mais forte realidade. Vivenciar no mundo atual, marcado por tanta crucifixão e sofrimento, a certeza da solidariedade de Deus, que liberta todo gênero humano da morte e da decepção pelo fracasso. Quando nos sentimos fracos é que somos fortes, e quando nos sentimos abandonados é que entendemos o que vem a ser ressurreição: a confiança total em Deus.

Junior Vasconcelos do Amaral*

*é presbítero da arquidiocese de Belo Horizonte-MG e vigário episcopal da Região Episcopal Nossa Senhora da Esperança (Rense). Doutor em Teologia Bíblica pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje), realizou parte de seu doutorado na modalidade “sanduíche”, estudando Narratologia Bíblica na Université Catholique de Louvain (Louvain-la-Neuve, Bélgica). Atualmente, é professor do Departamento de Teologia e do Programa de Pós-Graduação “Mestrado Profissional em Teologia Prática” na PUC-Minas, em Belo Horizonte, e desenvolve pesquisas sobre análise narrativa, sobre Bíblia e psicanálise e sobre teologia pastoral. E-mail: [email protected]