Roteiros homiléticos

Publicado em janeiro-fevereiro de 2025 - ano 66 - número 361 - pp. 54-57

9 de fevereiro – 5º DOMINGO DO TEMPO COMUM

Por Gisele Canário*

O chamado dos primeiros discípulos

I. INTRODUÇÃO GERAL

O 5º domingo do Tempo Comum suscita uma reflexão sobre o chamado de Deus a quem deseja seguir seu projeto. As leituras enfatizam o compromisso com o Deus da vida, a aceitação de nossa própria indignidade e a transformação que ocorre quando nos entregamos a uma vida fundamentada em caminhos de amor e de justiça. Este domingo é um convite a sermos mensageiros e instrumentos do Reino de amor, proclamando sua graça e espalhando sua mensagem que cura e acolhe a todos, independentemente de quem sejam e a que cultura ou povo pertençam.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (Is 6,1-2a.3-8)

O chamado de Isaías descrito na leitura ocorre no século VIII a.C., no ano da mor- te do rei Ozias, um período de forte crise política e religiosa. Esse evento é relevante para ter uma compreensão do impacto e mesmo da urgência da visão de Isaías. Tal visão é uma espécie de teofania, experiência rara e transformadora para qualquer profeta.

Os serafins, criaturas angelicais encontradas apenas nesse texto em toda a Bíblia, são apresentados com o intuito de ressaltar a santidade divina mediante a tríplice repetição “santo, santo, santo”, demonstrando a separação de Deus de tudo aquilo que é profano. No Antigo Testamento, o termo “fumaça” (ashan) está associado à presença divina (cf. Ex 19,18; 1Rs 8,10-11), simbolizando a grandiosidade de Deus e a incapacidade humana de suportar sua presença, caso não haja mediação.

Um dos serafins é quem purifica os lábios de Isaías com uma brasa retirada do altar, a qual simboliza a purificação dos pecados e a capacitação para a profecia. O termo “brasa” (riṣpâ) vem da raiz hebraica ר-צ-פ) r-ṣ-p), que pode estar relacionada ao conceito de ardência ou a algo queimado. Essa raiz aparece raras vezes na Bíblia, tornando riṣpâ um termo específico e bastante único. Por isso, no contexto teológico, essa brasa retirada do altar é quem purifica e capacita a resposta de Isaías: “Aqui estou! Envia-me”, refletindo sua disponibilidade e transformação radical.

Isaías agora é um homem consciente de sua impureza e se transforma em um profeta ousado, disposto a proclamar a mensagem do Deus da vida. Essa sua missão é central para compreender a vocação profética no Antigo Testamento.

2. II leitura (1Cor 15,1-11)

Nessa leitura, Paulo apresenta um argumento importante sobre a fé cristã, funda - mentada na morte, sepultamento e ressurreição de Jesus Cristo. Ele reafirma a narrativa essencial do Evangelho e sua importância contínua para os crentes. Enfatiza que a ressurreição é um ponto crucial da fé cristã e recorda a graça transformadora de Deus, que capacita seus seguidores a proclamar essa verdade. Além disso, posiciona-se como um exemplo dessa transformação, passando de perseguidor da Igreja a fervoroso apóstolo, cuja vida e missão são impactadas pela experiência pessoal da graça divina. Ao conectar sua própria transformação à mensagem por ele pregada, Paulo reforça a credibilidade de seu testemunho, bem como a continuidade do que Deus é e representa na vida daqueles que respondem ao Evangelho de Jesus.

3. Evangelho (Lc 5,1-11)

Ao chegar às margens do lago de Genesaré, Jesus experimenta uma recepção calorosa das pessoas, em contraste com a rejeição enfrentada anteriormente em seu próprio povoado. Os pescadores que o cercam não buscam milagres sensacionais como aqueles de Nazaré, mas desejam ouvir a Palavra de Deus, aquilo de que realmente necessitam. O ensinamento de Jesus ocorre não em um ambiente formal, como uma sinagoga, mas em meio à natureza, com as pessoas reunidas à margem e ouvindo-o falar não de um assento elevado, mas de um barco humilde, sobre as águas calmas do lago.

O relato da pesca milagrosa no lago da Galileia foi amplamente difundido entre os primeiros cristãos. Diversos evangelistas registraram esse episódio, mas somente Lucas concluiu a narrativa com uma cena comovente, protagonizada por Simão Pedro, discípulo simultaneamente crente e consciente de seus pecados. Profundamente tocado pela fé em Jesus, Pedro deposita mais confiança nas palavras daquele mestre do que na própria experiência. Embora saiba que não é comum pescar ao meio-dia no lago, especialmente após uma noite sem sucesso, ele decide obedecer a Jesus: “Mas, em atenção à tua palavra, vou lançar as redes” (v. 5).

Pedro revela-se também alguém de coração sincero, ao reconhecer sua própria pecaminosidade diante da extraordinária pesca obtida. Ele se lança aos pés de Jesus e, com espontaneidade admirável, declara: “Senhor, afasta-te de mim, porque sou um pecador!” (v. 8). Diante de todos, reconhece ser indigno de estar na presença de Jesus.

Por sua vez, Jesus, diante da consciência de Pedro sobre o próprio pecado, não se afasta; ao contrário, ele o chama para uma missão transformadora: “Não tenhas medo! De hoje em diante tu serás pescador de homens” (v. 10). Jesus remove o medo de Pedro de ser um discípulo pecador e o associa à sua missão de reunir e chamar pessoas de todas as condições para participar do projeto libertador do Deus da vida.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

– Resposta ao chamado. Assim como Isaías, Pedro e Paulo, somos desafiados e convidados a responder ao chamado do Deus da vida. Estamos prontos para dizer “Aqui estou! Envia-me” e seguir Jesus, abandonando nossas próprias vontades e confortos em favor da vontade do amor e da justiça?

Purificação e transformação. A visão de Isaías e a experiência de Pedro na pesca milagrosa destacam a necessidade contínua de purificação e transformação do nosso ego. Estamos abertos à purificação que Deus deseja realizar em nossa vida e à transformação que Jesus oferece, capacitando-nos para cumprir nossa missão como discípulos?

Obediência e fé. Pedro obedeceu à palavra de Jesus e testemunhou um milagre! Dessa mesma forma, somos desafiados a examinar onde precisamos crescer em fé e obediência em nossa vida. Em que áreas estamos hesitantes em obedecer plenamente a Deus, e como podemos fortalecer nossa fé para receber as bênçãos que ele deseja nos conceder? Por que, como Igreja, resistimos tanto a reconhecer nossos pecados e confessar nossa necessidade de conversão? O pecado permeia tanto os fiéis quanto as instituições, desde a hierarquia até o povo de Deus, das lideranças às comunidades cristãs. Todos necessitamos de um caminho de conversão!

Proclamação do Evangelho. Uma Igreja que reconhece corajosamente os próprios pecados não é mais verdadeiramente evangélica do que uma instituição que se esforça em vão para esconder suas fraquezas perante o mundo? Nossas comunidades não se tornam mais dignas de confiança quando colaboram com Jesus na missão evangelizadora, humildemente reconhecendo os próprios pecados e comprometendo-se com uma vida cada vez mais alinhada aos princípios evangélicos? Não há muito para aprender hoje com o apóstolo Pedro, que reconheceu seus pecados diante de Jesus?

Convite ao compromisso. O 5º domingo do Tempo Comum nos desafia a reconhecer o profundo amor de Deus por todos nós, a assumir nossa própria indignidade e a acolher a graça profética que capacita para a missão. Que possamos, como Isaías, Paulo e Pedro, responder ao chamado de Deus com fé, obediência e disposição, proclamando a mensagem que cura a todos e vivendo como discípulos de Jesus. Que nossa vida manifeste a resposta corajosa e humilde ao chamado de Jesus: “Não tenhas medo; não tenhas receio de reconhecer tua condição de pecador e de aproximar-te de mim”. Esta é a experiência do fiel: ele reconhece sua pecaminosidade, mas, ao mesmo tempo, sabe-se aceito, compreendido e amado incondicionalmente pelo Deus revelado em Jesus.

Gisele Canário*

*é mestra em Teologia, com ênfase em Exegese Bíblica (Antigo Testamento), pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Possui graduação em Teologia pelo Instituto São Paulo de Estudos Superiores. É licenciada em Geografia pela Universidade Cruzeiro do Sul e assessora no Centro Bíblico Verbo, onde atua, desde 2011, com a confecção de material para estudos bíblicos, gravação de vídeos, formação em comunidades eclesiais e cursos bíblicos on-line.