Roteiros homiléticos

Publicado em janeiro-fevereiro de 2025 - ano 66 - número 361 - pp. 52-54

2 de fevereiro – APRESENTAÇÃO DO SENHOR

Por Gisele Canário*

Revelação e glória para seu povo

I. INTRODUÇÃO GERAL

A festa da Apresentação do Senhor é um momento importante no calendário litúrgico. A celebração rememora a apresentação de Jesus no templo, rito judaico de purificação e consagração ao Senhor, conforme prescrito na Lei de Moisés. Esse evento cumpre a Lei e, mais do que isso, revela Jesus como a luz que ilumina todas as nações e a glória de Israel. A liturgia deste dia é uma espécie de convocação à reflexão sobre a manifestação do projeto de Jesus como luz do mundo e o cumprimento das promessas do Reino de amor do Deus da vida.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (Ml 3,1-4)

Malaquias é um livro que se situa no período do pós-exílio e aborda a realidade de uma comunidade desanimada com a problemática política e religiosa em torno de Jerusalém. Esse discurso se dá em forma de diálogo com o povo, mas principalmente com os sacerdotes que mantêm o mono- pólio do templo e com a elite que controla Judá. É nesse momento de turbulência que o profeta anuncia a chegada de um mensageiro que preparará os caminhos do Senhor.

O grupo de Malaquias possui um olhar e um coração atentos aos pobres e oprimidos. São os levitas que anunciam a chegada de Javé, que irá julgar o comportamento injusto da sociedade (Ml 3,5; cf. Lv 19,13; Dt 24,17-21). No campo religioso, há o perigo da opressão. Nesse sentido, os feiticeiros e adúlteros são utilizados como exemplos daqueles que agem fora do sistema reinante no templo de Jerusalém (cf. Dt 13,2-19; 18,9-12).

Em Ml 3,1-4, o mensageiro é descrito como um agente de purificação, comparado ao fogo do fundidor e ao sabão dos lavadeiros. Esse momento de purificação é necessário para que os filhos de Levi consigam oferecer sacrifícios agradáveis ao Senhor. A profecia de Malaquias, sem dúvida, aponta para uma religião autêntica, baseada na justiça e na fidelidade ao Deus da vida.

2. II leitura (Hb 2,14-18)

Quando esse texto de Hebreus foi escrito, a comunidade cristã estava passando por um momento de muita perseguição. Para evitar perseguições, a comunidade judaico-cristã, leitores originais, buscavam retornar ao judaísmo. O autor da carta, então, busca encorajá-los a persistir no projeto de Jesus. Para isso, apresenta Jesus como maior que todos os elementos da Antiga Aliança, incluindo os sacerdotes e os sacrifícios do templo.

No trecho de hoje, o autor enfatiza a humanidade de Jesus. Este assume a carne e o sangue, partilhando da condição humana em sua totalidade. A encarnação de Cristo é percebida como ato de profunda solidariedade.

Jesus se torna “irmão” de todos os humanos, no sentido mais concreto do seu projeto: experimenta a tentação e o sofrimento e, por isso mesmo, entende e socorre todos os que buscam e estão sendo tentados. Ele transcende o papel tradicional segundo o qual o sumo sacerdote é o mediador entre Deus e o povo, ao oferecer sacrifícios pelos seus pecados.

Então, Jesus vai muito além do modelo tradicional, que é pura ritualidade no tem plo. O poder da morte e das forças opressivas é destruído por meio da humanidade de Jesus, um irmão solidário que caminha ao lado de cada pessoa.

3. Evangelho (Lc 2,22-40)

Conforme prescrito na Lei de Moisés, Maria e José se dirigem ao templo para ali apresentar Jesus, cumprindo a Lei ao oferecer um par de pombinhos, sacrifício permitido aos pobres. A narrativa é inclusiva: os mais pobres são parte do projeto do Deus da vida.

Simeão e Ana são personagens que representam o remanescente fiel de Israel, aguardando a redenção e consolação de Jerusalém. Simeão profetiza, por meio do Espírito, que Jesus será a salvação preparada por Deus para todos os povos. O reconhecimento público de que Jesus será “luz para revelação aos gentios e glória de Israel” faz parte dessa profecia, carregada de significado histórico e teológico.

Aqui se faz presente o cumprimento das promessas do Deus da vida e a expectativa da chegada do Messias, tão enraizada na cultura judaica. Ana, profetisa já idosa, confirma que Jesus é o Messias, simbolizando a perseverança e a esperança do povo de Deus ao longo dos séculos. O testemunho feminino no seio das primeiras comunidades cristãs possibilita a continuidade do espírito profético presente em Israel.

A inclusão de Simeão e Ana na narrativa mostra a ênfase de Lucas em que o Evangelho é para todos, principalmente para os mais pobres, que esperam a redenção. A Nova Aliança se faz presente por meio de Jesus, e essa aliança traz luz e glória para todas as nações, principalmente para aqueles que desejam seguir o projeto de Cristo.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

Jesus como luz e revelação. A apresentação de Jesus no templo revela como sua presença será a luz que ilumina as nações e possibilita o bem para Israel. Queremos ser portadores dessa luz em nossa vida e em nossas comunidades, trazendo esperança e revelação às pessoas ao nosso redor?

Purificação e renovação. A profecia de Malaquias e o rito de apresentação no templo sublinham a necessidade de purificação e renovação da amplitude da vida. Queremos adotar uma fé mais autêntica e alinhada com os ensinamentos de Jesus?

Solidariedade e serviço. A carta aos Hebreus fomenta a solidariedade de Jesus com a humanidade. Em que aspectos podemos refletir essa solidariedade em nossa vida diária, estendendo a mão aos necessitados e sendo instrumentos de reconciliação?

Testemunho e esperança. Simeão e Ana nos mostram que a perseverança e a fé devem persistir em nossas escolhas diárias. Como podemos nos tornar testemunhas fiéis da esperança cristã, especialmente em tempos de dificuldades e incertezas, portadores de um conservadorismo que muitas vezes nos leva à intolerância e à morte?

Convite ao compromisso. A festa da Apresentação do Senhor nos convida a celebrar Jesus como luz para nossa vida e a espalhar seu amor, a fim de que o mundo seja pleno em sua luz, livre de tantas guerras e de toda forma de hostilidade contra a obra criadora de Deus. Por meio de sua encarnação, o Senhor se solidariza com a humanidade, trazendo purificação, renovação e esperança. Somos convocados para refletir essa luz em nossa vida, vivendo de acordo com o projeto do Evangelho e sendo testemunhas fiéis da salvação que nos livra de todo ódio e intolerância para com o diferente. Que possamos, como Simeão e Ana, reconhecer a presença de Jesus em nosso meio e proclamar a Boa-nova da redenção a todos.

Gisele Canário*

*é mestra em Teologia, com ênfase em Exegese Bíblica (Antigo Testamento), pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Possui graduação em Teologia pelo Instituto São Paulo de Estudos Superiores. É licenciada em Geografia pela Universidade Cruzeiro do Sul e assessora no Centro Bíblico Verbo, onde atua, desde 2011, com a confecção de material para estudos bíblicos, gravação de vídeos, formação em comunidades eclesiais e cursos bíblicos on-line.