Publicado em janeiro-fevereiro de 2025 - ano 66 - número 361 - pp. 46-49
19 de janeiro – 2º DOMINGO DO TEMPO COMUM
Por Gisele Canário*
A manifestação da glória de Deus nas bodas de Caná
I. INTRODUÇÃO GERAL
O que ocorre em Caná é um protótipo do que irá acontecer a partir de então. Tudo acontece numa festa de casamento, uma celebração que reúne amigos e familiares. Numa festa em que ocorre a comunhão entre duas pessoas, Deus se manifesta por meio de seu Filho e mostra que a capacidade total de saciar nossa sede só será encontrada quando acolhida e desenvolvida por meio dos sinais que se manifestarão a partir de então. Nas bodas de Caná, Jesus passa a ser reconhecido por alguns como o Messias. Desde o início da dominação romana, Caná da Galileia, uma região montanhosa, era o lugar onde as pessoas consideradas rebeldes, os grupos subversivos que se opunham ao regime dominante em Jerusalém, se refugiavam. Situar o princípio dos sinais de Jesus nessa região montanhosa poderia significar, para a comunidade joanina, um incentivo para continuar a resistir contra os judeus fariseus e o Império Romano.
As leituras deste domingo nos convidam a refletir sobre o projeto de Jesus, que é de vida plena, e considera as necessidades concretas da comunidade.
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. I leitura (Is 62,1-5)
Este trecho faz parte do Terceiro Isaías, livro cujo contexto é o retorno dos exilados a Jerusalém, embalados pelo sonho de um novo êxodo e de uma nova sociedade. Com a promessa de refazer a aliança e recomeçar o relacionamento amoroso entre a cidade e seu esposo, Javé, o texto traz uma resposta às acusações de que Javé não age em favor do seu povo: um novo céu e uma nova terra, uma união de casamento, a mesma alegria, será alcançada. Ter um nome novo significa ter novo destino (cf. Ez 48,35). O gesto de levantar a mão fazia parte desse juramento (cf. Gn 14,22; Ex 6,8; Ez 20,5).
No fundo, essa passagem de Isaías celebra a alegria e a esperança do povo de Israel, que vivia o período de restauração após o exílio babilônico e estava sem direção, desconfiado. Aqui, o profeta anuncia que a libertação de Jerusalém está próxima e ela será como uma coroa de glória na mão do Senhor. Deus promete uma aliança nova, simbolizada pela relação entre noivo e noiva, destacando uma confiança renovada entre ele e seu povo.
2. II leitura (1Cor 12,4-11)
Paulo, nesse trecho, fala sobre a diversidade dos dons espirituais, todos concedidos pelo Espírito Santo para o bem comum. Cada dom é uma manifestação do Espírito e deve ser utilizado para tornar a comunidade ainda melhor, ou seja, edificada. Dessa forma, a comunidade obterá a unidade no corpo de Cristo.
A comunidade de Corinto estava passando por divisões internas, e Paulo aproveita a oportunidade para insistir que todos os dons devem ser postos a serviço da unidade e da cooperação. No fundo, Paulo enfrenta problemas e propõe soluções. Cristo, o único líder, não está dividido. Para os inúmeros carismas existentes na comunidade, o serviço ao bem comum e a subordinação ao dom maior, que é o amor, são fundamentais.
3. Evangelho (Jo 2,1-11)
Um fato corriqueiro aqui aparece: um casamento. A imagem do casamento era muito usada para falar da aliança entre Deus e seu povo. Temos uma festa em que as pessoas estão celebrando a vida, e é nesse lugar que o vinho começa a faltar. O vinho é sinal do amor e da bênção de Deus (cf. Ct 1,2; 8,2). Seria a falta de vinho uma referência à falta de amor? A mãe de Jesus percebe que a Antiga Aliança não está sendo suficiente para trazer vida às pessoas. É uma mulher, uma mãe, que percebe a falta de vinho em meio a uma festa de casamento.
Maria é a representante do Israel fiel às promessas de Deus, daqueles que reconhecem em Jesus o Messias e lhe apresentam a grande dificuldade: “Eles não têm mais vinho” (v. 3). Maria leva até Jesus essa necessidade e o faz ver a aflição de Israel. Aqui se evidencia a situação de pobreza, sofrimento e vazio dos filhos de Israel.
Para que os sinais de Jesus sejam realizados, ele conta com a colaboração das pessoas. Os servos devem encher os jarros (v. 7). As jarras eram usadas para conter a água para purificação ritual. Elas lembram a Lei de Moisés, o código da Antiga Aliança. Havia seis jarras, um número incompleto. O Evangelho apresenta seis festas judaicas (2,13; 5,1; 6,4; 7,2; 10,22; 11,55). Essas festas, assim como as jarras, estão vazias. As autoridades judaicas as transformaram em momentos de exploração e opressão justificadas pela Lei. O mestre-sala experimenta o vinho novo e não tem a menor ideia de sua procedência, mas deixa claro que é melhor do que o outro. Representante da classe dos dirigentes (v. 6), ele se dirige ao noivo e diz: “Você, porém, guardou o vinho bom até agora” (v. 10). Demonstra surpresa e admite que a qualidade do vinho novo é melhor. Na fala do mestre-sala, as autoridades reconhecem que a proposta da comunidade joanina é melhor, ou seja: a sensibilidade, o amor, a solidariedade e o serviço dão sentido à vida das pessoas. E quem articula esse novo jeito de viver, nessa comunidade, são as mulheres, que ajudam a construir novas relações.
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
– O projeto de Jesus é para quem deseja segui-lo. A cena de uma festa de casamento em Caná da Galileia, uma pequena aldeia de montanha, a quinze quilômetros de Nazaré, possui um caráter claramente simbólico. Nem a esposa nem o esposo têm rosto: não falam nem atuam. O único importante é um convidado que se chama Jesus. Como podemos reconhecer e celebrar a abundância da graça de Deus em nossa vida?
– Renovação e compromisso. No pátio da casa há seis jarras de pedra. São enormes. Estão colocadas ali de maneira fixa. Nelas se guarda a água para as purificações. Representam a piedade religiosa dos camponeses que procuram viver puros diante de Deus. Jesus transforma a água em vinho; sua intervenção vai introduzir amor e alegria naquela religião. Essa é sua primeira contribuição. Até quando podemos conservar em talhas de pedra uma fé triste e aborrecida?
– Diversidade dos dons e unidade. Paulo deixa claro que os dons espirituais surgem do Espírito que vem de Deus e devem ser postos a serviço do bem comum. Por meio da diversidade de dons, a unidade em Cristo é fortalecida. Como podemos promover a unidade por meio dos nossos dons?
– Confiança em Deus. Maria, ao interceder por aqueles que estavam em necessidade, mostra-nos uma situação triste, que só será transformada pelo vinho novo trazido por Jesus. Um vinho que só saboreiam aqueles que acreditam no amor gratuito de Deus Pai e vivem animados e empolgados por um espírito de verdadeira fraternidade.
– Convite ao compromisso. Vivemos em uma sociedade onde cada vez mais se enfraquece a raiz cristã do amor desinteressado. Frequentemente, o amor se reduz a um intercâmbio mútuo, prazeroso e útil, em que cada pessoa busca seu próprio interesse. Nunca é tarde para aprender a viver com maior profundidade. Aquele Jesus, que iluminou com sua presença as bodas de Caná, pode ensinar todos os cristãos a beberem um vinho ainda melhor.
Gisele Canário*
*é mestra em Teologia, com ênfase em Exegese Bíblica (Antigo Testamento), pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Possui graduação em Teologia pelo Instituto São Paulo de Estudos Superiores. É licenciada em Geografia pela Universidade Cruzeiro do Sul e assessora no Centro Bíblico Verbo, onde atua, desde 2011, com a confecção de material para estudos bíblicos, gravação de vídeos, formação em comunidades eclesiais e cursos bíblicos on-line.