O Jubileu de 2025, com o tema “Peregrinos de esperança”, provoca a humanidade a reanimar a caminhada com uma vida de esperança. O mundo da educação, plural e profundamente marcado por ambiguidades, entre as incertezas e o medo do futuro, é inspirado pelo convite a peregrinar com esperança, pois educar é, em si, ato de esperança. O presente artigo propõe elencar alguns aspectos que o jubileu apresenta como oportunidade de ajudar as famílias, os educadores e os estudantes a se reencantarem pela arte de educar com e na esperança.
INTRODUÇÃO
O Jubileu de 2025, com o tema “Peregrinos de esperança”, lança um inspirador convite à humanidade, em sua complexa realidade de múltiplas crises, e indica a urgência em fomentar horizontes de esperança para o mundo. Na bula Spes non Confundit, o papa Francisco provoca a humanidade a reencantar-se pela vida, não de forma isolada, mas em um profundo sentido de comunidade e de abertura ao transcendente. O papa não propõe uma esperança ingênua, mas enraizada na fé que conduz à conversão e ao compromisso transformador. O convite a peregrinar com esperança é essencial em todos os ambientes, mas a educação deve ser, por excelência, seu lugar de cultivo e fomento, pois educar é um ato de esperança. O recente relatório da Unesco (2022) sobre o futuro da educação indica que as marcas da atual conjuntura histórica, com a ampliação da desigualdade social e econômica, as mudanças climáticas, o retrocesso democrático, a automação tecnológica disruptiva e as crises migratórias, ameaçam a dignidade da vida humana e a vida no planeta e potencializam a descrença em um futuro melhor, afetando particularmente as novas gerações. Em confluência com essa perspectiva, o papa Francisco descreve a realidade na qual muitas pessoas, diante das ambiguidades do mundo, se encontram desanimadas e, assim, olham para o futuro com ceticismo e pessimismo. Nesse mosaico de inúmeros desafios, aqueles que atuam no imenso e plural ambiente educativo são provocados pela proposta do jubileu, como peregrinos de esperança, a colaborar na reflexão e no cultivo de uma viva esperança. Os que educam levam à frente árdua missão: auxiliam, como artesãos, as novas gerações a se inserirem na história, buscando ser sujeitos que dão sentido à existência e contribuem para a edificação do mundo. O presente artigo pretende indicar alguns aspectos que o Jubileu de 2025 apresenta como oportunidade de, à luz da fé em Cristo, ajudar as famílias, os educadores e os estudantes a se reencantarem pela arte de educar com e na esperança. Nas palavras do papa: “Que o jubileu seja, para todos, ocasião de reanimar a esperança” (Francisco, 2024, n. 1).
1. O EDUCADOR COMO TESTEMUNHA DA ESPERANÇA
O jubileu desperta os educadores, como testemunhas da esperança, a “primeirear”, acolhendo, orientando e formando crianças, adolescentes, jovens, adultos e famílias em vista de uma vida comunitária compartilhada, de uma sociedade na qual a fraternidade é ponte que reconcilia os diferentes. O Ano Santo vocaliza o ato de esperançar vidas que cada educador assume ao mediar conflitos, propor a paz, estabelecer relações de proteção à Casa Comum, favorecer a amizade social e semear o sonho de uma economia solidária.
A esperança é o fio condutor que guia a educação, mantendo viva a chama do potencial em cada estudante. Para além de ensinar matérias e conceitos, a educação tem o poder de impactar vidas de forma positiva e duradoura. Segundo essa perspectiva, educar nada mais é que um ato de esperança, pois o educador tem a missão de catalisar sonhos, incentivando os estudantes a acreditar em si mesmos e a perseguir seus objetivos com fervor. Tal missão envolve nutrir não apenas o intelecto, mas também o espírito, construindo alicerces sólidos para um futuro esperançoso. Nesse sentido, o papa Francisco utiliza três imagens para indicar o percurso de uma educação integral: a linguagem da cabeça, do coração e das mãos. Com isso, ele se refere à parte intelectual e cognitiva do processo educativo; ao sentimento e sonhos de cada pessoa; à realidade de inserção na vida e no mundo. Uma educação que seja integral contempla essas três dimensões.
Como indicou o patrono da educação brasileira, professor Paulo Freire, é preciso “esperançar”, como iniciativa que implica ação e esforço para concretizar mudanças e transformações na realidade. Esperançar significa acreditar na possibilidade de um futuro melhor e trabalhar ativamente para alcançá-lo, promovendo a justiça social, a equidade e a emancipação das pessoas. Dessa forma, a esperança não é apenas uma realidade individual e estática, mas sobretudo uma força transformadora na história, inspirando as pessoas a trabalhar pelo bem comum. Para aqueles que educam, a esperança é força que entusiasma e faz perseverar na arte de educar, no propósito de promover experiências humanizadoras que despertem nas novas gerações o apaixonado cuidado com a vida, com o planeta, e a promoção da dignidade humana e da fraternidade.
2. PEREGRINOS NO COMPLEXO MUNDO EDUCATIVO
Ser educador é ser um peregrino nas fronteiras do mundo, é caminhar entre luzes e sombras da realidade educacional na atualidade, marcada pela pluralidade. O olhar sensível e atento do educador peregrino permite reconhecer que se vive em um tempo de muitas ambiguidades. Se, por um lado, existe a cobrança por eficiência e alta performance da educação, por outro, existe crescente desinteresse da sociedade como um todo pela sua responsabilidade educativa. A busca por uniformização e padronização dos currículos e métodos educativos contrasta com as imensas desigualdades regionais e sociais existentes no país. A desenfreada oferta de programas socioemocionais se confronta com a violência, a indiferença, o bullying e a intolerância veladamente presentes na sociedade. Assim, emerge um contexto social e histórico que desafia a construção de caminhos alternativos para que a educação cumpra seu papel e promova a esperança.
Não raras vezes, as práticas educativas acabam por reproduzir aspectos da sociedade contemporânea, fortemente marcada pela competição, produtividade, indiferença e utilitarismo. Escolas, universidades e famílias reeditam, em seus espaços formativos, os mesmos valores e princípios nocivos da mentalidade predominante e, assim, cooperam para que as novas gerações amplifiquem as consequências desse desastroso modelo. São incontáveis os jovens que deixam de sonhar ou reduzem suas perspectivas de vida a mero projeto de consumo.
Ao alargar o horizonte, propondo a esperança como característica primordial na jornada da vida, o convite ao Ano Santo de 2025 evoca um frescor capaz de promover diferenciado olhar sobre a realidade, abrindo possibilidades de superação do fatalismo e pessimismo gerados pela sociedade do consumo e da agilidade. Diante das incertezas e do medo do futuro, faz-se urgente semear possibilidades, pensar alternativas, sonhar coletivamente e tecer redes de mútua cooperação. Dessa forma, o jubileu se apresenta, no campo educativo, como um alforje que reúne as inúmeras iniciativas da última década empreendidas pelo papa Francisco como sinal de esperança para a humanidade.
A proposta do Jubileu de 2025 reforça as ações do Pacto Educativo Global, que agrupa as iniciativas educativas dos últimos anos em um esforço de repactuar o compromisso da humanidade com uma educação aberta e inclusiva em prol das futuras gerações. Segundo Guimarães (2020, p. 7), “o Pacto sinaliza, a partir do comando de Francisco, a retomada de uma agenda contemporânea, socialmente responsável, ética e, sobretudo, humanista para com a educação em todos os níveis e em todo o mundo”. O papa Francisco recorda que “a educação será ineficaz e os seus esforços estéreis, se não se preocupar também por difundir um novo modelo relativo ao ser humano, à vida, à sociedade e à relação com a natureza” (Francisco, 2015, p. 125). Por isso, para orientar os processos educativos, há a necessidade de restabelecer um pacto no qual a dignidade humana e a convivência fraterna entre as pessoas e com o meio ambiente sejam o ponto central.
A voz de Francisco se soma ao coro dos que propõem um repensar nas práticas curriculares e projetos educativos, para que estes estejam a favor da dignidade humana e promovam um modelo educativo solidário, capaz de implementar gradativamente uma mudança também no entendimento da economia. Como arquitetos do amanhã, os educadores são inspirados a abraçar sua missão, reconhecendo que esta transcende o mero compartilhamento de conhecimento, pois abrange despertar mentes, mãos e corações, a fim de suscitar o desejo de aprender e crescer. O tema do peregrinar toca, de forma especial, aqueles que se dedicam à arte de educar, pois acompanhar processos de aprendizagem, de descoberta, é percorrer um caminho permeado de alegrias e incertezas. Os desafios presentes na sala de aula, na comunidade escolar e na complexidade da sociedade atual podem ser ressignificados à luz da força que brota da fé viva. Dessa forma, o convite do papa Francisco à viva esperança no peregrinar conforta, pois sublinha que o caminho não se percorre sozinho, mas junto com tantos outros educadores. Nessa estrada também peregrinam as comunidades de fé, casas da acolhida, que sinalizam a própria Trindade, comunhão perfeita.
3. SINAIS DE ESPERANÇA
O mutirão transformador do mundo precisa de muitos agentes, e a educação, sem dúvida, tem aí um papel preponderante, mas seu potencial só será fecundo se somado a tantos outros atores sociais. Neste Jubileu de 2025, o amplo esforço de repactuar o compromisso com a edificação de um mundo mais fraterno e justo encontra, nas iniciativas educativas, importante colaboração. Os espaços da educação básica, superior e popular podem desenvolver projetos pedagógicos e pastorais que propiciem experiências fomentadoras de esperança na sociedade, especialmente junto aos estudantes e educadores.
Por estarem inseridos na realidade da peregrinação cotidiana de cada comunidade escolar e participarem dos dramas humanos, educadores e estudantes sentem o pulsar dos corações aflitos e condividem as alegrias das conquistas. Esses sujeitos experimentam a desesperança, a angústia e as incertezas do cotidiano e, no âmago dessa realidade dura e, ao mesmo tempo, feliz, são capazes de serem sinais de esperança. Dessa forma, como peregrinos de esperança, comunidades escolares, educadores e estudantes são chamados a pensar estratégias para criar um ambiente educacional que inspire e motive todos a acreditar e construir um futuro melhor. A bula de convocação para o jubileu propõe o seguinte questionamento: como olhamos para o futuro? (Francisco, 2024). As respostas podem ser variadas: alguns terão olhares de esperança, enquanto outros apresentarão um direcionamento mais pessimista. Dessa forma, a educação é chamada, neste Ano Jubilar, a promover experiências que despertem e promovam olhares de esperança sobre a vida, a humanidade e o futuro. Algumas indicações podem iluminar projetos pedagógicos e de pastoral nas escolas e universidades:
- Redescobrir indicações de esperança nos sinais dos tempos é uma das propostas do jubileu: “é preciso prestar atenção em tanto bem que existe no mundo” (Francisco, 2024, n. 7). Atividades pedagógicas e pastorais podem fomentar na comunidade escolar um olhar atento sobre a realidade do mundo, ajudando-a a perceber as situações, pessoas e projetos que promovem a esperança e fazem o bem. Em meio às desesperanças e distopias deste tempo, torna-se essencial mapear e tornar conhecidas as boas práticas de solidariedade e de promoção da paz;
- Propor experiências pedagógicas que nutram a paciência como característica necessária para a humanidade em uma sociedade marcada pela pressa e pelo digital;
- Viver a experiência do perdão como dimensão central na espiritualidade do jubileu. Sentir-se perdoado por Deus e, ao mesmo tempo, estender esse perdão aos irmãos e irmãs. A esperança nutre no coração de cada pessoa o profundo desejo de se reconciliar como caminho necessário de uma vida fraterna. As comunidades escolares e universitárias poderão desenvolver projetos de reconciliação e acolher medidas pedagógicas que superem as punitivas, tendo em vista ações restauradoras diante de situações concretas do cotidiano da escola;
- Realizar projetos que promovam a presença em situações concretas, restituindo a esperança junto aos pobres, às pessoas privadas de liberdade, aos enfermos, idosos e migrantes;
- Promover experiências celebrativas como oportunidades de encontro com Jesus, fonte inesgotável da esperança da humanidade (cf. 1Tm 1,1). A ação pastoral pode intensificar momentos de reflexão bíblica, de meditação e, principalmente, de peregrinação a pé para potencializar experiências fecundas de caminhar com o Senhor e com os irmãos como fonte da esperança.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em um mundo repleto de desafios e incertezas, em que a educação é muitas vezes tratada como mercadoria ou ideologia política, tendo sua qualidade ameaçada, a esperança é o farol que guia o educador em sua missão diária. Diante das adversidades, é fundamental permanecer firme no compromisso de orientar, inspirar e capacitar o educando para o bem, a paz e a solidariedade. Na missão de reacender a chama da esperança, os educadores são vocacionados a plantar sementes de conhecimento, empatia e resiliência, contribuindo para a construção de um mundo mais justo, humano e fraterno.
O Jubileu de 2025 pode ser entendido como importante estímulo para o mundo da educação, inserido em tantas disputas e desencontros. Famílias, educadores e estudantes são incentivados a contemplar o horizonte com novas possibilidades. Este Ano Santo propicia também que estudantes e educado- res acolham o convite e se reconheçam como peregrinos de esperança, os quais, na jornada da vida, percebem no horizonte do infinito as razões para firmar os passos no caminho, dando testemunho de fé e de esperança.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CONGREGAÇÃO PARA A EDUCAÇÃO CATÓLICA. Educar ao humanismo solidário. Brasília: Ed. CNBB, 2018.
FRANCISCO, Papa. Laudato Si’: Carta Encíclica sobre o cuidado da Casa Comum. São Paulo: Paulus, 2015.
FRANCISCO, Papa. Spes non Confundit: Bula de proclamação do jubileu ordinário do ano 2025. São Paulo: Paulus, 2024.
GUIMARÃES, J. G. M. Educar para humanizar. In: BRUCK, M. S. (Org.). Decálogo da educação humanista da PUC Minas: refletido para uso acadêmico e cultural, sociopolítico e econômico, pastoral e espiritual. Belo Horizonte: Ed. PUC Minas, 2020.
SPADARO, A. La sfida educativa di Jorge Mario Bergoglio. In: DIACO, E. (Org.). L’educazione secondo papa Francesco. Bolonha: EDB, 2018.
UNESCO. Reimaginar nossos futuros juntos: um novo contrato social para a educação. Brasília: Comissão Internacional sobre os Futuros da Educação, Unesco; Boadilla del Monte: Fundación SM, 2022. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/ pf0000381115?posInSet=15&queryId=N- -EXPLORE-a4f35387-0245-4df5-a2de-258251dc55c7. Acesso em: 12 ago. 2024.
Júlio César Evangelista Resende,osc*
*é padre religioso da Ordem da Santa Cruz, os Crúzios. Mestre em Educação pela PUC-Minas, assessor do Setor Educação na CNBB e membro da Equipe Nacional de Animação do Jubileu 2025. E-mail: [email protected]