Publicado em novembro-dezembro de 2024 - ano 65 - número 360 - pp. 60-62
25 de dezembro – NATAL DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO
Por Pe. Maicon André Malacarne*
Natal: um novo ponto de partida!
O Fr. Ermes Ronchi ajuda-nos a introduzir a maravilha da solenidade do Natal de forma orante e poética: “Naquela noite, o significado da história tomou outra direção: Deus para com a humanidade, o grande em direção aos pequenos, do céu para baixo, de uma cidade na direção de uma gruta, do templo para um campo de pastores de ovelhas. A história começa novamente a partir do último”.
O Natal é a festa da novidade, da inversão de todos os significados. O Evangelho de João também se abre como grande poesia que tem como ponto de partida “o princípio”, não tanto como dado histórico, mas relacional: na origem está o coração da Trindade, o Pai e o Filho e o Espírito. O nascimento de Jesus ilumina o ponto de partida de toda a vida divina e o destino para o qual caminhamos – de Deus, com Deus e para Deus – a partir de Jesus Cristo e no Espírito Santo. A humanidade é o lugar escolhido por Deus para amar e habitar: “e o Verbo se fez carne...”.
II. Comentário dos Textos Bíblicos
1. I leitura (Is 52,7-10)
As sentinelas anunciaram com júbilo o retorno do povo exilado na Babilônia. É verdade que nem tudo foram flores nesse retorno, porque foram recorrentes as disputas e divisões entre os que retornaram do exílio e aqueles que permaneceram em Jerusalém. No entanto, a alegria da libertação do povo se torna uma prefiguração da libertação que será realizada por Deus com o nascimento do seu próprio Filho. O profeta convida o povo a atentar para os pequenos sinais de liberdade que já estavam aparecendo porque “Deus reina” (v. 7).
Ser sentinela, vislumbrar as “sementes ocultas do Verbo” (Lumen Gentium, n. 17) é tarefa fundamental. Onde todo olhar vê tragédia, desespero, a sentinela alcança algum sinal, algum feixe de luz: “Alegrai-vos e exultai ao mesmo tempo, ó ruínas de Jerusalém, o Senhor consolou seu povo e resgatou Jerusalém” (v. 7). Encontrar o fio de esperança não é um “chute no escuro”, mas sim fruto do discernimento, da maturidade, da espiritualidade e da proximidade com a vida do povo que faz brotar a sensibilidade para tatear o futuro.
2. II leitura (Hb 1,1-6)
O autor da carta aos Hebreus sublinha, de início, a diversidade das formas pelas quais Deus se manifestou na história até revelar-se plenamente em Jesus Cristo: “nestes dias, que são os últimos, ele nos falou por meio do Filho, a quem ele constituiu herdeiro de todas as coisas e pelo qual também ele criou o universo. Este é o esplendor da glória do Pai, a expressão do seu ser” (v. 2-3).
O grande teólogo espanhol José Maria Castillo sugere a “humanização de Deus” como ápice da sua revelação. Tudo que podemos conhecer de Deus, encontramos revelado em Jesus Cristo. Castillo não confunde a natureza humana e a natureza divina de Jesus, mas afirma o aspecto radical da kenosis, do abaixamento, do esvaziamento de Deus para assumir em tudo a carne humana. Ora, se toda a humanidade é assumida por Deus, a solidariedade com o mundo é a forma por excelência para encontrar a Deus e se comunicar com ele.
3. Evangelho (Jo 1,1-5.9-14)
Apesar de parecer uma linguagem rebuscada, o prólogo do Evangelho de João ajuda-nos a aprofundar o mistério da encarnação de Jesus. De fato, ao anunciar que “por meio da Palavra foram feitas todas as coisas” (v. 3), o evangelista traduz a abertura de Deus para se comunicar com a história. A proximidade, a comunhão, a presença de Deus no seu Filho amado constituem a Palavra que “habitou entre nós” (v. 14). Todas as barreiras foram derrubadas, as distâncias foram encurtadas!
Ainda hoje persiste uma forma de espiritualidade que propõe a fuga do mundo para encontrar a Deus. Na contramão, João assegura que a vida divina tem as marcas da humanidade: “o Verbo se fez carne” (v. 14). Trata-se de assumir uma espiritualidade encarnada, real, no espaço e no tempo. Em Jesus, a carnalidade ganhou outro sentido e encontrar a Deus é acolher o Verbo de Deus!
A relação com Deus, no Filho e pelo Espírito, abre uma espécie de nova biografia cristã, marcada pelo relacionamento. Se ele nasce no meio de nós, nossa responsabilidade passa a ser viver em conformidade com um Deus exageradamente amoroso e generoso. Tudo que fere a dignidade humana fere a Deus e, por isso, merece atenção no amadurecimento da fé.
A encarnação é a festa da responsabilidade pelo outro, da acolhida aos sofredores, do toque nas feridas do mundo para que este possa tomar consciência de que continua a ser o lugar preferido de Deus. Se, em mais um ano, podemos celebrar o Natal de nosso Senhor, isso significa que o Reino de Deus, anunciado e testemunhado em todo o Evangelho, está mais perto de acontecer: “E a luz brilha nas trevas, e as trevas não conseguiram dominá-la” (v. 5).
III. Pistas para reflexão
Em meio ao desânimo e ao sofrimento do povo exilado, o profeta Isaías anunciou o futuro em que “Deus reina”. A força de Deus arrancará o povo do exílio para uma vida nova, de salvação, de redenção e de paz. Em Jesus Cristo, a esperança permanece para todos os tempos. Ele, “o esplendor da glória do Pai”, vindo morar na humanidade como o “Verbo feito carne”, é a consolação nos sofrimentos e a segurança para um futuro melhor.
Com a liturgia tomada de poesia, também chamamos Rainer Maria Rilke, um gigante das palavras, para celebrar este dia do nascimento do Salvador:
Não fosse a tua simplicidade, como poderia acontecer o que agora ilumina a noite? Vê: o Deus que trovejava sobre as nuvens faz-se benigno e vem ao mundo em ti. Imaginavas que ele fosse maior? O que é a grandeza? Através de toda a matéria que atravessa, segue o seu destino. Nem uma estrela tem igual caminho. Vês, estes reis são grandes, mas rastejam diante de ti.
Pe. Maicon André Malacarne*
*é pároco da paróquia São Cristóvão, Erechim, diocese de Erexim-RS. Possui mestrado em Teologia Moral pela Pontifícia Academia Alfonsiana (Roma), onde cursa o doutorado. É especialista em Juventude no Mundo Contemporâneo pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje, Belo Horizonte-MG); formado em Filosofia pelo Instituto de Filosofia Berthier (Ifibe, Passo Fundo-RS) e em Teologia pela Itepa Faculdades (Passo Fundo-RS). E-mail: [email protected]