Roteiros homiléticos

Publicado em novembro-dezembro de 2024 - ano 65 - número 360 - pp. 54-56

15 de dezembro – 3º DOMINGO DO ADVENTO

Por Pe. Maicon André Malacarne*

Alegria: mais “ser” do que “fazer”!

I. Introdução geral

O Senhor está próximo, e a liturgia da Palavra é geradora de confiança e alegria. A pergunta sobre “o que devemos fazer”, unida às indicações de João Batista, vai abrindo espaços com base na esperança de Sofonias e na alegria de São Paulo, as quais, em meio às dificuldades e sofrimentos, ajudam a conformar a vida na certeza de que Deus está no meio de nós.

O Natal é tempo de conformar a vida ao lugar central que Jesus Cristo nela deve ocupar. Não se trata, portanto, de muito fazer, de muitas atividades, senão de respirar e participar da vida divina no cotidiano, nas atividades que desenvolvemos e que devem ganhar o contorno de Deus! De fato, na segunda anotação dos Exercícios espirituais, Santo Inácio de Loyola apontava para o “sentir” e o “saborear” a vida: “O que sacia e satisfaz a alma não é o muito saber, mas o sentir e saborear as coisas internamente”. No fundo, isso significa sair da superficialidade, alcançar a profundidade, permitir arder o fogo de uma vida nova.

II. Comentário dos textos bíblicos

1. I leitura (Sf 3,14-18a)

O anúncio feito por Sofonias encontra seu ponto central no v. 15: “O rei de Israel é o Senhor”. Neste percurso até o Natal, é preciso ir amadurecendo também qual é o centro da nossa vida e da nossa fé, com todos os desafios impostos por este nosso tempo, os quais arriscam dispersar mais do que congregar.

Impressiona o fato de que, do meio das catástrofes, especialmente de ordem moral, o profeta convida a “cantar de alegria” e “rejubilar” (v. 14). Não se trata de uma alegria exterior, de uma máscara para os fracassos, mas sim da consciência de que participamos da vida divina e de que a alegria é uma forma de Deus viver em nós: “ele exultará de alegria por ti, movido por amor” (v. 17).

A vitória do amor sobre o pecado, anunciada por Sofonias, é um mapa a ser percorrido neste tempo do Advento, de proximidade do Natal. A vinda do Senhor não é um acontecimento do passado ou evento que diz respeito tão somente ao futuro; é a dinâmica de respirar a vida de Deus, o qual “está no nosso meio” (v. 17) e podemos experimentar no cotidiano, no meio das contradições da história.

O profeta Sofonias testemunha também a pedagogia mais adequada para o anúncio de Deus: ao invés das ameaças, a alegria; ao invés do medo, a esperança; ao invés da opressão, o diálogo; ao invés do fechamento, o júbilo. Nós nascemos da alegria!

2. II leitura (Fl 4,4-7)

Paulo estava preso em Éfeso quando escreveu a carta aos Filipenses. Da situação inóspita, Paulo reforçou não o desânimo ou a revolta, mas o convite a “alegrar-se sempre no Senhor” (v. 4). A alegria é como uma máquina geradora do movimento permanente que enfrenta tudo que paralisa a vida. O motivo da alegria fica bastante evidente no versículo seguinte: “O Senhor está próximo” (v. 5). Mais uma vez, a alegria não é abundância de coisas, mas abundância de vida, abundância da presença de Deus na vida e na história.

Abrir a vida para a alegria significa assumir relações de bondade com todas as pessoas:  “que a vossa bondade seja conhecida por todos” (v. 5). Alegria e bondade caminham entrelaçadas e, em um mundo tão dividido por inimizades e discórdias, podem se tornar a chave fundamental para verdadeira reconciliação. O Natal pode ser a oportunidade de deixar que o Senhor dilate nosso coração, nos torne mais alegres e relacionais, a ponto de sermos grandes missionários da bondade no mundo.

3. Evangelho (Lc 3,10-18)

“O que devemos fazer?” é a pergunta que três grupos diferentes fazem a João Batista. Eles tinham ido buscar o batismo de João, batismo de conversão. A pergunta remete para a prática, para o “fazer”, e pode sugerir uma espécie de ativismo para alcançar a conversão. Na verdade, as respostas de João foram em outra direção. Mais do que “fazer”, era preciso assumir um estilo de vida – poderíamos dizer, um “jeito” de testemunhar a conversão.

João respondeu às multidões: “Quem tiver duas túnicas, dê uma a quem não tem e quem tiver comida, faça o mesmo!” (v. 11). Vestimenta e alimento são as coisas mais cotidianas da vida, são elementos que provocam um estilo de ser baseado na partilha e na comunhão. É interessante perceber como o Batista foi na contramão das exigências religiosas de sacrifício, de ofertas que eram pesadas especialmente para os mais pobres. No lugar das cargas, o “fazer” significa relações mais humanas, abertura e sensibilidade ao outro naquilo que é o mais concreto do dia a dia.

Aos cobradores de impostos, João respondeu mais especificamente: “Não cobreis mais do que foi estabelecido” (v. 13). Trata-se da atenção ao abuso financeiro que tocava especialmente àquele grupo, sob as ordens da dominação romana. João não pediu que abandonassem a profissão, sabia que era o sustento da vida deles. Convidou-os a mover o coração na direção da honestidade e da bondade.

Também aos soldados, o Batista dirigiu uma orientação: “Não tomeis à força dinheiro de ninguém nem façais falsas acusações; ficai satisfeitos com o vosso salário!” (v. 14). No lugar da violência e da corrupção, a verdade e a justiça. O abuso de poder é uma das grandes feridas do nosso tempo, que vai se transformando em outras formas de abuso e violência... Ou seja, constitui o caminho contrário à conversão proposta por João.

Por fim, o Batista anunciou a vinda do Messias, “aquele que é mais forte do que eu”, que “vos batizará no Espírito Santo e no fogo” (v. 16). A pergunta sobre “o que devemos fazer” não pode ser respondida fora da conversão proposta por Jesus Cristo, que, como fogo, abrasa o coração e coloca nas cinzas a prepotência e a superficialidade do nosso estilo de vida.

III. Pistas para reflexão

Partilha, justiça e bondade são atitudes que atravessam a liturgia da Palavra e se apresentam, de um lado, como frutos da alegria e, de outro, como estilo de uma vida que caminha na direção da alegria. De fato, a alegria não pode ser confundida com gestos exteriores e mesmo ilusórios. Trata-se de um caminho de abertura do coração para colocar Deus no centro, como recordava Sofonias, ao anunciar que “o rei de Israel é o Senhor”. Significa, de verdade, descobrir quem é o centro, de onde brota a vida e para onde a vida converge.

O papa Francisco abriu a Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, de 2013, com esta preciosidade que pode ajudar a concluir a reflexão deste domingo: “A Alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Quantos se deixam salvar por ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento. Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria” (n. 1).

Pe. Maicon André Malacarne*

*é pároco da paróquia São Cristóvão, Erechim, diocese de Erexim-RS. Possui mestrado em Teologia Moral pela Pontifícia Academia Alfonsiana (Roma), onde cursa o doutorado. É especialista em Juventude no Mundo Contemporâneo pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje, Belo Horizonte-MG); formado em Filosofia pelo Instituto de Filosofia Berthier (Ifibe, Passo Fundo-RS) e em Teologia pela Itepa Faculdades (Passo Fundo-RS). E-mail: [email protected]