Roteiros homiléticos

Publicado em novembro-dezembro de 2024 - ano 65 - número 360 - pp. 52-54

8 de dezembro – SOLENIDADE DA IMACULADA CONCEIÇÃO DA BEM-AVENTURADA VIRGEM MARIA

Por Pe. Maicon André Malacarne*

A Imaculada Conceição é a gramática do nosso futuro!

I. Introdução geral

O terceiro capítulo do livro do Gênesis apresenta um mapa de como, desde o princípio, o ser humano carrega o ímpeto de fugir da relação e flertar com a autorreferencialidade. Deus não criou o mal – ou seja, este não é da natureza, mas entrou no mundo. De fato, depois do “jardim”, da harmonia, do diálogo criador, a cena apresenta Adão e Eva escondidos e envergonhados porque cortejaram o mal. Quando o ser humano se acha o centro de tudo e de todos, Deus já não tem espaço. A tradição chamará essa tendência de “pecado original”.

Maria, a Imaculada Conceição, é a “cheia de graça”, aquela que devolveu à humanidade o princípio do “sim a Deus”. Não se trata de uma negação do humano, mas sim da sua elevação, da antecipação do que a humanidade pode vir a ser – toda humana e toda divina. A Imaculada Conceição é a gramática do nosso futuro, é a possibilidade de regressar ao jardim, de reinaugurar o princípio do amor, de viver como “santos e irrepreensíveis sob o seu olhar”.

II. Comentário dos Textos Bíblicos

1. I leitura (Gn 3,9-15.20)

Os dois primeiros capítulos do Gênesis apresentam o projeto criador de Deus com a qualidade da harmonia e dos relacionamentos equilibrados. O capítulo terceiro começa a apresentar a destruição que a humanidade é capaz de organizar, no caminho contrário ao plano divino.  Adão e Eva, isolados pelas escolhas que fizeram, começaram a viver a precariedade da solidão e da vergonha, fruto da mentira.

Deus não se cansa de procurar os caminhos da humanidade: “onde estás?” (v. 9). A busca por Adão é a busca por todos nós, que nos perdemos do verdadeiro sentido da vida, que flertamos com “as serpentes” e esquecemos “o jardim”.

A tomada de consciência do retorno a Deus e da oposição ao mal encontra na Mãe de Jesus seu grande ícone. É o “sim” ao plano de Deus que possibilita uma nova história ser gestada a partir do nascimento do Salvador, que se tornou o vencedor de toda maldade e portador de nova esperança, à qual toda a humanidade está destinada. É Maria quem assegura nosso futuro, mesmo que a luta contra “as serpentes” se estenda até o fim dos tempos.

2. II leitura (Ef 1,3-6.11-12)

O futuro ao qual estamos destinados é viver como filhos: “Ele nos predestinou para sermos seus filhos adotivos por intermédio de Jesus Cristo, conforme a decisão da sua vontade” (v. 5). Maria está na raiz dessa garantia de futuro, porque possibilitou o nascimento do Filho de Deus.

O grande hino de louvor da carta de Paulo aos Efésios dá outro motivo de grande alegria: “Em Cristo, ele nos escolheu, antes da fundação do mundo, para que sejamos santos e irrepreensíveis sob o seu olhar, no amor” (v. 4). Em Jesus, formamos um grande corpo cuja força vital é do próprio Deus! Em nós está a semente para crescermos e vivermos como santos e imaculados, à medida que vencemos o mal e permitimos que a vida de Deus circule na nossa vida. Não há caminho para progredir senão no amor!

A maior de todas as bênçãos é participar da vitória de Deus sobre o mal, a qual se tornou irreversível pela disponibilidade de Maria. A “serpente”, embora esperta e voraz, está destinada a perder para sempre.

3. Evangelho (Lc 1,26-38)

O anjo Gabriel chamou Maria, a Imaculada, de “cheia de graça” (v. 28). Em Nazaré, no evento da encarnação, Deus revelou a vocação mais alta de toda a humanidade: ser portadora da graça. Maria, sinal maior, é amada, é chamada, é escolhida para ser a Mãe de Jesus, a Mãe de Deus, a Mãe da nova humanidade. Ao assumir a carne do mundo, o Senhor transformou o mundo em lugar da bênção. O novo ponto de partida de Deus é a humanidade!

Na sequência, imediatamente, o anjo Gabriel disse: “o Senhor está contigo!” A graça maior é que Deus está conosco! É como se Deus jogasse um feixe de luz na nossa fragilidade, na nossa pequenez. A bênção não é um ponto de chegada, um troféu para os perfeitos, mas sempre novo ponto de partida, uma recordação: você é portador da graça, o Senhor é contigo! Essa experiência pode ser transformadora para qualquer pessoa. Deus quer estar comigo para que eu nunca me afaste dele. A Igreja tem a missão de recordar esse amor, sendo amor para todas as pessoas e desde todas as pessoas.

Se a busca extrema pelo “eu” evidencia nossa tragédia, Maria carrega a voz da humanidade redimida: “eis-me aqui! Faça-se em mim...”. Ela é Imaculada porque, humana, acolheu integralmente a Deus, fez-se totalmente morada de Deus, tornou-se perfeitamente discípula de Deus. O sim de Maria é o não a qualquer pretensão de vida sem o outro, de violência contra o outro, de negação do outro. O sim de Maria é o sim a toda relação, a todo encontro, a todo diálogo, a todo gesto de abertura, escuta e acolhida. Maria é Imaculada porque soube reconciliar o passado, viver bem o presente e salvar o futuro. Trata-se de condição sempre dinâmica em que cada pessoa é convidada a acolher e colaborar com o plano de Deus, dentro da sua história.

III. Pistas para reflexão

A solenidade da Imaculada Conceição faz-nos recordar que, no princípio de tudo, está a iniciativa de amor de Deus. Do plano criador do Gênesis ao sim de Maria, há uma teia de acontecimentos reveladores da fidelidade de Deus e da atenção que ele sempre dispensou à humanidade. A vocação a uma vida santa e imaculada deve estar firmada no primado do amor, no chamado inicial e na resposta livre e autêntica. O futuro da vida depende de um “sim” disposto, aberto, relacional, capaz de ser gerador de vida em todos os gestos e palavras. Cada pessoa que diz seu “sim” torna-se colaboradora de Deus na salvação da humanidade.

Pe. Maicon André Malacarne*

*é pároco da paróquia São Cristóvão, Erechim, diocese de Erexim-RS. Possui mestrado em Teologia Moral pela Pontifícia Academia Alfonsiana (Roma), onde cursa o doutorado. É especialista em Juventude no Mundo Contemporâneo pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje, Belo Horizonte-MG); formado em Filosofia pelo Instituto de Filosofia Berthier (Ifibe, Passo Fundo-RS) e em Teologia pela Itepa Faculdades (Passo Fundo-RS). E-mail: [email protected]