Roteiros homiléticos
Publicado em novembro-dezembro de 2024 - ano 65 - número 360 - pp. 47-50
24 de novembro – NOSSO SENHOR JESUS CRISTO, REI DO UNIVERSO
Por Pe. Maicon André Malacarne*
Um Rei que dá testemunho da verdade!
I. Introdução geral
O livro do Apocalipse, na segunda leitura, guarda o anúncio: Jesus Cristo é o “soberano dos reis da terra”. É verdade que uma afirmação como essa pode ser mal interpretada ou mesmo utilizada para ameaçar ou amedrontar. Por isso, toda a liturgia da Palavra oferece um mapa para compreender bem o significado do Reinado de Jesus, cujo ápice é o serviço, o amor e a verdade.
O Evangelho apresenta a dramática cena da prisão de Jesus e do interrogatório de Pilatos. Nessa hora, Jesus anunciou que é rei, um rei diferente de todos os outros. A visão de Daniel, na primeira leitura, intui a chegada do Filho do Homem como vencedor das forças do mal. A potência do Filho do Homem é sua humanidade diretamente vinculada ao céu.
II. Comentário dos textos bíblicos
1. I leitura (Dn 7,13-14)
A linguagem apocalíptica de Daniel continua a nos conduzir neste domingo. Trata-se do capítulo sétimo, uma visão noturna em que o autor contempla quatro animais monstruosos saindo do mar, representando os reinos que perseguiram e oprimiram o povo de Israel. Em contraposição aos seres do mal, a continuidade do texto proclama a visão do Filho do Homem sobre as nuvens. Os dois versículos concluem com esta sentença: “Foram-lhe dados poder, glória e realeza, e todos os povos, nações e línguas o serviam: seu poder é um poder eterno que não lhe será tirado, e seu reino, um reino que não se dissolverá” (v. 14).
Se os animais vêm do mar – símbolo do caos –, o Filho do Homem vem do céu: do próprio Deus! Daniel anuncia que, se a história do povo foi marcada por tantas tragédias, será o Filho do Homem o responsável por cumprir a promessa de um Reino novo, de justiça e de paz. A chegada de Jesus confirmou a visão profética de Daniel e continua a ser um feixe de esperança para a escuridão das tragédias que ameaçam nossa vida pessoal e a vida de toda a humanidade.
A força do Filho do Homem para vencer os animais e o monstro marítimo não são os armamentos potentes que carrega, mas esta particularidade: ser homem, ser gente, ser humano! O Filho do Homem recorda o primado dos mais frágeis, dos mais pobres, daqueles que precisam de maior ajuda, porque são os preferidos de Deus.
2. II leitura (Ap 1,5-8)
O livro do Apocalipse, já nos primeiros versículos, anuncia que Cristo é o “príncipe dos reis da terra”. O autor quer marcar esse primado! Embora as potências do mundo pensem que dominam todas as coisas, é Deus quem estabeleceu a vitória de Jesus Cristo, símbolo maior dos injustiçados. Trata-se do triunfo do Reino da vida!
O Reinado de Jesus Cristo potencializa toda a humanidade: “que por seu sangue nos libertou dos nossos pecados e que fez de nós um reino, sacerdotes para seu Deus e Pai” (v. 5-6). Todo seguidor de Jesus é sacerdote que oferece a vida como sacrifício! É pelo serviço à humanidade – como lavadores de pés – que participamos do Reinado de Jesus.
De fato, Jesus é um rei diferente, um rei que não quer escravos, mas pessoas livres e dispostas a serem felizes à medida que doam a vida, que “oferecem o sangue”. A consequência de todo sacerdócio à maneira de Jesus é a perseguição, mas a vingança nunca será a resposta! “Baterão no peito por causa dele” (v. 7), vai concluindo o texto, para afirmar a conversão do coração de que todos, em todos os momentos, são chamados a participar.
3. Evangelho (Jo 18,33b-37)
O Evangelho desta solenidade traz a cena de Jesus entregue às autoridades judaicas. O diálogo com Pilatos evidencia as contradições entre o reinado do mundo e o Reinado de Deus. É do meio da derrota que Jesus proclama: “eu sou rei!” (v. 37). Um rei derrotado, sozinho, sem defesa, sem trono, sem exército. Jesus é o rei cuja glória é a cruz e cuja coroa é de espinhos. Jesus é rei que se expõe! Jesus, o rei cujo esplendor é estar rodeado de pessoas simples: mulheres, crianças, homens, doentes, loucos, pessoas com deficiência, marginalizadas, caídas nas estradas... O rei contador de causos!
O centro de toda a Boa Notícia de Jesus é o Reino de Deus. Não é possível compreender sua proposta sem essa chave, pela qual toda a sua vida está configurada. Ao afirmar “meu reino não é deste mundo” (v. 36), Jesus não está sugerindo que o Reino seja distante da história, dos acontecimentos cotidianos – como muitos movimentos concebiam, para defender uma religião espiritualista, etérea –, mas marcando a distância entre o Reinado do Pai e o reinado dos judeus, compreendido como domínio para subjugar e ameaçar.
O Reino de Deus não quer escravos ou doutrinados, mas seguidores livres, abertos e decididos a doar a vida! Esta é a verdade que Jesus testemunhou – não uma doutrina, uma ideia, mas sim o discernimento para responder ao Pai por meio de uma vida fecunda, disposta a amar e servir!
Paolo Scquizzato, sacerdote e escritor italiano, ajuda a sistematizar bem uma possível continuidade da resposta de Jesus a Pilatos:
Sim, caro Pilatos, eu sou rei. A única maneira de viver com realeza é servir, e a única maneira de ser poderoso é fazer o bem; a única maneira de possuir é dar, e é somente injetando luz na escuridão que ela pode ser dissolvida. Sim, eu sou rei porque compreendi que o único trono no qual vale a pena subir é a cruz, vivendo um amor que vai até o fim. E o único inimigo a quem é apropriado declarar guerra é a si mesmo, porque a luta contra o “inimigo” deve, antes de tudo, passar pelo coração de cada um de nós, superando a ignorância, a maldade, o egoísmo, a mentira e o ódio. Somente quando cada um tiver destruído dentro de si a arrogância do ego é que poderá se dar ao luxo de falar de paz e de exportá-la ao seu redor. Sim, somente o amor encarnado é real.
Por fim, ele afirma:
Se olharmos para Jesus como esse rei, então haverá salvação para todos nós, e a história será finalmente julgada e salva; se, em vez disso, continuarmos, como Pilatos, a “entrar e sair” da verdade e depois lavar as mãos e flertar com os reinos e os poderosos deste mundo, acabaremos matando o Inocente e, com ele, todos os inocentes da história”.
III. Pistas para reflexão
A solenidade de Cristo Rei pode ser ambígua, se não compreendida bem, se não assimilada na perspectiva da Boa Notícia do Reinado de Deus. De fato, a vocação “real” de todas as pessoas, o instinto mais humano, é servir. Todo batizado recebe um triplo presente: ao ser incorporado à comunidade dos seguidores de Jesus, é marcado como sacerdote, profeta e rei. A liturgia da Palavra desta solenidade ajuda a entender e meditar o Cristo como rei do serviço e do amor, rei eterno, para o qual estamos destinados, princípio e fim de todas as coisas! É importante rezar a qualidade das nossas relações comunitárias: facilitam ou impedem o crescimento no serviço?
Pe. Maicon André Malacarne*
*é pároco da paróquia São Cristóvão, Erechim, diocese de Erexim-RS. Possui mestrado em Teologia Moral pela Pontifícia Academia Alfonsiana (Roma), onde cursa o doutorado. É especialista em Juventude no Mundo Contemporâneo pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje, Belo Horizonte-MG); formado em Filosofia pelo Instituto de Filosofia Berthier (Ifibe, Passo Fundo-RS) e em Teologia pela Itepa Faculdades (Passo Fundo-RS). E-mail: [email protected]