Roteiros homiléticos
Publicado em novembro-dezembro de 2024 - ano 65 - número 360 - pp. 43-45
10 de novembro – 32º DOMINGO DO TEMPO COMUM
Por Pe. Maicon André Malacarne*
A gramática da confiança e da partilha!
I. Introdução geral
A liturgia da Palavra deste domingo relata o protagonismo de duas viúvas, símbolo dos excluídos e esquecidos de Israel e, ao mesmo tempo, sinais de fidelidade, de consciência e de confiança em Deus. A “primeira” viúva, de Sarepta, com um pouco de farinha e de azeite, esperando a morte, no meio de uma grande seca, não deixa de confiar na palavra do profeta Elias e partilha seu pouco, que “nunca terminou”. A viúva do Evangelho, oferecendo “tudo aquilo que tinha” no templo, tornou-se um dos modelos para Jesus criticar a atitude vaidosa e hipócrita dos escribas e alertar para a verdade do coração e das atitudes das quais os discípulos deveriam tomar consciência.
Em Sarepta e no templo, o gesto das viúvas antecipa a Páscoa de Jesus Cristo – na cruz, Jesus ofereceu-se inteiro para o perdão dos pecados e para a salvação do mundo. Não se trata de gesto exterior, do cumprimento de uma norma, mas da vida doada, do sangue derramado, do cumprimento do amor como única lei.
II. Comentário dos textos bíblicos
1. I leitura (1Rs 17,10-16)
A viúva de Sarepta tinha consciência do pouco que possuía: era-lhe impossível alimentar a si mesma e ao filho, quanto mais ao profeta Elias. A falta de chuva, as calamidades, faziam que os pobres sofressem ainda mais. As seduções dos ídolos, especialmente Baal, deus da fertilidade, tornavam as pessoas ainda mais dependentes de falsas promessas.
O profeta Elias denunciou essas mentiras, e o rei Acab, querendo buscar um culpado, pretendia matá-lo. A fuga de Elias o levou para Sarepta, onde encontrou a viúva que tinha apenas um punhado de farinha e um pouco de azeite. Depois, esperaria a morte com seu filho. A mulher, que nem sequer conhecia Elias, ofereceu-lhe tudo o que tinha. De fato, confiou no pedido do profeta e o milagre se tornou possível: “E comeram, ele e ela e sua casa, durante muito tempo. A farinha da vasilha não acabou nem diminuiu o óleo da jarra” (v. 15-16).
A mulher de Sarepta recorda algo fundamental: o milagre é a partilha, é a comunhão, são os vínculos! Na contramão da lógica do acúmulo, não é a quantidade de farinha e de azeite, mas a qualidade dos sentimentos de amor que conseguimos carregar. É aqui que as águas se dividem! É aqui que o milagre é possível!
2. II leitura (Hb 9,24-28)
A vida doada de Jesus Cristo é o mapa por onde deve peregrinar nossa vida cristã. O autor da carta aos Hebreus desenvolve a perspectiva sacerdotal de Jesus em paralelo com a figura sacerdotal do Antigo Testamento. Em Jesus, o sacerdócio se tornou perfeito! Se os sumos sacerdotes entravam no Santo dos Santos – a parte mais sagrada do templo –, todos os anos, para oferecer sacrifícios, Jesus Cristo derramou seu próprio sangue para salvar e libertar o mundo!
A plenitude do sacerdócio de Jesus não é uma oferta exterior, mas a vida feita dom, a vida ofertada na cruz! Ressuscitado pelo Pai, Jesus, com seu gesto, destruiu definitivamente o pecado: “Do mesmo modo, também Cristo, oferecido uma vez por todas, para tirar os pecados da multidão, aparecerá uma segunda vez, fora do pecado, para salvar aqueles que o esperam” (v. 28).
O amor, mais cedo ou mais tarde, exige o sacrifício de si. O que Jesus realizou na cruz foi a forma mais transparente e livre do amor! O sacrifício não é castigo, não é prova de força, mas a possibilidade de experimentar o limiar, de tatear o nada, de saborear o abandono, na direção de um amor ainda maior, que não conserva para si nenhuma das únicas duas moedas.
3. Evangelho (Mc 12,38-44)
O templo de Jerusalém constitui o cenário do Evangelho. Jesus viu que “muitos ricos depositavam grandes quantias de oferta” (v. 41), mas sublinhou o gesto de uma mulher: “deu duas pequenas moedas, que não valiam quase nada” (v. 42). De fato, “ofereceu tudo aquilo que possuía para viver” (v. 44).
A oferta total da pobre viúva antecede a Páscoa de Jesus. Na cruz, ele ofereceu-se totalmente! A Páscoa do cotidiano é sempre limiar da Páscoa da ressurreição. Nesse sentido, a expressão “ofereceu tudo aquilo que possuía” é muito forte e transforma-se em itinerário de um projeto de vida. Só é possível tatear o significado do amor de Deus com a régua da oferta da vida, da gratuidade, da generosidade, do amor.
Lawrence Carroll, artista estadunidense de origem australiana, é muito original ao estabelecer como ponto de partida de toda a sua obra materiais reciclados, ligados ao drama da vida das pessoas. Ele estabelece com o abandono uma perspectiva de ressurgimento. Nada é inútil, tudo guarda uma potência de vida e pode ser transformado. O rejeitado aguarda a redenção, é sinal de ressurreição.
Também nosso grande poeta brasileiro Manoel de Barros ajuda a desenhar o quadro do abandono, da importância de olhar as coisas com outros olhos, de outras perspectivas, a vida feita dom, oferta que não retém nada:
Prefiro as máquinas que servem para não funcionar: quando cheias de areia, de formiga e musgo – elas podem um dia milagrar de flores. (Os objetos sem função têm muito apego pelo abandono). Também as latrinas desprezadas que servem para ter grilos dentro – elas podem um dia milagrar violetas. (Eu sou beato em violetas). Todas as coisas apropriadas ao abandono me religam a Deus. Senhor, eu tenho orgulho do imprestável! (O abandono me protege)” (Livro sobre o nada, poema 11, 1996).
A tentação da vaidade, da autorreferencialidade, de fazer para aparecer, que Jesus critica duramente no início do Evangelho, com base na forma de vida dos escribas, é chamada de atenção para a verdade do nosso estilo de vida, que não pode ser mascarado por gestos isolados, mas deve, pouco a pouco, revelar a verdade do coração.
III. Pistas para reflexão
Um coração pobre, capaz de doar e doar-se, de não reter nada para si, é o sinal mais sagrado e o templo mais rico para Deus! A liturgia da Palavra deste domingo é como uma gramática para não confundirmos o que é prioritário na vida de fé. Os gestos e palavras de todos os dias, pequenos, “que parecem não funcionar para nada”, devem, aos poucos, nascer do amor e nele se purificar. A grandeza das viúvas é a grandeza de quem aprendeu a amar e confiar, sem mascarar nada.
Pe. Maicon André Malacarne*
*é pároco da paróquia São Cristóvão, Erechim, diocese de Erexim-RS. Possui mestrado em Teologia Moral pela Pontifícia Academia Alfonsiana (Roma), onde cursa o doutorado. É especialista em Juventude no Mundo Contemporâneo pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje, Belo Horizonte-MG); formado em Filosofia pelo Instituto de Filosofia Berthier (Ifibe, Passo Fundo-RS) e em Teologia pela Itepa Faculdades (Passo Fundo-RS). E-mail: [email protected]