Roteiros homiléticos

Publicado em setembro/outubro de 2024 - ano 65 - número 359 - pp. 51-54

6 de outubro – BEM-AVENTURADA VIRGEM MARIA DA CONCEIÇÃO APARECIDA – RAINHA E PADROEIRA DO BRASIL

Por Pe. Junior Vasconcelos do Amaral*

Maria, mãe de clemência

I. INTRODUÇÃO GERAL

Hoje celebramos a solenidade da Bem-aventurada Virgem Maria da Conceição Aparecida, rainha e padroeira do Brasil, e também o dia das crianças. Suplicamos a Deus seus favores, copiosas e clementes bênçãos para nossas crianças, futuros homens e mulheres que continuarão neste mundo a missão de edificar seu Reino de justiça, amor e paz.

Na primeira leitura, do livro de Ester, somos exortados a nos transformarmos todos em intercessores de uns pelos outros. Nossa fé não deve ser um amuleto, mas um instrumento de comunhão e desejo de bem para os outros. Também isso pode ser evidenciado no Evangelho, que nos insere na cena de Caná, das bodas com o noivo Jesus. Ele vem nos conceder o vinho novo da alegria. Quem intercede por nós em nossas carências é sua mãe, exemplo de intercessora fiel. A segunda leitura traz a imagem de uma mulher que se levanta para destruir o dragão, símbolo do mal. Essa mulher combate as forças perversas que desejam assolar a humanidade e é símbolo da Igreja, a qual deve ser mãe e mestra a cuidar de nós e nos guiar.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. I leitura (Est 5,1b-2; 7,2b-3)

Ester, importante personagem bíblica, no livro que carrega seu nome, surge para justificar a origem da importante festa judaica de Purim, ou festa da Sorte – “tirar a sorte”, em tradução do hebraico. O cenário desse livro situa-se no período persa (aproximadamente 350 a.C.). Contudo, muitos estudiosos situam a redação do livro no período conturbado de Antíoco IV Epífanes, por volta do ano 170 a.C.

A narrativa do livro mostra a trajetória de uma personagem chamada Ester, uma judia levada para o reino de Assuero. Ela tem um inimigo dentro do reino, chamado Amã, mas conta com a ajuda de seu primo Mardoqueu. O rei Assuero se encanta com Ester e a torna sua esposa. Ela, no momento certo – evidenciado na narrativa desta primeira leitura –, ao entrar nos aposentos do rei, faz-lhe um pedido: que ele conserve sua vida e a vida de seu povo (Est 7,3).

A trama se desenrola sob o clima de traição dos servidores do rei, o qual conta com a fidelidade de Ester e do primo dela, Mardoqueu. Amã, que havia conseguido deturpar a ideia do rei sobre a influência dos judeus naquelas terras, faz que Assuero decrete o Purim, o dia da sorte, para consumar seu plano de matá-los. Ester pede que o rei volte atrás em tal decreto, mas o rei não pode reeditá-lo. Contudo, a rainha o convencerá a escrever outro decreto, permitindo que seu povo lute, em resistência, contra o exército persa e medo (da Média). Os judeus, antes do ataque medo-persa, exterminam inúmeros persas e não são mortos, segundo havia decretado anteriormente o rei Assuero.

A trama narrada nesta solenidade começa com a afirmação de que Ester tocou na ponta do cetro real, símbolo de poder. Como ela tem íntima proximidade com o rei, intercede junto a ele por seu povo e obtém dele a decisão de não fazer o povo judeu perecer pela oposição de Amã e de todo o exército persa.

2. II leitura (Ap 12,1.5.13a.15-16a)

O capítulo 12 do Apocalipse de São João pode ser considerado o coração desse livro. Nele, a humanidade e a desumanidade contracenam num combate apocalíptico. A mulher é símbolo do que humaniza, do que traz o Homem-Deus ao mundo, irradiando a todos o poder salvífico. O dragão, em contrapartida, representa tudo o que desumaniza e destrói a humanidade; é a personificação do mal. Ele é derrotado pela mulher, símbolo da Igreja, que dá à luz Cristo no mundo.

No céu aparece um grande sinal: uma mulher vestida de sol. A cor dourada simboliza Deus; a lua debaixo dos pés, o mistério daquilo que a ilumina; as doze estrelas que a coroam, os apóstolos que adornam a Igreja, esposa de Cristo. Ela dá à luz um filho – o próprio Cristo, a quem o dragão quer devorar (v. 5). O filho é um varão com cetro de ferro, lembrando o Messias, o Senhor que vai governar o mundo. O dragão persegue essa mulher. Ele representa o Império Romano, que, no final do século I, sob o domínio do imperador Domiciano, quer destruir a mulher, a Igreja. A mulher está sempre relacionada a Cristo – v. 15. Ela está ligada ao menino que havia dado à luz.

Toda a cena apresenta o dragão com um poder dominador e destrutivo, que, no entanto, não causa danos ou males à mulher. Dela a terra vem em socorro, abrindo a boca e engolindo o rio que o dragão havia vomitado. Embora muitas vezes seduzida por aquilo que o dragão é capaz de oferecer-lhe, a terra, nesse momento, sente-se responsável por se solidarizar com a mulher, portadora não só das marcas da fragilidade, mas também da vitalidade, pois trouxe à vida o filho, o único que pode salvar o mundo.

3. Evangelho (Jo 2,1-11)

As bodas de Caná, título pelo qual é conhecido o Evangelho desta solenidade, constituem uma metáfora da fé inaugural dos discípulos em Jesus. Essa narrativa vai da falta ao excesso, do mistério desconhecido ao conhecido, daquilo que não tem sabor ao vinho melhor até agora. Nela se destaca o cuidado da mãe de Jesus, que, atenta às necessidades dos noivos, diz: “Eles não têm mais vinho” – exprimindo sua preocupação com a falta de alegria, o significado do vinho.

Em Caná estavam, como convidados, Jesus, sua mãe e seus discípulos. A mãe de Jesus parece ter proximidade com os “noivos”, que muito pouco aparecem na trama. O noivo, teologicamente dizendo, é o Filho, Jesus. A noiva é a Igreja – e, portanto, todos nós, que vamos, desde o início do Evangelho de João, buscar descobrir quem é Jesus, para com ele celebrar as núpcias, uma relação de proximidade, comunhão e perfeita alegria.

Há um problema na festa: o vinho veio a faltar. Numa festa, o vinho simbolizava a alegria, a comunhão e a festividade dos momentos ímpares como um casamento. Era o terceiro dia, a terça-feira, seguindo o costume judaico de se casar e de se dar em casamento. A mãe de Jesus dirige-se a seu filho, dizendo-lhe: “Eles não têm mais vinho”. O vinho, como os quitutes do casamento, deveria ser calculado, a fim de que não viesse a faltar durante os sete dias de celebração. Jesus, por sua vez, diz: “Senhora, o que tenho a ver com isso? Minha hora ainda não chegou”. A hora é uma temática teológica importante para o Quarto Evangelho, traduzindo o momento da doxa, a glória de Jesus, que será sua morte e ressurreição, momento verdadeiro de transformação.

A mãe de Jesus diz aos serventes que façam o que seu filho disser. Jesus, de sua parte, diz: “Enchei as talhas de água”. As talhas, como explica João a leitores possivelmente não judeus nem piedosos, serviam para as abluções – purificações feitas pelos judeus com o mikvah, uma jarra com duas alças usada para tirar a água de uma talha e lavar as mãos, até ficarem limpas.

Jesus, assim, ao transformar água em vinho, traz-nos um sinal, revelador de exuberância e mistério. As seis talhas simbolizam os dias da criação, que se deixam transformar em dias de alegria, rumo ao sétimo dia, o da plenitude.

Os convivas, os noivos e o mestre de cerimônia devem provar desse novo vinho, que os conduzirá à alegria perfeita. Por isso, o mestre de cerimônia prova do vinho, que é a perfeita comunhão com o noivo. Este – que, na verdade, é Jesus – ouve: “Todo mundo serve primeiro o vinho bom e, quando os convidados já estão embriagados, serve o vinho menos bom, mas você guardou o vinho melhor até agora”. Esse vinho novo é o próprio Cristo, que, ao ser experimentado por nós, seus discípulos e discípulas, nos enche de fé. Isso é não apenas um milagre, que fala por si, mas é também um sinal, que indica as realidades que virão: a comunhão perfeita e a alegria, das quais Jesus nos convida a participar.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

Somos chamados a compreender o significado libertador das atitudes das mulheres nas leituras. Ester (primeira leitura), a mulher, símbolo da Igreja (segunda leitura), e a mãe de Jesus (Evangelho) demonstram força e cuidado. Elas se preocupam com a vida da humanidade, com o bem-estar social e com a realização de cada ser humano. A força das mulheres na sociedade e na Igreja deve ser mais valorizada. Elas devem ter maior espaço, voz e direitos nas esferas de decisão, de organização e nas frentes de trabalho. A mulher exerce no mundo uma força criativa exuberante. Perceber que a humanidade pode conviver harmoniosamente se todos cooperarmos para assegurar a justiça e o direito a cada pessoa.

Pe. Junior Vasconcelos do Amaral*

*é presbítero da arquidiocese de Belo Horizonte-MG e vigário episcopal da Região Episcopal Nossa Senhora da Esperança (Rense). Doutor em Teologia Bíblica pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje), realizou parte de seus estudos de doutorado na modalidade “sanduíche”, estudando Narratologia Bíblica na Université Catholique de Louvain (Louvain-la-Neuve, Bélgica). Atualmente, é professor de Antigo e Novo Testamentos na PUC-Minas e pesquisa sobre psicanálise e Bíblia. E-mail: [email protected].