Carta do editor

Julho-Agosto de 2024

Processo Sinodal:
Avanços, desafios e entraves

Prezadas irmãs, prezados irmãos, graça e paz!

A clássica frase de Santo Agostinho: “Para vocês eu sou bispo, com vocês sou cristão” é inspiradora e ilumina esta edição de Vida Pastoral. A sinodalidade é um caminho feito junto; um caminho comunitário, em que todos têm a mesma dignidade e a compreensão de que a fonte de toda missão na Igreja é o batismo. Ele é a porta de acesso para os outros sacramentos.

Ocorre que, na prática, ao longo da história da Igreja, houve e há incompreensão a respeito da coexistência do batismo com as dimensões dos outros sacramentos. Essa resistência a considerar que o batismo nos iguala em dignidade e supera as pretensões de poder tem nome: chama-se clericalismo. O papa Francisco tem criticado e combatido o clericalismo, que ele chegou a chamar de “chaga” na Igreja.

Ninguém se ordena diácono, padre, bispo se antes não for batizado; ninguém faz os votos religiosos se antes não receber o batismo. Então, o bispo de Hipona dá a lição: “com vocês sou cristão”. Francisco tem procurado fazer isso. Como bispo de Roma, desde o início de seu pontificado, com gestos e ações, procura ser um cristão com os cristãos. Quem não se recorda de sua primeira aparição na varanda do Vaticano, em 13 de março de 2013, tão simples, com vestes leves, olhar suave e traços de sorriso de um lado ao outro da face? Com certo ar de espanto também. “Rezem por mim”, foi o primeiro pedido do papa.

Ele adotou um estilo de vida austero. Dispensou as pompas do palácio apostólico para viver na casa Santa Marta, lugar de hospedagem. Preferiu uma cadeira simples a outra que mais parecia o trono de um imperador. Não põe seus pés nos luxuosos sapatos Prada. Seus pés são pés de mensageiro que anuncia a paz (Sl 52). A cruz peitoral é a expressão do Cristo misericordioso, livre e acolhedor. Em suas viagens, sempre conduz uma pasta, aparentemente de muito uso. Decerto aquela pasta carrega sonhos de uma Igreja sinodal.

Apesar de sua idade e problemas nos joelhos e no pulmão, Francisco tem sido um peregrino. Sua primeira viagem como papa foi ao Brasil, em 2013, por ocasião da 28ª Jornada Mundial da Juventude. Desde o início, preferiu visitar os países periféricos, não correu logo ao encontro das potências do poder econômico mundial. Insiste no diálogo inter-religioso, com ênfase no mundo islâmico, assim como já visitou vários países de minoria católica. Francisco faz jus ao nome pontífice: ele quer construir pontes e derrubar muros.

O papa tem falado para além das fronteiras da Igreja católica. Seu olhar mira as periferias geográficas e existenciais, como bem ressalta em sua primeira exortação apostólica, Evangelii Gaudium, a Alegria do Evangelho.

O ponto de partida do pontificado de Francisco é o anúncio da alegria, a comunicação da Boa Notícia. “A alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus.” (EG 1). Para que essa alegria seja realidade desde agora e se plenifique no paraíso, Francisco é uma voz que clama para a necessidade da fraternidade humana. Para isso nos brindou com um belíssimo texto, a Fratelli Tutti, uma das encíclicas mais notáveis de seu ministério, que indica a urgência da fraternidade e da amizade social para construir um mundo de paz e justiça para todos, denunciando os que fazem guerra, os que açambarcam os bens da terra e deixam multidões na penúria, na fome, na dor.

O papa tem sido incansável no cuidado e atenção com a família, com a ecologia integral; no enfrentamento dos abusos no interior da Igreja. Além disso, no processo sinodal, tem valorizado o protagonismo dos cristãos leigos, com destaque para a presença da mulher na vida eclesial.

É crucial estarmos com o papa, promovermos seu pensamento: uma Igreja sinodal, aberta aos dilemas contemporâneos, mais acolhedora, plural, que se esforce para ler e compreender os sinais dos tempos. Estes tempos tão desafiadores, de crise humanitária, em que o acolhimento é mais importante do que o apego a doutrinas. Doutrinas que já não tocam a existência. Francisco insiste e deseja uma Igreja “pronto-socorro”, inspirando-se no evangelho de Jesus. Uma Igreja capaz de acolher as diferenças, menos legalista e mais amorosa.

Boa leitura!

Pe. Antonio Iraildo Alves de Brito, ssp

Editor