Publicado em maio-junho de 2024 - ano 65 - número 357 - pp.: 37-40
5 de maio – 6º DOMINGO DA PÁSCOA
Por Ir. Izabel Patuzzo, pime*
Deus nos amou primeiro
I. INTRODUÇÃO GERAL
As leituras deste domingo nos convidam a contemplar o amor de Deus, que se manifesta de muitos modos na história da salvação, mas sobretudo por meio de Jesus Cristo, que, por palavras e gestos, tornou esse amor visível aos olhos humanos. Somos convidados a amar uns aos outros porque Jesus nos ama. Somos convidados a reconhecer que qualquer pessoa que não ama, não pauta sua vida segundo a proposta de Deus. O amor divino pela criatura humana é incondicional, não exclui ninguém. Na primeira leitura, o texto dos Atos dos Apóstolos nos mostra que a salvação oferecida por Deus em Jesus Cristo deve ser levada ao mundo por meio dos discípulos; eles são enviados como portadores dessa proposta amorosa de Deus, que inclui todas as nações e todas as categorias de pessoas. A segunda leitura apresenta uma das mais belas e completas definições acerca do amor do Criador pela criatura: a pessoa de Jesus Cristo é a forma visível, palpável, do amor do Pai. Em Jesus, o amor de Deus pela humanidade se torna concreto em palavras e obras. No Evangelho, Jesus define as coordenadas do caminho de seu discipulado, que consiste em testemunhar o mandamento do amor a Deus e ao próximo ao longo da vida toda, a exemplo dele, que deu sua vida por amor.
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. I leitura (At 10,25-26.34-35.44-48)
A leitura relata um fato ocorrido quando a Igreja, em situação de diáspora, anuncia o Evangelho aos gentios. O texto deste domingo nos narra a conversão do gentio Cornélio, a qual consiste num dos pontos altos dos Atos dos Apóstolos. Cornélio era o centurião encarregado da corte romana da cidade de Cesareia. Era um prosélito que certamente temia a Deus e simpatizava com os ensinamentos do judaísmo, mas não se tornava membro pleno da comunidade judaica por meio da circuncisão.
A conversão de Cornélio é um evento extremamente importante, pois demonstra que o Evangelho se dirige a todas as pessoas e que o poder do Espírito Santo não conhece limites. Até esse ponto, o Evangelho havia sido pregado apenas aos judeus. Sua extensão aos samaritanos foi vista como um anúncio de salvação para pessoas que, em algum momento, haviam feito parte do povo escolhido. Ao pregar apenas aos judeus, os discípulos estavam considerando o fato de que o povo de Israel era o único povo escolhido por Deus para ser portador das promessas divinas – portanto, tinha o direito de ser o primeiro a receber a mensagem definitiva de salvação. Jesus mesmo agira com base nesse princípio e dissera a seus discípulos que pregassem apenas “às ovelhas perdidas de Israel” (Mt 10,6).
Agora, Deus intervém para fazer Pedro perceber que a Boa-nova do Evangelho se destina a todos. É seu desejo que todas as pessoas sejam salvas; portanto, os cristãos precisam abandonar as ideias restritas do judaísmo em relação à abrangência da salvação e proclamar a Boa-nova até os confins da terra, para todas as pessoas em todas as terras.
2. II leitura (1Jo 4,7-10)
Criados à imagem e semelhança de Deus, somos chamados a demonstrar essa filiação divina em nossas relações com os outros. Cumpre-nos demonstrar amor em nossas interações com o próximo. Não se trata do amor que é natural ao ser humano, mas do amor que foi revelado por Deus e é percebido pela fé. Essa realidade é muito bem retratada na primeira carta de João às comunidades da Ásia Menor das quais ele cuidava pastoralmente. O mandamento do amor a Deus e ao próximo é a máxima da identidade cristã. Por isso, João define Deus como amor. O autor está plenamente convencido de que o amor é a característica mais marcante do ser de Deus. E a prova mais concreta desse amor consiste em ter enviado seu único Filho ao mundo para expressar, em plenitude, o amor do Pai pela humanidade.
Os discípulos de Jesus, com a plena consciência de sua filiação divina, devem transparecer, com sua vida, que acreditam em um Deus cujo amor é incondicional, total e radical. A segunda leitura afirma que conhecer a Deus significa viver na íntima relação com o Transcendente e com os irmãos e irmãs. Quem nasce de Deus deve, pois, amar os irmãos e irmãs com o mesmo amor incondicional, desinteressado e gratuito que caracteriza o amor de Deus. Ser filho e filha de Deus é viver nessa profunda comunhão, expressa no mandamento do amor.
3. Evangelho (Jo 15,9-17)
O texto do Evangelho deste domingo está situado no longo discurso de despedida de Jesus a seus discípulos durante a última ceia e após lavar os pés dos discípulos. Esses eventos, segundo João, caracterizam-se como a grande manifestação de amor de Jesus, que amou os seus até o fim. No discurso de despedida narrado por João, podemos ver o dinamismo que emana de um gesto em si, o lava-pés, para sintetizar a entrega total de Jesus por amor, na liberdade e no serviço. Portanto, esse gesto é um dos sinais de sua identidade e apela à fé daqueles que observam sua ação e ouvem seu longo discurso de despedida. Seus gestos e palavras são indicações de atitudes exigidas também daqueles que se põem no caminho de seu seguimento, incluindo os que se tornarão seus discípulos no futuro. Na narrativa joanina da paixão, há um desenvolvimento desse ato de amor radical de Jesus, que é a livre entrega na cruz. É uma entrega percebida por João como a glorificação de Jesus e descrita como a passagem da Palavra que se fez carne e que agora se prepara para voltar ao Pai.
Esse texto nos revela que Jesus é o Filho amado que foi enviado pelo Pai a este mundo para testemunhar o seu amor. Do mesmo modo, o Filho escolheu e enviou seus discípulos ao mundo para continuar sua missão e, por toda a vida, testemunhar a graça divina. Portanto, fazer parte da comunidade dos seguidores de Jesus não consiste em olhar para o céu, contemplando e admirando o Mestre, mas sim em repetir seus gestos e palavras de amor – de modo particular, em favor daqueles que mais necessitam de nosso cuidado, como os pobres, os excluídos, os pequenos, os abandonados, os doentes e todos aqueles que dependem de nossa solidariedade e misericórdia.
As palavras de Jesus, nesse momento de despedida, deixam claro que seus discípulos não estarão sozinhos em seus desafios e sofrimentos. Jesus lhes assegura que ele mesmo cuidará daqueles que o Pai lhe confiará até o fim dos tempos, intercedendo por todos. Seu amor sustentará os seus no serviço de doação aos irmãos. Identificado com Jesus e sua mensagem, o grupo dos que celebram com ele a última ceia tem plena solidariedade e apoio. Ao deixar o mandamento do amor, Jesus propõe outra chave de compreensão para a fecundidade da videira que havia mencionado anteriormente. A condição para dar frutos, agora, consiste em permanecer unidos a ele e aos demais pelo vínculo do amor. Esse novo modo de expor a relação entre o Pai, ele próprio e os discípulos não deixa dúvidas de que a amizade entre todos supõe o dar a vida por aqueles que amamos.
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
A Palavra de Deus nesta liturgia nos chama a confirmar, em nosso coração e em nossas ações, a novidade de sermos discípulos do Filho de Deus. No que se refere ao relacionamento com Deus, a escuta da realidade em que servimos, o compromisso e a atenção com a comunidade de fé são como sementes de compromisso com a Palavra de Deus, a qual nos motiva a tomar atitudes e fazer escolhas possíveis para viver o amor incondicional que Jesus propõe.
O relacionamento com Deus nos faz crescer na consciência de estarmos em relação com a Trindade. Somos pensados, queridos, presenteados com a riqueza da graça divina, salvos pelo amor do Pai, do Filho e do Espírito que acompanha os discípulos. Desse modo, nossa resposta ao amor de Deus, que nos amou primeiro, consiste em servir e amar os irmãos e irmãs que ele nos confia.
A escuta da realidade nos leva ao contínuo esforço de adotar um modo de amar que seja gerador de relacionamentos livres e libertadores, ou seja, não fundamentados em interesses materiais, mas na gratuidade, na doação generosa aos irmãos mais necessitados.
O compromisso com a realidade implica dar a própria vida, de diversas formas, como expressão concreta da caridade. Os diferentes contextos em que somos chamados a dar testemunho de nossa fé em Jesus Cristo requerem abertura a novas experiências de solidariedade, comunhão, partilha de vida, de dons e serviços aos necessitados.
As leituras desta liturgia nos convidam à vivência comunitária como uma missão de amor. A imagem da Trindade nos ajuda a recuperar a alegria de sermos chamados para seguir o caminho do discipulado de Jesus Cristo; somos destinatários de uma proposta amorosa de salvação, a qual somos convidados a irradiar ao nosso redor.
Ir. Izabel Patuzzo, pime*
*pertence à Congregação Missionárias da Imaculada. Mestre em Aconselhamento Social pela South Australian University e em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Licenciada em Filosofia e Teologia pela Faculdade Nossa Senhora da Assunção. Doutora em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. E-mail: [email protected]