Publicado em maio-junho de 2024 - ano 65 - número 357 - pp.: 4-9
A Palavra de Deus fonte de toda pastoral
Por Pe. César de Jesús Buitrago López*
O artigo expõe, de forma sucinta, a importância que a Palavra de Deus tem na vida e missão da Igreja. Apresenta como a Palavra de Deus constitui uma realidade fontal para todas as pastorais, sustentando-as, uma vez que não é considerada apêndice de uma pastoral específica, mas sim a alma de qualquer ação evangelizadora.
1. A Palavra de Deus: fonte de toda pastoral
Na Igreja, existe grande convicção que não advém apenas do raciocínio humano, mas sobretudo da própria revelação: tudo foi criado e existe pelo Logos, pela Palavra de Deus (cf. Gn 1; Jo 1). A Igreja, fundamentada na Palavra de Deus, nasce e vive por meio dela. Toda a história é um testemunho vivo de como o povo de Deus encontrou nessa Palavra sua força e ponto de partida, sempre que precisa se renovar.
É importante destacar que, ao se referir à Palavra de Deus, não se está falando do texto escrito (os 73 livros do cânon católico), mas sim de uma pessoa, a segunda pessoa da Santíssima Trindade, a Palavra que é Jesus Cristo. Portanto, é possível afirmar que a Palavra de Deus não se identifica propriamente com a Bíblia. Esta contém a Palavra de Deus, mas a Palavra de Deus transcende o livro. Não se deve confundir o livro (a Bíblia) com a Palavra de Deus.
2. A Bíblia ou a Palavra de Deus é o fundamento de toda pastoral?
Costuma-se confundir a Bíblia com a Palavra de Deus ou referir-se indistintamente a ambas. Uma vez que o propósito desta reflexão é esclarecer que somente a Palavra de Deus é um fundamento perene e válido para qualquer ação pastoral, faz-se necessário, portanto, apresentar breve distinção entre o que entendemos por Bíblia e por Palavra de Deus.
O termo “Bíblia”, de origem grega (plural de biblion, “papiro para escrever” e também “livro”), literalmente significa “os livros”. O vocábulo passou do grego para o latim e, por meio deste, para as línguas ocidentais, já não como um nome no plural, e sim como um singular feminino: a Bíblia, ou seja, o livro por excelência. Com esse termo, passou a ser usado para referir-se à coleção de escritos reconhecidos como sagrados pelo povo judeu e pela Igreja cristã.
A Bíblia é composta de 73 livros sagrados que foram inspirados pelo Espírito Santo. Eles comunicam, de forma imutável, a palavra do próprio Deus e fazem ecoar a voz do Espírito Santo nas palavras dos profetas e dos apóstolos. Nos livros sagrados, o Pai que está nos céus se dirige com amor aos seus filhos e fala com eles (BENTO XVI, 2010).
Pode-se afirmar decisivamente que a Palavra de Deus é a pessoa divina do Filho enquanto expressa por Deus de maneira humana (encarnação) e cujo conteúdo está intrinsecamente relacionado com o próprio ser e desejo de Deus para a humanidade, ou seja, com sua verdade salvífica (revelação que salva). Essa Palavra é a Palavra definitiva de Deus (BENTO XVI, 2010), não apenas porque Ele se revela a si mesmo de uma vez por todas (dimensão escatológica), mas também porque Ele se revela a si mesmo de modo total ou absoluto em Cristo (dimensão cristológica). Portanto, a Palavra de Deus é a presença solícita de Deus em seu Filho feito homem, com a intenção de comunicar, em categorias humanas e para os seres humanos, seu ser e desejo salvífico.
O Logos existe antes, durante e depois do livro (a Bíblia). Portanto, a Palavra de Deus contida na Escritura é chamada a ser a alma de toda a pastoral, ou a seiva que enche a Igreja de vitalidade e infunde em todos os discípulos-missionários autêntica experiência de ressurreição.
3. A pastoral na Igreja tem como fonte a Palavra de Deus
A centralidade da Palavra de Deus desempenha um papel fundamental na vida da Igreja: a Igreja vive da Palavra de Deus, escuta-a, celebra-a, põe-na em prática. A fidelidade à Palavra é fonte e critério de autenticidade de toda ação pastoral. No entanto, é necessário compreender claramente o que a tradição cristã sempre entendeu pelo adjetivo “pastoral”. Sua etimologia, tanto na Septuaginta quanto no Novo Testamento, é expressa pelo substantivo grego poimēn, designando como pastor toda pessoa que cuida do gado, seja maior ou menor. Em sentido metafórico, refere-se àquele que conduz ou guia uma comunidade (GARCÍA SANTOS, 2015, p. 698).
Por sua vez, o verbo poimaíno aparece na tradução da Septuaginta e no Novo Testamento com o significado de pastorear, guiar o gado para lugares de água e alimento. Em sentido figurado, significa conduzir, liderar um povo ou grupo de pessoas. Na tradição cristã, sempre foi entendido como guiar aqueles que estão confiados ao nosso cuidado para a vida de Deus. O sentido e o valor de toda a pastoral na Igreja é ser a mediação dessa vida divina para todos os homens e mulheres.
Toda a tradição bíblica evidencia que o exercício da pastoral se refere ao pastoreio de Deus. O próprio Deus se apresenta como o primeiro pastor na revelação divina ao conduzir seu povo do Egito até a Terra Prometida. Deus se revela como o pastor, aquele que é, aquele que está (Ex 3,14-15). A pastoral, nesse sentido, é dar seguimento ao projeto original de Deus; acompanhar as jornadas da humanidade, dos seus desertos a uma terra mais fértil.
O Sl 23 se torna, portanto, muito revelador. O orante israelita, mediante duas imagens – a do pastor (v. 1-4) e a do anfitrião (v. 5-6) – e tendo como pano de fundo a pergunta: “O que o Senhor faz por mim?”,1 apresenta todo o cuidado do qual é objeto por parte do pastor.
O pastor (v. 1-4) oferece confiança para todas as situações da vida, por mais adversas que sejam. Isso é expresso pelo “nada me falta”, pelo fato de ele me fazer “descansar em verdes pastos”, “beber de fontes tranquilas”, “recuperar minhas forças”, “caminhar pelo caminho certo”. Além disso, a segurança é garantida, pois “seu cajado e sua vara” me protegem.
Com a imagem do anfitrião, fica evidente a abundância do dom que o pastor concede às suas ovelhas, além do triunfo sobre os inimigos que as espreitam. Agora estão seguras, e seus inimigos só podem observá-las de longe, sem poder feri-las. A imagem do pastor se atenua e dá lugar aos símbolos do pão, do vinho, do óleo perfumado, todos eles sinais exteriores de acolhimento, de hospitalidade.
No Novo Testamento, Jesus declara que não é apenas alimento abundante, mas, como um bom pastor, ele dá a vida pelas suas ovelhas (Jo 10,11); a relação é de mútuo conhecimento (Jo 10,14), elas conhecem a voz do pastor (Jo 10,4.16). Portanto, se a palavra “pastoral” deriva dessa terminologia, isso significa que a própria “pastoral” não está voltada exclusivamente para oferecer serviços religiosos, mas, antes de tudo, para estabelecer uma relação com Jesus, para facilitar o encontro com o pastor, para dar vida. Portanto, qualquer pastoral que não esteja enraizada na fonte da Palavra de Deus ou – o que é o mesmo – na pessoa de Jesus não transmitirá vida verdadeira.
A pastoral na Igreja tem Cristo como cabeça. O conceito paulino de “cabeça” (Cristo-cabeça do corpo que é a Igreja) significa, em primeiro lugar, o poder que Ele exerce sobre todo o corpo: um poder supremo, a propósito do qual lemos, na carta aos Efésios, que Deus “sob seus pés sujeitou todas as coisas e o constituiu cabeça suprema da Igreja” (Ef 1,22). Como cabeça, Cristo transmite à Igreja sua vida divina, para que ela cresça “em tudo naquele que é a Cabeça, Cristo, de quem todo o corpo, bem ajustado e consolidado pelo auxílio de toda junta, segundo a justa operação de cada parte, efetua o seu crescimento para edificação de si mesmo em amor” (Ef 4,15-16).
Como cabeça da Igreja, Cristo é o princípio e a fonte de unidade entre todos os membros do corpo (Cl 2,19) e, por essa razão, o Verbo encarnado deve ser a fonte que origina e vivifica todas as iniciativas pastorais propostas no corpo (a Igreja) para a salvação dos seres humanos. São necessários, portanto, agentes pastorais animados pela Palavra de Deus.
A pastoral inspirada na Palavra de Deus não se limita a oferecer noções ou ideias sobre Jesus e seu Reino, mas seu desejo é colocar no centro a pessoa de Jesus ressuscitado, para que a experiência desse encontro seja encantadora e nunca indiferente. Sempre haverá algum tipo de reação ou resposta. Temos no Evangelho exemplos de alguns personagens: Nicodemos (cf. Jo 3,1-21), a Samaritana (cf. Jo 4,1-12), Zaqueu (cf. Lc 19,1-10) e também Paulo, que declara que não é mais o mesmo após o encontro com o Senhor. Eles se tornaram “agentes pastorais” profundamente marcados por esse encontro.
4. A Palavra de Deus une e harmoniza a ação evangelizadora na Igreja
Quando a pastoral na Igreja é assumida na perspectiva da centralidade da Palavra de Deus, é compreensível que, se Cristo é a cabeça e todos nós fazemos parte de seu único corpo, a unidade deveria ser então uma consequência natural. Essa unidade não é uniformidade, mas uma unidade vital, assim como a unidade diferenciada e harmoniosa das diversas partes de um ser vivo, em que cada órgão contribui com sua função para o bem da totalidade.
Portanto, não se trata da soma de atividades paralelas, mas sim da participação e derivação vital da ação pastoral de Cristo, o bom pastor, com seu Espírito, em um projeto comum, no qual diferentes ações (catequese, liturgia, pastoral familiar, juvenil, vocacional) convergem para um único objetivo – a vida plena e frutífera neste mundo e a certeza da salvação eterna.
A ação pastoral decorre de modo harmonioso quando a teologia paulina de Cristo como cabeça da Igreja é conscientemente assumida; essa teologia é respondida por meio da prática de uma pastoral orgânica. Justamente a Animação Bíblica da Pastoral deve ser entendida como aquela força interior, aquele princípio vital-espiritual (alma) que, de dentro para fora, move e inspira todas as iniciativas na Igreja para que ela continue a ser neste mundo um sacramento de salvação. Por isso, já não é entendida como uma pastoral bíblica, mas como o próprio coração da vida da Igreja. Ademais, dado que o coração humano está sempre em plena atividade mediante seus dois movimentos – sístole e diástole –, de forma similar se desenvolve a ação que o Verbo encarnado exerce desde sempre na Igreja. É sua Palavra que suscita qualquer ação pastoral, a sustenta e a torna frutífera em um ritmo vital contínuo que, como a sístole e a diástole, leva a Igreja a se recolher para depois se dispersar, a se reunir para sempre se sentir uma Igreja em constante saída.
Na pastoral orgânica, fundamentada na eclesiologia da comunhão, a Palavra de Deus adquire um significado singular. Ela é fontal, pois contém a revelação de Deus. Disso decorre que nenhuma ação da Igreja deve prescindir dessa fonte. Pode-se dizer que, quando a Palavra de Deus é retirada de uma pastoral, ela é privada de vida e, portanto, da capacidade de gerar vida.
Dentro da pastoral orgânica, a Palavra de Deus precisa realmente ser o fundamento e origem de todas as pastorais. Não é possível compreender nenhuma ação evangelizadora na Igreja que não beba da fonte da Palavra. Nenhuma pastoral pode ficar alheia à sua influência vital. A Palavra de Deus está no começo (é seu ruah), é seu fundamento, é a razão mais profunda de sua existência.
A Palavra de Deus que a Animação Bíblica da Pastoral busca tornar presente é a geradora da verdadeira comunhão entre todos os que compõem o corpo de Cristo (a Igreja), é a unidade dinamizadora para sua eficácia contínua em todas as suas ações. Superam-se as visões estreitas segundo as quais cabe a cada um cuidar de seu próprio espaço pastoral e abre-se para a riqueza e novidade que o Espírito Santo concede a cada membro da Igreja. Ela gera comunhão e participação, fortalecendo o testemunho de catolicidade no mundo. Todos somos responsáveis por promover e estabelecer uma relação familiar com a Palavra de Deus, tanto em nível pessoal quanto pastoral, e também assumir a corresponsabilidade na proclamação da Palavra.
Quando não se assume a centralidade da Palavra de Deus em todas as pastorais, a Igreja corre o risco de assemelhar-se a uma simples organização e distorcer sua essência; ela é um organismo vivo pela vida que recebe de sua cabeça, que é Cristo. Ele lhe proporciona energia e coordena a diversidade existente dentro do corpo, uma diversidade que se manifesta em ministérios e dons espirituais, em que o próprio Espírito Santo direciona a união do corpo, fazendo que os membros individuais se sirvam e se apoiem mutuamente.
Portanto, se a Palavra é a nova vida com a qual Cristo nutre o corpo de sua cabeça, para que esse corpo viva em comunhão com Ele e proclame o Reino, o acesso à Palavra não é um privilégio da pastoral bíblica, mas sim de todas as atividades eclesiais e de todo o povo de Deus. Prescindir da vida da cabeça é renunciar à ligação com Jesus Cristo, à proclamação da Boa-nova, de acordo com o próprio mandato divino.
Nesse sentido, é necessário implementar ações concretas para que a Bíblia, que contém a Palavra de Deus, não fique restrita a uma pastoral específica (seja a catequese, a liturgia etc.) e para que se supere a visão reducionista de considerar que a Bíblia serve apenas para sustentar argumentos humanos e embelezar escritos pastorais inspirados em suas belas frases.
Nenhuma pastoral é completa sem a Palavra de Deus, por isso não é compreensível que ela seja relegada a uma pastoral específica. É necessário entender que a pastoral orgânica não é uma pastoral entre outras, nem é implementada para eliminar pastorais (DAp 248). Trata-se da inspiração que surge da Palavra: a Palavra não é um conjunto de ideias, pensamentos ou conceitos sobre Jesus. A Palavra, aquela que se tornou escrita, carrega a pessoa de Jesus.
Referências bibliográficas
BENEDICTO XVI, Papa. Verbum Domini: Exhortación Apostólica Postsinodal sobre la Palabra de Dios en la vida y en la misión de la Iglesia. Lima: Paulinas, 2010.
GARCÍA SANTOS, Amador Ángel. Diccionario del griego bíblico. Estella: Verbo Divino, 2015.
VINE, W. W. Diccionario expositivo de palabras del Antiguo y Nuevo Testamento exhaustivo. Nashville: Grupo Nelson, 1998.
Pe. César de Jesús Buitrago López*
*é doutor em Teologia pela Faculdade de Teologia do Uruguai “Mons. Mariano Soler”. Titular da cátedra de Introdução à Sagrada Escritura na mesma faculdade. Professor no Celam na cátedra de Animação Bíblica da Pastoral e na Dimensão Hermenêutica da Animação Bíblica da Pastoral na América Latina. Secretário executivo do Setor Palavra de Deus na Conferência Episcopal do Uruguai. E-mail: [email protected]