Restrinjo-me, neste artigo, à comunicação popular, “doméstica”, artesanal. Enfoco a “comunicação do povo através dos pequenos meios de comunicação.
De início, uma afirmação simples, óbvia, que me parece oportuna: a comunicação popular não é contrária, nem substitui, à comunicação feita pelos grandes meios. É simples, comunicação diferente, exercida com meios e alcances diferentes. É, repito, comunicação alternativa, não contra os grandes meios. É serviço específico de libertação da comunidade; do povo ao povo!
1. Palavra da CNBB
Falando a respeito da comunicação popular alternativa, o magnífico texto-base da Campanha da Fraternidade deste ano, “Comunicação para a verdade e a paz”, diz o seguinte:
A comunicação popular — dopovo para o povo — nasce das necessidades dos grupos, movimentos populares e instituições, com o objetivo de ampliar as informações e o relacionamento entre seus membros. Para isso são criados boletins, jornais de bairro, folhetos e outras formas de publicações populares.
A comunicação popular alternativa apresenta algumas características próprias:
a) É expressão de um projeto social que visa a transformação da sociedade para a justiça e a fraternidade.
b) Em sua produção, o relacionamento das pessoas envolvidas no processo e a mensagem resultante refletem uma prática social transformadora.
c) Parte sempre do ponto de vista dos setores populares e os mantém informados quanto ao que se passa com eles e com o mundo que lhes diz respeito.
d) É essencialmente horizontal e dialógica. Nem toda comunicação popular, porém, é alternativa. Esta não se reduz à mera crítica do sistema dominante, mas apresenta propostas alternativas para uma nova convivência social.
2. Mais uma palavra!
Para compor melhor o quadro em que pretendo situar as presentes considerações, julgo oportuno, ainda, dar a palavra à CELADEC (Comissão Evangélica Latino Americana de Educação Cristã, Lima) quando no livrinho A comunicação do povo (Paulinas), nos diz: “A característica principal dos pequenos meios ou meios de grupo — ou meios não formais — é que se dirigem a um público muito mais reduzido que o público dos meios de comunicação de massa, e que, por outro lado, facilitam o diálogo, a recepção compartilhada das mensagens. Porém, seu uso não garante, por si mesmo, a transformação da comunicação: também eles podem ser usados — e isso ocorre muitas vezes — para desinformar, imobilizar, dominar os trabalhadores. Tudo depende de quem os usa e como são usados. Por isso, apenas quando o trabalhador é o verdadeiro emissor e dono desses meios, os chamamos: meios de comunicação das massas ou meios de comunicação popular, ou meios populares de comunicação”.
3. Experiências práticas de comunicação
Organizara comunicação popular alternativa é possível e se trata de concretização que exige valentia (nem tanta!) e perseverança (põe perseverança nisso!).
Com alegria, dou testemunho de nosso CEMI (Centro de Comunicação e Educação Popular de São Miguel Paulista), na região episcopal de São Miguel Paulista, Arquidiocese de São Paulo. O CEMI é um prédio; mas é muito mais que isso: é grupo de pessoas repletas de entusiasmo que se entregam, com afinco, à comunicação popular alternativa. Pessoas abertas à comunhão, à construção, animação de equipes de comunicações em setores, comunidades, com seus meios e instrumentos artesanais. Cito, em nosso CEMI, seus departamentos e serviços:
— Curso de capacitação em comunicação e educação popular: aprendizado de como fazer boletins, cartazes, jornal mural, análise crítica de comunicação e diagramação.
— Grita Povo: um jornal feito em mutirão. Sai a cada 15 dias. Compõe-se de 12 páginas de notícias, comentários e propostas. Um espaço para “meter a boca no trombone”. Já passou de 100 (cem) edições e nosso Grita Povo já foi objeto de tese, intitulada: “O jornalismo nas comunidades eclesiais de base — Estudo de caso do jornal Grita Povo”, para obtenção do grau de mestre em ciências da comunicação, na USP.
— Xerox: ampliações, reduções e cópias perfeitas. Encadernação de apostilas e textos.
— Alfabetização: são 40 grupos funcionando; 600 pessoas envolvidas. Os monitores estão articulados por setor e coordenados por uma equipe de 10 pessoas. O material utilizado foi produzido após séria pesquisa na própria região de São Miguel. Os monitores recebem acompanhamento sistemático. O próprio Paulo Freire participou da capacitação do nosso pessoal. Trabalha-se a criatividade. Alfabetiza-se através do teatro, fotografia, música e bonecos. Objetivo: levar os participantes a se integrarem nas lutas e na caminhada da comunidade.
— Documentação: são mais de 40.000 documentos arquivados. Quase tudo o que foi produzido na região de São Miguel, nesses últimos anos. São quase 4.000 livros de teologia, pastoral, espiritualidade, Bíblia, literatura e comunicação.
— Vinte mil watts de som: temos 20 caixas acústicas de som pesado, 10 cornetas de médios, 6 baterias de tweetrs, 10 microfones schure e mesa de 16 canais. Tudo isso pensando em responder às festas populares, shows, festivais, comícios e assembleias.
— Vídeo e áudio: emprestamos aparelhagem de videocassete e projetores de slides para grupos e comunidades que querem usar desses meios no seu trabalho.
— Gráfica: cadernos, folhetos, panfletos, livrinhos para grupos e comunidades. Impressos de todos os tipos pelo sistema offset e tipográfico.
— Rádio do povo: é um meio de comunicação popular utilizando sistema de alto-falantes colocados nas torres das igrejas, nos centros comunitários e nas associações. Os responsáveis por essa “Rádio do Povo” são trabalhadores, jovens do bairro e das comunidades. Seus objetivos: mostrar a realidade em que vivem e, a partir disso, procurar transformá-la; valorizar a cultura popular e a música popular; mostrar que a base da construção de uma sociedade fraterna é a organização, participação, solidariedade e não o individualismo; dizer que o Evangelho é vida e que devemos lutar para que a vida seja protegida, defendida, jamais destruída. São 40 “Rádios do Povo”, colocadas a serviço da vida, dos que não têm voz nem vez.
— Prevendo a pergunta: “Onde o CEMI encontrou meios para se desenvolver?”. Nosso centro de comunicação nasceu da convicção de que precisamos mudar seriamente de rumo no mundo da comunicação popular! Agrupamos algumas pessoas que, de fato, acreditam na comunicação popular e estão dispostas a levá-la avante, mesmo com sacrifícios, alimentando grandes e pequenos sonhos. Nosso primeiro gesto concreto foi destinar ao CEMI o prédio da antiga casa paroquial de São Miguel Paulista. Depois, elaboramos um corajoso projeto e o enviamos para o exterior. O apelo encontrou acolhida e, dado o grande empurrão de início, estamos caminhando, na esperança, não sem dificuldades!
— Pequenos, mas fortes! Além do CEMI e seus departamentos, temos, nas comunidades, verdadeira explosão de iniciativas, buscando melhor comunicação: boletins, cartazes, jornais murais, cuidado especial com o serviço de som nas igrejas, teatros… Estamos acordando para a comunicação! Gosto sempre de dizer que nossas pequenas iniciativas parecem insignificantes! Na realidade, quando somadas, unidas, são grande força. (O rio Amazonas, quando nasce, é um rio de nada; quando chega à desembocadura, parece um oceano.) Há muita gente entendida em comunicação que está convencida de que o jornalismo caseiro, a comunicação feita na comunidade, na vila, no bairro, sindicato… tem imensa força na construção da maneira nova e crítica de pensar e agir do povo.
4. A verdade do povo nos meios artesanais e nos grandes meios
Vida Pastoral pediu-me também que focalizasse, nestas considerações, “o povo contando a sua verdade: o que acontece quando a comunicação é feita com meios artesanais e quando (essa verdade do povo) passa para os grandes meios?”
Encontrei-me, em Itaici, de 11 a 13 de novembro passado, com excelentes comunicadores que participavam da “Assembleia de Igrejas do Regional Sul I da CNBB”, sobre “Comunicação para a verdade e a paz”! Transferi então a pergunta a cinco desses comunicadores, colhendo as seguintes respostas:
4.1. “Voz do povo, voz de Deus”
Mons. Arnaldo Beltrami, assessor da sala de imprensa da CNBB, em Brasília: “A verdade do povo (suas legítimas aspirações) é a verdade de Deus. Voz do povo, voz de Deus! O povo, ao contar na verdade com meios artesanais, tem possibilidade de se comunicar; tem, em tais meios, veículos de cooperação com suas aspirações, enquanto nos grandes meios se defronta com coação sobre suas aspirações”. Os meios artesanais formam a consciência crítica do povo e os grandes meios despersonalizam a participação do povo.
Pe. Antônio Aparecido Pereira, editor-chefe do jornal O São Paulo: “Entre a comunicação artesanal e a comunicação técnica e profissional, existe uma grande distância: enfoque, linguagem e acentuação do que é mais importante ou menos importante são totalmente diferentes. Há um conceito vigente, em imprensa, segundo o qual só faz notícia o inusitado, o estranho, o espetacular. Isso não bate com o que privilegia a comunicação artesanal”.
4.2. Fazer acontecer
Maria Angélica Rittes Garcia, jornalista da região episcopal do centro, em São Paulo: “Quando o povo conta a sua verdade, que, na maioria das vezes, se contrapõe à ideologia dos grandes meios, é completamente ignorado por eles. Se os fatos vividos pelo povo não são ignorados, são manipulados em nome da ‘verdade’ difundida pelos grandes meios. O povo não tem espaço para dizer a sua verdade nos grandes meios. Mas o povo pode ganhar algum espaço quando faz a sua verdade acontecer. Aí, os grandes meios não têm como ignorá-la”.
4.3. Sociedade capitalista e consumista
Pe. Antônio Haddad, comunicador em São Paulo: “Nos meios artesanais, o povo ainda tem chance de contar sua verdade de maneira simples e direta. As causas e as consequências desta verdade serão apresentadas nesses meios artesanais; e o povo consegue controlar e verificar se sua verdade está sendo bem veiculada. Já nos grandes meios a situação é diferente. Há situações estruturais orientadas pela sociedade capitalista e consumista, que desvirtuam a verdade contada pelo povo”.
4.4. Comunicação democrática
Pe. Pedro Gilberto Gomes, presidente da UCBC (União dos Comunicadores Brasileiros Cristãos): “Em primeiro lugar, deve-se afirmar que o simples uso artesanal não configura uma comunicação democrática. Entretanto, aceita-se que a comunicação feita pelo povo, com seus meios, é mais democrática, mais condizente com a sua verdade. Esta comunicação parte do povo e é feita pelo povo. Fala da sua vida. Os grandes meios têm outra preocupação. Eles estão vinculados às estruturas de poder na sociedade. Por isso mesmo, a verdade do povo é filtrada, muitas vezes falseada de acordo com os interesses dos donos do poder. A verdade do povo só é veiculada quando ajuda a alcançar o objetivo da indústria cultural, o lucro e a reprodução material e ideológica do sistema”.
5. Finalizando
A Igreja existe para evangelizar, para dar a Boa-Notícia do Amor que Deus nos dedica! A Igreja é “agitada” pela necessidade de obedecer à corajosa ordem do Senhor Jesus: “Ide pelo mundo todo. Comuniquem a Boa-Nova”. Homens novos, precisamos ser comunicação. Somos convidados a fazer verdadeira revolução para que, em tudo e sempre, nossa Igreja seja comunicadora, evangelizadora e missionária. Que o Espírito Santo nos conceda explosiva imaginação criadora! Sejamos comunicadores. Lancemos mãos dos meios artesanais, dos pequenos e grandes meios de comunicação, para que vá acontecendo a sociedade justa, fraterna e verdadeira que Deus quer!
Julgo muito oportuna, desafiadora, esta palavra de Mário Benedetti (in Marcha, nº 1.470, Montevidéu): “Se uns caminhos se fecham, é necessário buscar outros. E no caso de não existirem, é necessário abri-los. Se os censores amordaçam a imprensa independente, se os canais de comunicação são destruídos, se as vias de informação são bloqueadas, nada disso deve impedir, entretanto, que a verdade manifeste sua indiscreta presença. Sempre haverá muros, esquinas, pátios, plataformas, igrejas, sobrados e sacadas onde escrever ou dizer o que se faça necessário”.
De modo especial no mundo da comunicação, podemos caminhar na certeza da palavra de Jesus: “Tenham confiança, não tenham medo, eu estou com vocês.
D. Angélico Sândalo Bernardino