Publicado em março-abril de 2024 - ano 65 - número 356 - pp.: 59-62
21 de abril – 4º Domingo da Páscoa
Por Maicon André Malacarne*
O Bom Pastor: uma vida que se entrega!
I. Introdução geral
Com o chamado “domingo do Bom Pastor”, a Igreja celebra a Jornada Mundial de Orações pelas Vocações Sacerdotais e Religiosas. O ponto de referência é Jesus Cristo e seu estilo de vida, aquele que cuida das ovelhas a ponto de oferecer a própria vida para guardá-las. Muito diferentes são os maus pastores, que dispersam e assustam o rebanho. A parábola do Bom Pastor oferece um paradigma vocacional cujo princípio é o amor, o cuidado e a liberdade das ovelhas.
Pedro, no sinédrio, falou aos chefes do povo e aos anciãos “cheio do Espírito Santo”. Por causa da cura de um coxo de nascença, que agitou o povo de Jerusalém e fez muitos acreditar em Jesus, os chefes se enfureceram e mandaram prender os apóstolos. Sem medo, Pedro anuncia que tudo que realizam é “pelo nome de Jesus Cristo, de Nazaré”.
A primeira carta de João põe-nos diante do tema da filiação divina. Trata-se de “conhecer” o Pai, ou seja, de amá-lo, de participar da sua vida, realizando sua justiça (1Jo 2,29), a fim de vivermos uma vida de filhos e filhas. O mundo, expressão das forças que resistem ao plano do Pai, prefere a distância porque “não o conhece”. Ser filho/a é estar com o Pai!
Com a liturgia da Palavra, somos convidados a celebrar a presença dos presbíteros, dos religiosos e, na imagem do Bom Pastor, de tantas lideranças, agentes de pastorais, leigos e leigas que assumem a missão de comunicar Jesus Cristo ao mundo por meio de um estilo de vida comunitário. O pastor que cuida e dá a vida, o discurso cheio do Espírito Santo de Pedro e a descoberta de ser filhos e filhas de Deus no Filho de Deus são grande inspiração para viver o ministério a que Deus nos chamou e enviou, ou mesmo para despertar e assumir esse serviço ao Evangelho como resposta de amor.
II. Comentário dos textos bíblicos
1. I leitura (At 4,8-12)
A cura de um coxo de nascença realizada por Pedro e João (At 3,1-8) e o subsequente discurso ao povo, convidando à fé em Jesus Cristo, causaram grande alvoroço em um grupo de autoridades de Jerusalém que fizeram comparecer no sinédrio os dois apóstolos. O versículo que antecede a leitura deste domingo é o questionamento dos chefes: “Com que poder ou em nome de quem vocês fizeram isso?” (4,7).
Pedro tomou a palavra e a resposta foi direta: “é pelo nome de Jesus Cristo, de Nazaré” (v. 10). Lucas, autor dos Atos dos Apóstolos, faz questão de assinalar que Pedro falou “cheio do Espírito Santo” (v. 8). O discipulado de Pedro está na continuidade do mesmo Espírito que guiou Jesus. De fato, no Evangelho de Lucas, a primeira expressão que saiu da boca de Jesus, na sinagoga de Nazaré, ao ler a profecia de Isaías, foi: “O Espírito do Senhor está sobre mim” (Lc 4,18). Na cruz, seu último gesto foi entregar o Espírito que o tinha conduzido por toda a vida: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46).
Os sinais realizados pelos discípulos são obras que se completam pela força de Deus, o qual ressuscitou Jesus dos mortos. É pela ressurreição que tudo se torna novo, não obstante o poder de morte das autoridades judaicas. Jesus continua vivo e operando os mesmos sinais por meio dos seus seguidores. Pedro denuncia que toda decisão arrogante e injusta dos chefes e toda liderança exercida como dominação são descartadas pela justiça e pela salvação divina: “em nenhum outro há salvação” (v. 12).
2. II leitura (1Jo 3,1-2)
Conhecer a Deus é amar a Deus! A vida cristã carrega, no seu âmago, o amor de Deus. Ele nos amou primeiro! A resposta é viver o amor por meio da adesão a Jesus Cristo, configurando um estilo de vida à sua imagem: tornar-se filho/a de Deus no Filho de Deus. A filiação, diz a primeira carta de João, é um grande presente, é um dom oferecido por Deus.
O mundo, por não conhecer a Deus, permanece distante dele e rompe com a filiação. É conhecendo a Deus que os que acreditam são gerados como filhos e filhas, percurso que acontece em dois movimentos: uma filiação que se realiza no presente – “desde já somos filhos de Deus” (v. 2) – e uma filiação “do que seremos” (v. 2) no futuro. De fato, conclui a leitura, o destino dos filhos é participar da mesma vida do Filho: “seremos semelhantes a ele, porque o veremos tal como ele é” (v. 2).
Tornar-se filho/a é uma chave de reflexão muito importante porque, no fundo, significa ser aquilo que somos. Na medida em que a referência para ser filho/a é o Filho de Deus, não se trata de imitá-lo, mas de assumir uma identidade real e humana, como Jesus assumiu. O discipulado, antes de tudo, é a descoberta de ser humano, de ser filho, de ser amado e caminhar na direção de uma vida sempre mais humana e, portanto, divina.
3. Evangelho (Jo 10,11-18)
Por duas vezes, Jesus emprega a expressão: “Eu sou o bom pastor” (v. 11.14). A expressão “eu sou”, que retorna seguidamente no Evangelho de João, é recuperada da autorrevelação divina no Êxodo: “Eu sou aquele que sou” (Ex 3,14). Jesus, portanto, é a contínua revelação da identidade do Deus libertador que convida o povo à aliança.
Depois da primeira revelação de Jesus como bom pastor, segue-se a antítese entre o pastor e o mercenário (v. 11-13). Jesus diferencia o pastor, “que dá a vida pelas ovelhas” (v. 11), do mercenário, que, diante de um perigo, “abandona as ovelhas e foge” (v. 12). Trata-se de forte denúncia contra as lideranças judaicas que tornavam o povo submisso por meio de certa narrativa sobre Deus e, assim, manipulavam sua consciência. De fato, todo o capítulo 10 do Evangelho de João transcorre durante a festa de Dedicação do templo.
A segunda revelação de Jesus é acompanhada por uma descrição da identidade do bom pastor (v. 14-16), que sempre busca estabelecer com as ovelhas uma relação de intimidade, comunhão e unidade. Não substitui sua autonomia, mas as ajuda a amadurecer e discernir. Tudo se realiza com base no conhecer: “Eu conheço minhas ovelhas e elas me conhecem” (v. 14). Como vimos também na primeira carta de João, não se trata de conhecer um conteúdo, uma ideia, mas de aderir a uma pessoa no amor.
O que mantém unidos o pastor e as ovelhas é o amor. Não, porém, um amor exclusivista, dividido entre puros e impuros: “Tenho outras ovelhas que não são deste redil: também a elas devo conduzir; escutarão a minha voz e haverá um só rebanho e um só pastor” (v. 16), disse Jesus. O bom pastor ajuda a desfazer a ideia de que o amor é uma gaiola que sufoca. Como compreendeu bem São Paulo, escrevendo aos romanos: “Deus não faz acepção de pessoas” (Rm 2,11).
A identidade do pastor guarda uma vida que se entrega: “dou a minha vida livremente” (v. 18). Na paixão, morte e ressurreição de Jesus está o ícone da verdadeira relação de amor que deve existir entre um pastor e seu rebanho, uma vida capaz de doar-se até o fim.
III. Pistas para reflexão
Os verbos que formam a identidade do bom pastor são um mapa para nossas comunidades e para qualquer exercício de coordenação: conhecer, defender, dar a vida, acompanhar, reunir. Trata-se de grande projeto de vida! A unidade que forma a relação entre o pastor e o rebanho não é uniformidade; ou seja, não se trata de apagar as diferenças, mas de evidenciá-las e aprender a conviver com elas, buscando os pontos em comum e respeitando os antagonismos. A comunidade é o lugar da diversidade! Importante é assumir, como Pedro, a fidelidade e a abertura ao Espírito Santo.
Maicon André Malacarne*
*é presbítero da diocese de Erexim-RS. Possui mestrado em Teologia Moral pela Pontifícia Academia Alfonsiana (Roma), onde atualmente é doutorando na mesma área. É especialista em Juventude no Mundo Contemporâneo pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje – Belo Horizonte-MG), formado em Filosofia pelo Instituto de Filosofia Berthier (Ifibe – Passo Fundo-RS) e em Teologia pela Itepa Faculdades (Passo Fundo-RS). É aluno de doutorado em Teologia Moral da Pontifícia Academia Alfonsiana (Roma). E-mail: [email protected]