Publicado em novembro-dezembro de 2023 - ano 64 - número 354 - pp.: 46-48
26 de novembro – NOSSO SENHOR JESUS CRISTO, REI DO UNIVERSO
Por Izabel Patuzzo*
A força do poder do amor
I. INTRODUÇÃO GERAL
Neste último domingo do ano litúrgico, a Igreja celebra a solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo. As leituras desta liturgia falam do Reino de Deus segundo os ensinamentos de Jesus. Na primeira leitura, o profeta Ezequiel retrata a imagem de Deus sob a figura do bom pastor. O texto ressalta a autoridade de Deus em seu papel de condutor da humanidade, mas também seu cuidado amoroso. Na segunda leitura, Paulo recorda aos cristãos que a caminhada do discipulado tem como meta a participação na plena realização do Reino de Deus.
Nos escritos neotestamentários, a concepção de Reino não se assemelha àquela cultivada por grande parte dos judeus contemporâneos. Essa diferença refere-se, particularmente, à expectativa da libertação política frente à longa dominação histórica dos sucessivos impérios que governaram a Palestina. Jesus indica que o Reino de Deus já está presente, de forma discreta, sem uma instauração esplendorosa. Apenas seus sinais são evidentes, como nos apresenta o texto de Mateus.
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. I leitura (Ez 34,11-12.15-17)
Ezequiel exerceu seu ministério profético entre os judeus exilados na Babilônia por volta do ano 597 a.C. Contemporâneo à deportação de toda a corte de Judá para a Babilônia, ele contempla o cenário de guerra e destruição de Jerusalém e, nesse contexto, dirige sua mensagem aos exilados, ajudando-os a aceitar a dura realidade do cativeiro. Ezequiel ajuda a comunidade a perceber que essa situação não é passageira. Por isso, exorta-a a organizar sua vida com consciência da real situação que irá enfrentar.
Vivendo entre os exilados, o profeta acompanha o processo de instalação em terras estrangeiras. Privados da vida religiosa no templo, sem culto, imersos em outra cultura, enfrentando uma mudança radical no modo de vida, os exilados sentem-se abandonados por Deus e desanimados. Diante dessa realidade, Ezequiel procura reanimar o povo, suscitar-lhe a esperança e apontar-lhe novas formas de viver sua fé. Ele ajuda a comunidade a compreender que, independentemente de onde estiverem, Deus estará com eles.
No texto proposto pela liturgia de hoje, o profeta se dirige aos exilados, anunciando o plano de Deus para pastorear seu povo, assim como um bom pastor que cuida de todas as necessidades do rebanho. Deus mesmo irá apascentar as ovelhas, reunindo as que estão dispersas, reconduzindo as que estão perdidas, cuidando daquelas que estão feridas e confortando as que estão abatidas. Diante da omissão das autoridades políticas que abandonaram as ovelhas, Deus restaura o seu povo, revertendo todo mal praticado pelos pastores humanos. Ele cuida com justiça de seu rebanho, atento às necessidades de cada ovelha, transformando a situação de sofrimento em bênçãos, pois somente Deus é capaz de restaurar a dignidade de seu rebanho. A mensagem do profeta destina-se a dar esperança aos desanimados, diante da situação de dispersão e sofrimento causados pelos desvios das autoridades políticas de seu tempo.
2. II leitura (1Cor 15,20-26.28)
A primeira carta de Paulo à comunidade de Corinto indica que o apóstolo considerava a Igreja nessa cidade como o centro de um grupo de igrejas domésticas estabelecidas na região. Essas comunidades são frutos de sua segunda viagem missionária. Ele permaneceu nessa região por quase dois anos. Sua atividade missionária atraiu muitos gentios, em sua maioria pobres trabalhadores. No entanto, havia também membros de origem judaica, que cresceram nessa realidade de diáspora.
Esse conjunto de comunidades jovens, que acolhiam pessoas de origem grega e judaica, enfrentou problemas de discórdia, pois reunia tradições religiosas muito diferentes. Nesse contexto, era quase natural haver concepções diferentes acerca de valores espirituais, éticos e morais. A grande dificuldade da comunidade de Corinto era a inculturação do Evangelho na cultura helênica. Em suas cartas, Paulo tenta ajudá-la a superar as dificuldades, a fim de encontrar caminhos para viver a fé cristã em plenitude. A imersão em uma cultura pagã, que cultivava outros valores religiosos e culturais, a exaltação da sabedoria filosófica e o culto a vários deuses, tudo isso entrava em conflito com a pregação de Paulo.
Diante da cultura grega fortemente marcada por filosofias que pregavam certas ideias e crenças sem sintonia com a fé cristã, como o desprezo pelo corpo e a valorização apenas da alma, a aceitação pacífica de práticas escravagistas e a indiferença ao sofrimento alheio, Paulo se dirige aos cristãos de Corinto recordando que Cristo ressuscitou dos mortos para nos dar a vida plena. A ressurreição de Cristo é a razão de nossa esperança e a certeza de que nossa fé não é vã. O reinado de Cristo, segundo a leitura de hoje, consiste em acreditar que Ele venceu todas as formas de morte pela obediência ao Pai e pelo amor. Ele abriu o caminho para que todo aquele que nele crê tenha a vida eterna. A certeza da ressurreição fortalece o anúncio do Evangelho na comunidade de Corinto.
3. Evangelho (Mt 25,31-46)
A perícope do Evangelho deste domingo marca o final da atividade pública de Jesus, antes de sua paixão. Desse modo, Jesus conclui seu ensinamento acerca do juízo final. As três parábolas que precederam essa abordagem sobre o julgamento final formam um conjunto de respostas de Jesus à pergunta de seus discípulos sobre quando seria o fim dos tempos (cf. Mt 24,3). Por meio de uma série de parábolas, Jesus havia reorientado a questão com uma discussão mais importante que a preocupação com o fim dos tempos: como nos preparar para a vida eterna.
Jesus denomina-se o Filho do Homem que vem realizar o juízo mediante a separação das ovelhas dos cabritos, simbolizando a função de pastor que o profeta Ezequiel mencionou. Portanto, o julgamento das nações retratadas por ovelhas e cabritos é ação pertencente somente a Deus. O Filho do Homem recebe também o título de Rei, cuja missão é dirigir, governar aqueles que o Pai lhe confiou. Dessa forma, Jesus assume aqui dupla missão: pastorear e governar as nações. Como soberano, ele enumera todas as obras de misericórdia que o Pai estabeleceu como exigências para herdar o Reino dos Céus. Elas são condições fundamentais para receber as bênçãos divinas. Por fim, o Rei revela um mistério: tudo aquilo que é feito ao menor de nossos irmãos é a Ele que fazemos.
A segunda parte da narrativa de Jesus diz respeito aos grupos de pessoas que não praticaram as obras de misericórdia e por isso recebem a maldição. Elas serão destinadas ao fogo eterno e também falham em não reconhecer o Rei. Jesus foi designado para ajudar as pessoas a tomar uma decisão de vida: escolher ser as ovelhas que praticam as obras de misericórdia, e não os cabritos que são indiferentes aos sofrimentos e necessidades do próximo. O juízo universal de que o texto trata refere-se à capacidade de amar, de dar sem o desejo de receber, relaciona-se com a solidariedade humana.
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
A primeira leitura traz a imagem de Deus como o bom pastor que busca a ovelha desgarrada, cuida da que está doente e ferida e também zela pela que está saudável, pois cuida de todos os seus filhos e filhas. É nessa imagem que o cristão é chamado a inspirar-se em suas relações fraternas.
Na segunda leitura, Paulo parte da ressurreição de Jesus Cristo para responder às dúvidas e objeções daqueles que estão gerando conflitos no interior da comunidade. Ele recorda que, em Cristo, todos ressuscitarão, pois o destino da nova humanidade redimida por Jesus Cristo é a participação no Reino de Deus.
O texto do Evangelho propõe que a questão decisiva para quem segue Jesus Cristo é a prática do amor em gestos muito concretos. O último discurso de Jesus, na perspectiva de Mateus, é a atualização da antiga Lei para a realidade de seu tempo, na qual se destacava o cuidado com os empobrecidos e necessitados, entre os quais se incluíam o órfão, a viúva e o estrangeiro. No tempo de Jesus, havia outras categorias de pobres e necessitados que dependiam da solidariedade e da fraternidade dos irmãos para recobrar a dignidade. O último domingo do ano litúrgico nos questiona sobre nossa solidariedade humana. Podemos escolher ser sensíveis ou indiferentes, abertos à bênção ou não.
Izabel Patuzzo*
*pertence à Congregação Missionárias da Imaculada - PIME. Mestre em Aconselhamento Social pela South Australian University e em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é licenciada em Filosofia e Teologia pela Faculdade Nossa Senhora da Assunção. Doutoranda em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. em São Paulo. E-mail: [email protected]