Publicado em julho-agosto de 2023 - ano 64 - número 352 - pp.: 59-62
20 de agosto – SOLENIDADE DA ASSUNÇÃO DE NOSSA SENHORA
Por Ir. Márcia Eloi Rodrigues*
Um grande sinal para a Igreja
I. INTRODUÇÃO GERAL
Na solenidade da Assunção de Maria, a Igreja celebra sua própria assunção. Maria, como discípula fiel, é imagem da Igreja peregrina, que busca viver sua missão de gerar Cristo ao mundo em meio a perseguições e dificuldades. O sinal da vitória definitiva de Cristo é a ressurreição, a vitória sobre a morte, o que se realizará também na nossa. Maria já está associada a Jesus nessa vitória definitiva; nela, a humanidade redimida reconhece sua meta.
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. I leitura (Ap 11,19a; 12,1.3-6a.10ab): O sinal da Mulher
A visão abre-se com o templo de Deus no céu, dentro do qual se encontra a arca da Aliança, símbolo da presença do Senhor, que acompanha seu povo no deserto. A abertura do templo e a visibilidade da arca indicam que, agora, começou o tempo em que Deus estará presente no meio do seu povo. Em seguida, aparece um grande sinal no céu, uma mulher coroada pelos astros, pelas obras da criação. A coroa expressa a vitória final já obtida. Essa representação alude ao sonho de José, filho de Jacó, em que seus onze irmãos o rodeavam como onze estrelas (Gn 37,9). As doze estrelas indicam que a mulher é não apenas o povo das doze tribos de Israel, o povo de Deus do qual nasce Jesus, mas também o novo Israel, a Igreja, que dá à luz o Messias.
Outro sinal aparece: o dragão, cor de fogo, com sete cabeças, dez chifres e sete coroas, características que expressam o poder humano. Segundo Dn 7,7.24, são os governantes dos impérios, os poderes do mundo, que querem destruir o povo de Israel. No século I d.C., o dragão simboliza os poderes do mal, representados pelo Império Romano, que havia desencadeado perseguição contra a Igreja e seus fiéis, com o propósito de destruí-los.
O dragão estava pronto para devorar o filho da mulher assim que nascesse, mas este é levado para junto de Deus, enquanto a mulher foge para o deserto. A imagem deixa claro que o filho que a mulher dá à luz é o Messias. Ele apascenta as nações com cetro de ferro (Is 66,8; 7,14). Exerce seu senhorio, porque venceu a morte e está sentado à direita de Deus. O deserto é o lugar onde Deus havia conduzido seu povo e dele cuidado, enquanto seguiam rumo à Terra Prometida. Assim, a mulher representa o novo povo de Deus, a Igreja, comunidade dos seguidores de Cristo. Enquanto aguarda a vinda do Senhor, suporta a perseguição, mas com a firme convicção da vitória de Cristo, proclamado na voz vinda do céu.
2. II leitura (1Cor 15,20-27a): A vitória de Cristo sobre a morte
Nesse trecho da carta, Paulo recapitula sua própria fé: Cristo já ressuscitou. Sua ressurreição é promessa de vitória definitiva sobre a morte a todos os que morreram. Ela se realizou na sua própria morte e se realizará na nossa. Assim como os primeiros frutos da terra dão a certeza de uma boa colheita, a ressurreição de Cristo, como primícias dos que morreram, nos dá a garantia da nossa ressurreição nele.
Como em Adão todos morreram, assim também em Cristo todos reviverão (v. 22). Paulo desenvolve a reflexão acerca da solidariedade humana, tanto no pecado e na morte como na ressurreição. As consequências universais do pecado de Adão indicaram uma necessidade universal de salvação: o pecado trouxe a morte a todos. A ressurreição de Cristo, que salva a todos do domínio da morte, traz vida a todos. A morte faz parte da vida humana. Cristo se tornou homem e, com isso, transformou toda a realidade humana, mediante sua ressurreição. Como primícias, a ressurreição no passado é uma promessa para o futuro.
3. Evangelho (Lc 1,39-56): Bem-aventurada aquela que acreditou
Esse belíssimo trecho do relato da infância está em íntima conexão com o relato da anunciação a Maria e interpreta o sentido dos fatos ali narrados. Isabel interpreta a admiração dos fiéis diante daquilo que Deus operou em Maria: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre!” (v. 42). Maria, a mulher simples e humilde, acolheu o projeto de Deus com a verdadeira disposição de quem confia plenamente. Ela é modelo de discipulado, de quem ouve a Palavra e a põe em prática. Põe-se a serviço do Reino de Deus, sendo a primeira proclamadora da chegada da salvação divina.
Na resposta de Maria a Isabel, compreende-se que o mistério do agir divino – um agir de pura graça – não se baseia no poder humano, mas sim no pequeno e humilde que se dedica ao serviço amoroso de sua vontade. Deus recorre aos humildes, assim como Maria, para realizar suas grandes obras. É a pedagogia de Deus! Escolhe o lado de quem, aos olhos do mundo, é insignificante, os “pobres do Senhor”, para manifestar sua grandeza e sua glória.
Na figura de Maria apresentada por Lucas, o discípulo de Jesus tem seu modelo em que se inspirar. No sim de Maria, em sua total disponibilidade para o projeto de Deus, a comunidade dos simples e humildes vê claramente a ação poderosa do Senhor não por intermédio dos poderosos, mas sim dos pequenos e humildes, de quem tem fé no cumprimento das promessas de Deus e se compromete com sua Palavra.
Pois bem, a glorificação de Maria no céu é a plenificação de sua caminhada de fé, de sua entrega total e incondicional a Deus e a seu projeto salvífico. Nela é coroada a fé e a disponibilidade de quem se torna servo da justiça e da bondade divina, sendo impotente aos olhos do mundo, mas grande na obra que Deus realiza.
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
Na solenidade da Assunção de Maria, Mãe do Senhor e nossa Mãe, modelo de discípula, a homilia não deve focar o devocionismo exagerado. Nas leituras propostas, Maria é apresentada como imagem da Igreja, que luta contra as forças do mal, enquanto gera o Messias ao mundo. Enquanto Mãe da Igreja, Maria é modelo de firmeza e dedicação ao projeto de Deus. Nela todos os fiéis vislumbram sua vocação e seu destino: participar da bem-aventurança eterna na plenitude dos tempos.
Ir. Márcia Eloi Rodrigues*
*é religiosa do Instituto Religioso Nova Jerusalém. Possui graduação, mestrado e doutorado em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia – Faje (Belo Horizonte-MG). É professora de Sagrada Escritura. E-mail: [email protected]