Publicado em julho-agosto de 2023 - ano 64 - número 352 - pp.: 54-56
6 de agosto – SOLENIDADE DA TRANSFIGURAÇÃO DO SENHOR
Por Ir. Márcia Eloi Rodrigues*
Este é o meu Filho amado
I. INTRODUÇÃO GERAL
Na solenidade da Transfiguração do Senhor, somos convidados a experienciar antecipadamente a glória de Deus, manifestada em Cristo, como estímulo para nos pormos a caminho na realização de seu projeto salvífico. Deus instaurará seu Reinado por meio do Filho do Homem, que estenderá seu domínio a todos os povos e nações, quando vier na sua glória. Enquanto espera, é papel da comunidade dos seguidores de Jesus conservar o ensinamento de seu Mestre, combatendo ideias errôneas acerca do mistério salvífico – morte, ressurreição e vinda gloriosa de Jesus – mediante o testemunho das Escrituras e dos apóstolos.
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. I leitura (Dn 7,9-10.13-14): O Filho do Homem
O livro de Daniel situa-se no contexto da dominação selêucida, no século II a.C., que desencadeou a perseguição aos judeus e, em consequência, a resistência dos Macabeus. Nesse contexto, o profeta tem uma visão noturna na qual um Ancião ocupa seu lugar no trono e, entre as nuvens do céu, chega “um como filho do homem”, que é conduzido à presença do Ancião.
Essa visão representa o julgamento das nações, presidido pelo Ancião de muitos dias, o juiz eterno. A abertura da seção do tribunal divino é descrita por Daniel mediante a indicação de que os livros se abriram. Em seguida, eis que vem “um como filho do homem”, um ser humano que vem da parte de Deus, a quem foram dados o poder, a glória e a realeza, para submeter todos os povos e nações ao seu domínio. Essa imagem humana contrapõe-se às imagens das feras, figuras dos reinos pagãos (Dn 7,4-7) que subjugaram o povo de Israel em vários períodos da história. A chegada do filho do homem significa que o rei messiânico instaurará o Reinado de Deus em favor de todos os povos e nações, será um Reinado eterno. Tal esperança messiânica da tradição judaica será reinterpretada pelos cristãos, que verão em Jesus Cristo, morto e ressuscitado, a realização dessa visão profética.
2. II leitura (2Pd 1,16-19): Testemunhas oculares da glória do Senhor
Nesse trecho da carta, Pedro apresenta seu testemunho acerca da transfiguração com a finalidade de dar força à sua pregação sobre a volta gloriosa do Senhor Jesus, fato contestado por alguns cristãos que se desviaram da reta doutrina. Também com o testemunho das Escrituras Pedro mostra à comunidade seu cumprimento, reforçando, assim, a fé na vinda do Senhor, mediante o duplo testemunho dos apóstolos e das Escrituras.
Pedro quer assegurar que o anúncio do regresso de Jesus Cristo não é produto de fábulas artificiosas ou mitos, mas resultado da revelação de Deus. Isso porque, diferentemente dos falsos mestres, a pregação dos apóstolos não se funda em um entendimento próprio, mas sim no testemunho fidedigno do que eles que viram e ouviram: a glória de Jesus, quando se transfigurou no monte. Junto às testemunhas Pedro, João e Tiago, o Senhor manifestou algo de sua glória e estes ouviram a voz do Pai, que dava testemunho de aprovação de seu Filho, Jesus Cristo. A transfiguração foi como uma antecipação dessa glória, a qual o Senhor manifestará em sua revelação no fim dos tempos.
3. Evangelho (Mt 17,1-9): A transfiguração para os discípulos
Em Mateus, o episódio da transfiguração integra o ensinamento de Jesus sobre o discipulado. Cabe ao discípulo seguir seu Mestre no caminho (16,24-28), dando ouvido à sua voz, que é a do Filho amado de Deus. Esse trecho situa-se imediatamente depois do anúncio da paixão e morte do Filho do Homem (16,21), do protesto de Pedro (16,22-23) e da exortação aos discípulos para seguir o Mestre na via crucis (16,24-28). Isso quer significar que, para além da paixão, existe para Jesus um futuro de glória divina; que o Crucificado é o Filho do Homem, que virá, no fim, no resplendor da sua divindade. O Servo sofredor de Deus e o Filho do Homem glorioso estão unidos na mesma pessoa. Essa visão gloriosa do Senhor deve ser, para os discípulos de ontem e de hoje, um estímulo para seguir confiantes seu Mestre pelo caminho da cruz, com a certeza da vitória sobre a morte.
Nas figuras de Moisés e Elias, Mateus apresenta o testemunho das Escrituras a respeito do Messias Jesus. A “tenda” que Pedro quer construir nos remete à tenda do encontro, santuário móvel que acompanhou os hebreus em seu itinerário rumo à Terra Prometida. Para nós, cristãos, a “tenda” por excelência é a própria nuvem da presença de Deus, que está em Cristo Jesus e se faz presente na vida dos discípulos do Reino.
Assim, a solenidade da Transfiguração nos convida a nos deixarmos envolver pelo mistério do Filho, no qual o Pai põe todo seu beneplácito; a ouvi-lo com prontidão e a ele nos unirmos em obediência filial para, com ele, realizar o plano que o Pai lhe confiou com os plenos poderes do Filho do Homem, o enviado de Deus para instaurar seu Reinado eterno (Dn 7,14).
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
O testemunho fiel de Jesus Cristo tem seu fundamento no testemunho dos apóstolos, o qual não é artificial nem meramente humano, mas nasce de uma experiência pessoal com Jesus Cristo. A mensagem que essas testemunhas trazem fala sobre o poder salvador de Jesus Cristo e sobre sua segunda vinda gloriosa. A missão das testemunhas é, pois, transmitir o que foi visto e ouvido; dar a conhecer a obra salvadora de Jesus Cristo.
Na transfiguração, os discípulos fazem experiência do Cristo glorificado, a quem o Pai testemunha todo o seu amor e convida os discípulos a ouvir. Ouvir Jesus significa acolher seu destino de cruz e ressurreição, viver o seguimento como experiência da presença amorosa de Deus, que conduz e sustenta seus filhos e filhas no testemunho e na vivência do seu Reino.
Ir. Márcia Eloi Rodrigues*
*é religiosa do Instituto Religioso Nova Jerusalém. Possui graduação, mestrado e doutorado em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia – Faje (Belo Horizonte-MG). É professora de Sagrada Escritura. E-mail: [email protected]