Publicado em janeiro-fevereiro de 2023 - ano 64 - número 349 - Roteiro Especial
08 de janeiro – EPIFANIA DO SENHOR
Por Ivonil Parraz*
A manifestação de Deus
I. INTRODUÇÃO GERAL
Deus manifesta a todos os povos seu plano de amor. Jesus é a concretude do desígnio de salvação do Pai. Ninguém está excluído! Contudo, para entender esse misterioso plano, necessário se faz entender o modo como Deus se manifesta. Deus é salvador, mas se manifesta na fragilidade de um recém-nascido! Deus é luz, mas se apresenta no meio de nós na escuridão de uma manjedoura! Só poderemos nos incluir no projeto do Pai se aprendermos a amar. Somente assim a luz brilhará em nós. Nossas comunidades acenderão suas luzes de fraternidade e justiça quando acolherem a luz!
1. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
2. Evangelho (Mt 2,1-12)
Os magos do Oriente que vêm adorar o menino Jesus são pagãos. Conhecem as estrelas, mas não a Sagrada Escritura. Não sabem onde haveria de nascer o “rei dos judeus”. Seguem a estrela, ou seja, deixam-se guiar pelo mistério. Buscam sinceramente a verdade e não medem esforços para encontrá-la. Eles querem adorar um recém-nascido!
Estranho rei: anunciado pelas estrelas, ignorado pelos homens. Não é romano nem designado por Roma. Que rei é esse? Herodes, o rei dos judeus nomeado e enviado pelo império, é pego de surpresa. Mas não só: também a liderança religiosa entra em confusão. Ela, que acredita ter todo o controle dos desígnios de Deus e julga conhecê-los profundamente, por ser autoridade na interpretação da Sagrada Escritura, sabe qual é o lugar do nascimento do Menino, mas desconhece que ele já se faz presente na humanidade. Não se interessa por ele, não vai adorá-lo. Os magos, ao contrário, desconhecem o lugar do nascimento, mas sentem a presença de Deus, se interessam por ele e vão adorá-lo! O que fazer com esse rei intruso? Um recém-nascido ameaça os poderosos! A solução que Herodes conhece, diante da ameaça, é o extermínio.
Nessa narrativa de Mateus encontra-se, em resumo, tudo o que Jesus vai enfrentar ao longo de sua vida: fúria e perseguição do poder político, indiferença e rejeição do poder religioso. Quem acolherá Jesus? Todos aqueles que buscam sinceramente Deus. Pois, se o buscam, é porque já o possuem!
Os magos seguem a estrela. Em Jerusalém, ela deixa de brilhar. Talvez porque, no centro do poder, o que predomina são as trevas: perseguição, morte, corrupção, toda espécie de falcatruas. Tudo vale para não perder o poder! Podemos, porém, ver a estrela como símbolo da fé. Quando nos deixamos guiar pela fé, encontramos Jesus, pois ela sempre nos conduz ao Senhor. Quando passamos por Jerusalém (centro do poder), deixando a fé de lado, perdemo-nos em meio à escuridão! Fora de Jerusalém, a estrela volta a brilhar e enche de alegre esperança os magos. Eles encontram o menino. De joelhos, adoram-no e lhe oferecem seus presentes: ouro, incenso e mirra.
A simbologia dos presentes apresenta-se particularmente interessante: o ouro representa a riqueza. Toda riqueza existente deve ser posta a serviço da felicidade do ser humano. Ao oferecer ouro ao menino, os magos reconhecem, assim, a dignidade da pessoa humana. Tudo deve ser subordinado a ela, e jamais subordiná-la à riqueza! O incenso indica que o ser humano não se limita à sua existência aqui e agora, mas ultrapassa este mundo e desemboca no divino; ou seja, o ser humano é chamado a participar da própria vida divina. Assim, o humano é sobre-humano ou, como afirmara Pascal: “O homem ultrapassa infinitamente o homem” (Pensamentos, n. 434). A mirra era usada para a cura, para aliviar as dores. Assim, o ser humano precisa de cuidado, de consolo para seus sofrimentos. Violência e agressão opõem-se ao humano: são desumanos!
O mundo do poder parece-nos grandioso: nada pode destruí-lo. Alega ser necessário se impor sobre nossa imaginação como o único a estabelecer a ordem e a justiça e a defendê-la. No entanto, sua fraqueza é gritante: não suporta o inocente e o justo, “busca sempre o menino para matá-lo” (PAGOLA, O caminho aberto por Jesus, Ed. Vozes, p. 25).
A estrela (da fé) nos propõe outro caminho, para a periferia de Jerusalém (centro do poder), oposto ao caminho de Herodes! Deus nos convida a ver a força num recém-nascido e a fragilidade no soberano. Somente com essa visão podemos descobrir a presença de Deus na pessoa humana.
O recém-nascido é rei. Ele introduzirá no mundo o amor, único poder que nem mesmo a morte poderá vencer. Sem violência, ele destrói todas as armas dos poderosos. Eis o Deus que se manifesta ao mundo! Eis a luz que afugenta todas as trevas! Deus se mostra às claras ao ser humano e mostra o ser humano às claras para si mesmo!
Por mais que o mundo esteja dilacerado pela violência, por mais que presenciemos a maldade, o amor existe e sempre tem a última palavra. Se o amor existe, Deus, portanto, existe, pois é Amor (1Jo 4,8). Ora, esse Deus se oferece a nós, manifesta-se a nós! Diante desse Deus Amor, só pode brotar do nosso ser mais profundo a verdadeira alegria, a adoração contemplativa, a admiração silenciosa. Já não há lugar para as trevas, tudo é luz!
“Avisados em sonho”, os magos retornam por outro caminho (v. 12). “Caminho”, na Sagrada Escritura, é símbolo de opção de vida. Os magos, que retornam por outro caminho, optaram por Jesus, pobre e indefeso – portanto, modelo do não poder. Ao optar por aquele destituído de todo poder, põem-se contra todos aqueles que rejeitam o menino: contra Herodes, que mata vida inocente, e contra as lideranças religiosas, indiferentes aos fragilizados.
2. I leitura (Is 60,1-6)
O povo de Judá, de volta do exílio, trabalha para reconstruir a cidade e o templo. Isaías busca suscitar no povo repatriado a reconstrução não somente da cidade, mas também da sociedade. Que esta seja reconstruída segundo os liames da fraternidade e da justiça, seguindo os ensinamentos dos profetas antigos. Somente assim brilhará em Jerusalém nova glória!
“Levanta-te, Jerusalém, acende as luzes, porque chegou a tua luz” (v. 1). As luzes que Jerusalém deve acender são exatamente a fraternidade e a justiça, porque o Senhor está perto! Todos os filhos e filhas serão devolvidos, serão atraídos pela luz! Pois somente Deus salva seu povo eleito.
“Teus filhos vêm chegando de longe” (v. 4). Os magos que vêm do Oriente para adorar Jesus representam todos os povos dispersos que voltam em busca da luz! Eles realizam a profecia de Isaías.
3. II leitura (Ef 3,2-3a.5-6)
Nesse capítulo de sua carta aos cristãos de Éfeso, Paulo fala do projeto de salvação “secreto” e “revelado”, ou seja, de revelação e mistério. Pela graça, Deus revela a Paulo seu misterioso plano. Paulo o concebe na seguinte perspectiva: a revelação parte de Deus. Esta se concretiza em Cristo Jesus. Seu prolongamento dá-se na Igreja (povo de Deus).
O mistério de Cristo (concretude do “misterioso plano de Deus”), na visão de Paulo, traduz-se como a salvação universal da humanidade e de todo o cosmo. Mistério que é a manifestação da realidade divina transmitida a todos.
Paulo concebe a Igreja como um corpo cuja cabeça é Cristo: todos “são membros do mesmo corpo” (v. 6). Com efeito, Cristo está no meio de nós, sua Igreja! Ele, ressuscitado e na glória do Pai, volta a nós não como um enviado poderoso, mas nas relações fraternas e na prática caritativa de um povo que vive a comunhão, ou seja, numa Igreja que é espaço de misericórdia. Nesta há lugar para todos. Pois, em Cristo, todos os povos, judeus e gentios, são associados “à mesma promessa”, “à mesma herança” (v. 6).
A Igreja – prolongamento do plano amoroso do Pai – manifesta o Cristo presente em nosso meio! Ela, portanto, é luz que brilha no meio da humanidade. Todos os povos a ela acorrem e tornam-se um único povo: o povo eleito do Pai. Sob o domínio de Cristo, cabeça da Igreja, obedecendo à sua Palavra e a praticando, o mundo é salvo.
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
Em nossa vida e na vida de nossas comunidades, manifestamos o Senhor ou nossas “luzes” ofuscam a verdadeira luz? Nossas comunidades são verdadeiramente prolongamento do plano salvífico do Pai ou mais se parecem com um clube de amigos no qual já não há lugar para ninguém? Como podemos deixar que o Senhor se manifeste no meio de nós se nos comportamos como barreiras – com preconceitos, rivalidades, sendo os donos da verdade, os puros... – entre os irmãos e ele? Nossa fé guia-se pela luz ou, às vezes, nos deixamos seduzir pelas luzes do poder, do dinheiro, das ilusões de uma sociedade do espetáculo? Nosso encontro com o Deus salvador faz-nos optar por outro caminho, como ocorreu com os magos? Caminho de oposição a todos os sistemas que matam os inocentes e fazem dos pobres – aqueles que não têm como responder aos apelos do consumo – estranhos na sociedade, os quais, por isso, devem ser excluídos? A manifestação do Senhor nos faz profetas? Se não, será apenas mais uma luz, uma boa luz, a brilhar no grande palco montado pela “sociedade do espetáculo” para nos divertir, ou seja, alienar-nos da nossa transcendência e nos asfixiar na imanência!
Ivonil Parraz*
*presbítero da diocese de Botucatu, pároco da igreja Santo Antônio de Pádua, Botucatu-SP. Diretor de estudo do Seminário Arquidiocesano São José de Botucatu-SP. Coordenador de pastoral da Região Pastoral 1 da arquidiocese de Botucatu. Mestre e doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP); graduação em Teologia pela Faje, em Belo Horizonte-MG. E-mail: [email protected]