Roteiros homiléticos

Publicado em novembro-dezembro de 2022 - ano 63 - número 348 - pág.: 61-64

25 de dezembro – Natal (missa do dia)

Por Izabel Patuzzo*

A Palavra armou sua tenda entre nós!

I. INTRODUÇÃO GERAL

A solenidade da natividade de nosso Senhor nos convida a contemplar o amor de Deus pela humanidade. Sua encarnação expressa a profunda comunhão de Deus com a criatura humana. Ele em pessoa entra em diálogo conosco. O evangelista João o descreve como a Palavra que veio habitar no meio de nós, a fim de oferecer sua vida em plenitude, elevando-nos à dignidade de filhos e filhas de Deus.

A primeira leitura pertence ao chamado livro da consolação do profeta Isaías. O texto nos apresenta a chegada do Deus libertador, que vem trazer a paz e a salvação a toda a terra. Sua vinda muda a sorte do povo. O profeta anuncia a transformação da realidade de tristeza para um tempo de júbilo, porque o mensageiro da paz, enviado por Deus, vai inaugurar nova etapa na história de Israel, fazendo que novamente reine a paz.

A segunda leitura, retirada da carta aos Hebreus, recorda aos cristãos que, na história da salvação, Deus nos falou de muitos modos: por meio dos patriarcas, matriarcas e grandes líderes, como Moisés, juízes, profetas e sábios do povo. Por fim, ele mesmo entrou em diálogo com a humanidade, por meio de seu Filho. O autor da carta nos apresenta o plano salvífico de Deus, que chega ao seu ponto mais alto com a vinda de Jesus ao mundo. Jesus é a Palavra viva que nos cumpre acolher e escutar.

O prólogo do Evangelho segundo João nos diz que a Palavra de Deus é uma pessoa: Jesus, o Filho de Deus enviado ao mundo. Essa Palavra, que estava presente na ação criadora de Deus, veio completar a obra da criação, redimindo a humanidade. Ele é a luz do mundo que veio para eliminar toda sorte de pecado, isto é, tudo aquilo que se opõe à vida.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (Is 52,7-10)

O texto da primeira leitura pertence à segunda parte do livro do profeta Isaías, chamado de Dêutero-Isaías. Esses capítulos retratam a situação do cativeiro na Babilônia. Parte de Israel foi deportada quando a Babilônia ocupou Jerusalém (no período de 586-539 a.C.). A perda da terra, dom de Deus para seu povo escolhido, trouxe um sentimento de derrota, frustração, desânimo, dispersão e abandono por parte de Deus diante dos pecados cometidos outrora.

Esta leitura retrata a fase final do exílio na Babilônia. É em tal contexto que o profeta vem exortar o povo, anunciando que Deus irá intervir nessa situação desoladora. Sua mensagem é de consolação: o profeta fala de novo êxodo para a Terra Prometida; é o convite para sair dessa situação de tristeza, pois é tempo de fazer a passagem da desolação para a consolação. Deus irá reconstruir e restaurar Jerusalém; ele não esquece nem abandona seu povo em situação de ruína.

Para reavivar a esperança do povo, o profeta o convida a contemplar a realidade concreta da cidade de Jerusalém devastada. Somente Deus é capaz de reconstruí-la, mas o povo tem de retomar sua escolha de ser fiel ao Senhor. Por isso, de forma poética, Isaías põe as sentinelas da cidade em alerta. O mensageiro da paz vem; seu grito de alegria soará em todos os cantos da cidade. Não é um grito de terror, mas de júbilo. A alegria da salvação que Deus oferece será plena e total. Essa alegria contagiará a todos. Até as pedras irão se contagiar com esse contentamento. Em vista disso, Israel deve abrir seu coração e festejar a chegada do mensageiro de Deus. Para perceber o novo tempo que se aproxima, é necessário fazer uma leitura atenta dos sinais de sua presença e uma renovação de vida. O Senhor Deus é o único rei de Israel; somente ele dirige e governa seu povo. Portanto, suas leis e preceitos são o caminho para a reconstrução da paz.

2. II leitura (Hb 1,1-6)

O autor da segunda leitura é um cristão anônimo que se dirige aos hebreus, grupo que provavelmente era a grande maioria nas comunidades cristãs provindas do judaísmo. Porém, o título ou palavra “hebreus” é muito raro no Novo Testamento. Em todo caso, trata-se de cristãos em situação difícil, expostos à perseguição, vivendo num ambiente hostil à fé cristã. São fiéis que enfrentam uma situação de desalento, o que justifica o desânimo e a perda do fervor. É nesse contexto que o autor exorta a comunidade a testemunhar sua fé em Jesus Cristo, procurando retomar a radicalidade inicial de seu compromisso cristão e tendo, diante de si, o único sacerdote: Jesus Cristo, o Filho de Deus.

O texto alude ao projeto salvífico de Deus, que, de muitos modos, falou ao povo por meio dos patriarcas, matriarcas, profetas e, por último, por meio de seu Filho. Assim, recorda, de forma breve, toda a história da salvação. A última etapa dessa história é inaugurada por Jesus Cristo, Palavra plena, definitiva, perfeita, mediante a qual Deus vem ao nosso encontro para nos apontar o caminho da salvação e da vida em plenitude.

O autor da carta apresenta Jesus como o Filho de Deus, imagem perfeita do Pai amoroso e misericordioso. Jesus tornou visível, em plenitude, o rosto do Pai, pois procede dele. Como Jesus mesmo disse, quem o vê, vê o Pai. O Filho está na origem do universo, por isso o cristão é chamado a reconhecer seu senhorio. Essa soberania se expressa, de forma plena, na encarnação e na redenção por sua morte na cruz. Ele completou a obra começada no início da criação; por conseguinte, aqueles que o seguem devem acolhê-lo como o único salvador, como caminho de vida eterna.

3. Evangelho (Jo 1,1-5.9-14)

O texto evangélico da missa do dia de Natal é retirado do prólogo do Evangelho segundo João, que começa com a expressão “no princípio”, com a qual o evangelista estabelece uma relação de continuidade entre o relato da criação e o da obra redentora concluída por Jesus, interpretando toda a história da salvação. Desse modo, tudo aquilo que o evangelista vai narrar sobre Jesus está em relação com a obra criadora de Deus. A missão de Jesus consiste em levar à plenitude a obra da criação iniciada por Deus “no princípio”.

Na visão do quarto Evangelho, a Palavra de Deus outrora dirigida à humanidade, com a qual Deus falou por meio da Lei e dos Profetas, não passava de expressão parcial da plenitude. Pela encarnação da Palavra, Jesus Cristo, chega-se a conhecer a verdadeira imagem de Deus e, diante dela, todas as demais se tornam fragmentadas e imperfeitas, pois a Palavra já não é apenas algo dito ou escrito, mas sim uma pessoa: Jesus. A expressão “verbo” (logos), usada pelo evangelista, é a mesma que se usa em muitas passagens do Antigo Testamento, quando se menciona a palavra ou mensagem de Deus dirigida aos profetas. Nos textos proféticos, porém, “verbo” é usado como palavra dirigida a alguém escolhido por Deus. Agora, a Palavra não é dirigida, mas se faz carne e habita entre nós.

Essa Palavra vem ao encontro da humanidade. A tenda é símbolo muito conhecido dos ouvintes de João, indica a presença de Deus no meio do povo. O termo recorda o lugar de encontro de Deus com seu povo no deserto. Agora, a tenda de Deus, o lugar em que ele habita no meio do povo, é Jesus. É o encontro com sua pessoa que traz luz e vida para a humanidade. Encontrar-se com Jesus significa romper com todas as situações de trevas, de pecado e de escravidão. Acolher essa Palavra em nós, para João, significa ter vida em plenitude. É caminhar na luz e abandonar todas as formas de egoísmo, mentira e injustiça que ameaçam a vida. Toda a obra de Jesus consiste em capacitar o ser humano para uma vida nova, como a que Deus ofereceu desde o princípio da criação.

A missão de Jesus, Palavra encarnada, é comunicar vida; e João a compara com a luz. Portanto, luz e vida são duas realidades profundamente relacionadas. A luz é, para a humanidade, sua orientação e guia, é o que lhe mostra a meta e para ela atrai. Na tradição rabínica, a luz era a Lei de Moisés. Para o evangelista, a luz que dá vida aos seres humanos é Jesus. Quem o conhece tem a vida em plenitude e caminha sob a luz da nova lei do amor.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

A alegria das sentinelas atentas das montanhas ao redor de Jerusalém, a ponto de até as pedras bradarem de contentamento, é expressão de uma linguagem simbólico-profética usada para descrever os sinais precursores da chegada de Deus. Na verdade, o profeta nos convida a estarmos atentos e preparados para ler os sinais da chegada do Senhor. Ele vem para transformar realidades e atitudes que não promovem a vida. É essa alegria que nos anima, que reina em nossa cidade, neste dia em que celebramos a chegada libertadora de Jesus?

Celebrar o nascimento de Jesus é momento privilegiado de contemplar o amor misericordioso de Deus, que não abandona a criatura humana nem dela se distancia. Pelo contrário, ele rompe todas as barreiras e distâncias para proporcionar nosso encontro com ele. O menino Jesus, que contemplamos no presépio, é a Palavra definitiva, revelada a toda a humanidade; é o verdadeiro caminho que conduz à salvação. Escutar e acolher essa Palavra é o critério fundamental que deve orientar nossas escolhas e atitudes. Jesus, Palavra viva do Pai enviada a este mundo, é, de fato, minha referência?

Em nossos dias, como no tempo em que João compôs seu Evangelho, Jesus, a Palavra encarnada do Pai, continua a confrontar os sistemas que destroem a vida das pessoas e de toda a obra criada por Deus, para eliminar, na sua origem, as forças avassaladoras da morte. Acolher essa Palavra, que veio armar sua tenda no meio de nós, exige compromisso diante das forças do mal que ameaçam a vida em nosso planeta. Jesus é a luz que brilha em meio às trevas e hoje nos convida a manter viva a chama do amor que ele veio acender.

Izabel Patuzzo*

*pertence à Congregação Missionárias da Imaculada – PIME. Mestre em Aconselhamento Social pela South Australian University e em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. É licenciada em Filosofia e Teologia pela Faculdade Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo. Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica. E-mail: [email protected]