Roteiros homiléticos

Publicado em setembro-outubro de 2022 - ano 63 - número 347 - pág.: 40-43

24º DOMINGO DO TEMPO COMUM – 11 de setembro

Por Marcus Mareano*

Um Deus de misericórdia e compaixão

I. INTRODUÇÃO GERAL

Muito comumente, deparamos com nossos limites, fragilidades e pecados. Que bom perceber essa realidade humana. No entanto, é melhor fazer esse reconhecimento sob a luz do amor do Senhor.

A liturgia deste domingo apresenta a maneira de Deus se manifestar ao ser humano: como misericordioso. A primeira leitura narra um episódio de infidelidade dos israelitas e a benevolência divina, que não age conforme eles mereciam. O texto da carta a Timóteo é uma ação de graças pela misericórdia de Deus, que alcançou Paulo e fez dele um servidor da Palavra. Enfim, lê-se, no Evangelho, o modo de Jesus ensinar, por meio de parábolas, o mistério divino que movia sua existência humana.

Deus nos surpreende com seu perdão e transforma a culpa humana em compaixão. Em sua misericórdia, sempre excede nossas estreitas expectativas, para abrir caminho em meio a nossas fragilidades. Só o amor misericordioso de Deus nos reconstrói por dentro, destrava nosso coração e nos move em direção a horizontes maiores de busca, responsabilidade e compromisso.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (Ex 32,7-11.13-14)

O livro do Êxodo narra a libertação do povo de Israel da escravidão do Egito. Nessa travessia para a Terra Prometida, aquelas pessoas se constituem como o povo de Deus a partir da experiência de fé em Deus no deserto.

O episódio da primeira leitura deste domingo relata a idolatria do povo eleito. O Senhor percebe a infidelidade dos israelitas e pede a Moisés que desça para exortá-los (v. 7). Eles construíram um bezerro de ouro para a adoração e ofereceram sacrifícios, como se tais objetos fossem os deuses responsáveis pela saída do povo do Egito (v. 8-9). O culto prestado pelos israelitas se assemelhava à prática dos cananeus e representava uma traição à Aliança (Dt 9,7-10,11; Jr 31,32; Sl 106,19-23).

Deus chama Israel de “povo de cabeça dura” (v. 9), isto é, povo que não entende os Mandamentos nem se compromete com eles. Por consequência, Israel mereceria o castigo divino. Entretanto, Deus recorda a fé dos antepassados – dos patriarcas Abraão, Isaac e Jacó – e a promessa feita ao povo de torná-lo uma nação numerosa (v. 13). Mesmo que o povo se esqueça da Aliança, Deus permanece fiel e cumpre suas promessas a ele.

A misericórdia constitui a resposta de Deus à vulnerabilidade humana. Ela destrava a existência, potencializa o dinamismo de conversão e põe o ser humano em movimento, em direção a um amplo horizonte de sentido. Deus nos criou para essa finalidade, e não para o fechamento na culpa e no pecado.

2. II leitura (1Tm 1,12-17)

Timóteo é mencionado nominalmente nas cartas de Paulo (2Cor 1,1.19; 1Ts 1,1; 3,2.6; 1Tm 1,2.18; 6,20; 2Tm 1,2; Fm 1; Hb 13,23) e nos Atos dos Apóstolos (At 16,1; 17,4-5; 18,5; 19,22; 20,4). Ele era ainda “novo” quando se tornou colaborador do apóstolo lá na Cilícia (hoje Turquia), região de origem do próprio Paulo (1Tm 4,12).

No trecho da liturgia deste domingo, Paulo agradece a Jesus a confiança que este lhe demonstrou ao escolhê-lo como seu representante. Foi esse “Senhor Jesus” que, depois de sua morte, desde a glória do Pai, chamou Paulo para seu serviço, lá no caminho de Damasco (At 8,3; 9,1-22; 22.4; 26,5). Paulo agia com violência contra os cristãos e blasfemava contra Jesus.

Todavia, o perseguidor recebeu misericórdia, pois agia assim “na ignorância, sem ter chegado à fé” (v. 13). A graça de Deus se mostrou superabundante, juntamente com a fé/fidelidade e o amor que estão no Senhor Jesus (1Cor 15,9; Gl 1,13-16). Paulo vê Jesus não apenas como destinatário da fé e do amor, mas, primeiramente, como fonte.

Por fim, Paulo valida a palavra que ele proclama, apoiando-se na ação de Deus em sua vida. Ele mesmo é protótipo e testemunha viva dos pecadores que foram salvos por Jesus. Disso decorre essa celebração da misericórdia que o apóstolo recebeu e que revela a paciência de Jesus para com ele. Paulo se faz um exemplo para todos os que hão de crer em Cristo, em vista da vida eterna (v. 16). O trecho se conclui com uma doxologia a Deus.

A misericórdia divina constitui a luz e a chave de nossa vida, como observamos no relato de Paulo a Timóteo. A força criativa do amor de Deus põe em movimento nossos anseios existenciais, livrando-nos de um modo paralisado e petrificado de viver.

3. Evangelho (Lc 15,1-32)

Jesus atraía, cada vez mais, coletores de impostos, pecadores, soldados – o tipo de gente que tinha ido também a João Batista (3,10-14; 15,1). Todos queriam ouvi-lo e acompanhá-lo, pois sua presença agradava, fortalecia e aliviava. Em contrapartida, os fariseus e os escribas, resistentes àquela maneira de ser de Jesus, odiavam-no até a morte (v. 2). Então, Jesus conta três parábolas a todos esses corações de pedra (Ez 36,25-26; Mt 19,8).

A primeira delas (v. 3-7) apresenta um pastor com cem ovelhas. Se ele perde uma delas, deixa as 99 em um lugar seguro para ir em busca daquela que se perdeu e a procura até encontrá-la. Se, por acaso, o pastor acha a ovelha, coloca-a nos ombros e vai alegre para casa, chama os vizinhos e festeja, porque encontrou a ovelha que tinha se perdido. Da mesma forma, Deus se alegra com alguém que se converte.

Na segunda parábola (v. 8-10), Jesus fala de uma mulher que tem dez dracmas e perde uma. Ela não acenderia uma lâmpada, tomaria a vassoura, varreria cuidadosamente a casa e persistiria na busca até encontrar a moeda? Novamente, como na parábola anterior, se ela encontrasse a dracma perdida, comunicaria imediatamente o fato às vizinhas e se alegraria por tê-la encontrado, por ser parte significativa de suas economias. Do mesmo modo o Pai procede em relação aos seres humanos. Haverá grande alegria por um só pecador que se converta!

As duas parábolas anteriores servem de preparação para a terceira parábola da misericórdia (v. 11-32): um pai com seus dois filhos (Deus com os pecadores e com os que se achavam justos – v. 1-2).

No relato, o filho mais novo pede sua parte da herança e parte da casa do pai para uma terra estrangeira e distante. Conforme o costume daquele tempo, o filho mais velho ficaria com a herança e com os direitos da casa paterna, enquanto os mais jovens receberiam uma porção menor e teriam de se arranjar fora de casa. O filho que partiu gastou tudo que possuía e tinha dificuldades até para se alimentar. A fome era tanta, que desejava comer a comida dos porcos.

Diante da deplorável situação, o filho reflete sobre a vida e, envergonhado, decide voltar para a casa paterna. Afinal, os empregados do seu pai tinham melhor condição de vida do que ele, naquela terra. O filho gostaria de, ao menos, ser tratado como qualquer um deles. Contudo, o pai age de maneira surpreendente.

Ao invés de rancor, rejeição e castigo, o pai se encheu de compaixão, correu ao seu encontro, abraçou-o e cobriu-o de beijos. O filho, arrependido do que fizera, confessa o pecado contra Deus e contra o pai, dizendo nem se sentir digno de ser chamado de filho. Entusiasmado com o reencontro, o pai ordena aos empregados que o revistam de nova dignidade (roupas novas, anel no dedo e sandálias nos pés), pois o filho se encontrava em nova condição diante do pai. Além disso, o pai festeja alegremente o retorno do filho recuperado com vida.

O outro filho, o mais velho, ficara trabalhando no campo. Ao se aproximar de casa, ouviu o barulho de festa, surpreendeu-se e perguntou a um dos servos qual o motivo da agitação. Ele se enraiveceu ao saber o motivo dos festejos, talvez preferisse uma punição ao irmão pelo prejuízo material causado ao patrimônio familiar. Mais uma vez, o pai age em favor dos seus filhos.

O irmão “justo” ficou muito revoltado e não queria entrar na festa. O pai saiu e veio buscá-lo, insistindo para que participasse da sua alegria. O filho mais velho retruca, recordando sua dedicação ao trabalho, sua fidelidade, e ressaltando nunca ter festejado nada. O pai não discorda da resposta dele, mas convida-o a compreender que era necessário festejar o irmão caçula que havia tornado a viver.

A misericórdia é o principal atributo de Deus proclamado por Jesus e deve inspirar o modo de proceder de todo ser humano. As parábolas contadas no Evangelho apresentam dois elementos principais que devem permanecer na nossa prática cristã: a alegria, pela experiência de que Deus nos ama com um coração misericordioso, e a misericórdia, como conduta libertadora consequente a tal experiência. Aqui nos encontramos envolvidos por uma mensagem essencial e decisiva para nosso “ser cristão”.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

Fomos criados à imagem do Deus de misericórdia e somos seres capazes e necessitados de misericórdia. Uma faísca divina se faz presente no interior de cada pessoa humana para sempre agirmos com misericórdia.

Agir com misericórdia é a atitude para a qual todos nós, seres humanos, somos chamados, também aqueles que ainda não experimentaram o dom da fé ou mesmo a esvaziaram. É o caminho para conseguir uma convivência leve, acolhedora e aberta.

Deus misericordioso nos educa e nos impulsiona a viver misericordiosamente. As leituras vão nessa direção, abrindo espaço para que o amor misericordioso de Deus se transforme em motor da história.

Marcus Mareano*

*é bacharel em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará (Uece). Bacharel e mestre em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje). Doutor em Teologia Bíblica, com dupla diplomação, pela Faje e pela Universidade Católica de Lovaina, na Bélgica (KU Leuven). Professor adjunto de Teologia na PUC-MG, também colabora com disciplinas isoladas em diferentes seminários. Desde 2018, é administrador paroquial da paróquia São João Bosco, em Belo Horizonte-MG. E-mail: [email protected]