Publicado em julho-agosto de 2022 - ano 63 - número 346 - pág.: 43-46
15º domingo do Tempo Comum – 10 de julho
Por Izabel Patuzzo*
O mandamento do amor: caminho de vida eterna
I. INTRODUÇÃO GERAL
As leituras propostas para este domingo nos trazem uma questão importante para nossa vida de batizados: pautar nosso caminho para a vida eterna, fundamentando-o nas diretivas divinas. É no amor a Deus e aos irmãos que encontramos a vida plena. O bom caminho, o que convém ao cristão e é digno desse nome, resume-se no mandamento principal, que não é algo inatingível para nós, como o demonstram os exemplos bem concretos apresentados nas leituras.
Na primeira leitura, Moisés se dirige à assembleia do povo de Deus reunida, convidando cada pessoa a amar a Deus de todo o coração, acolhendo os mandamentos, as regras fundamentais para uma boa convivência social, fraterna e em comunhão com Deus.
A segunda leitura, retirada da carta aos Colossenses, apresenta um hino à pessoa de Jesus Cristo. Paulo faz verdadeira catequese sobre a identidade de Cristo. Jesus é modelo de perfeição que deve nos inspirar. Ele é nossa referência fundamental. Provavelmente era um hino muito usado na liturgia, o qual ajudava a comunidade a manter na memória características muito importantes da pessoa de Jesus para tê-lo como modelo.
No Evangelho, Jesus continua sua caminhada em direção a Jerusalém. Nesse caminho, ele é confrontado por muitas pessoas, e, no texto de hoje, narrado por Lucas, um doutor da Lei interroga-o sobre qual seria o maior dos mandamentos. Diferentemente de Marcos e de Mateus, nos quais Jesus responde com uma citação do Deuteronômio, enunciando os mandamentos, em Lucas ele responde com outra pergunta – “O que está escrito na Lei?” –, impelindo seu interlocutor a fazer uma memória da Lei. Após este responder corretamente, Jesus lhe lança o desafio da aplicabilidade do mandamento.
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. I leitura (Dt 30,10-14)
O livro do Deuteronômio consiste em longa catequese dos sábios judeus, que reinterpretaram as Escrituras em novos contextos e situações bem diferentes no decurso dos séculos. É fruto de longa experiência de fé, dentro e fora da Palestina. Os mestres sábios estavam sempre preocupados em lembrar a todos os membros da comunidade dos israelitas os compromissos assumidos desde o tempo do deserto, quando Moisés intercedia pelo povo junto a Deus.
O autor deuteronomista narra vários discursos de Moisés dirigidos à comunidade dos fiéis. O texto proposto nesta leitura é parte final do terceiro discurso de Moisés. Trata-se de verdadeira homilia dos sábios teólogos, que estão à frente das comunidades dispersas durante o exílio da Babilônia. Essa passagem alerta os fiéis para as consequências da fidelidade ou infidelidade aos compromissos assumidos outrora diante de Deus. Moisés faz um convite a todos para que deem adesão de coração ao que Deus propõe por meio dos mandamentos.
Nessa catequese, os deuteronomistas fazem os exilados refletir sobre como encontrar o caminho da vida plena que o Senhor Deus oferece. Para isso, basta olhar para nosso coração e nossa consciência, pois é aí que Deus fala; é também aí que escutamos suas propostas e indicações. Resta-nos estar disponíveis para escutar e perceber os apelos divinos e para buscar respostas, nos momentos de dificuldade, acerca de como orientar nossa vida segundo suas diretivas.
2. II leitura (Cl 1,15-20)
A comunidade dos colossenses foi fundada por Paulo e Epafras, seu discípulo. Situada na Ásia Menor, foi visitada pelo apóstolo durante suas viagens missionárias. Epafras era um discípulo dessa comunidade e era assistido por Paulo a distância. A carta aos Colossenses foi escrita provavelmente durante o período em que Paulo estava preso em Roma, por volta dos anos 61-63 d.C., após receber a visita de Epafras, que, preocupado com o sincretismo religioso na comunidade, se dirige ao apóstolo para pedir orientações.
Havia alguns líderes religiosos locais que misturavam elementos das crenças da tradição helênica com o cristianismo. Ensinavam certas práticas ascéticas, ritos de outras origens religiosas e até mesmo do judaísmo, observâncias de certas festas religiosas e especulações acerca de outras doutrinas que conflitavam com o Evangelho pregado por Paulo. Por isso, nesse hino de louvor a Jesus Cristo, Paulo desmonta essa confusão doutrinal, pois a salvação vem por Jesus Cristo. Ele é o centro de nossa fé. Só ele basta para alcançarmos a salvação. É possível que esse hino tenha feito parte da liturgia cristã primitiva, a qual o apóstolo resgata no conteúdo dessa carta. Esse hino cristão, de inspiração sapiencial, celebra a supremacia absoluta de Jesus Cristo na redenção da humanidade.
3. Evangelho (Lc 10,25-37)
O episódio narrado por Lucas neste domingo ocorre no início da última subida de Jesus para Jerusalém com seus discípulos. Jesus tinha acabado de dizer-lhes que Deus revela sua sabedoria aos simples, ocultando essas coisas aos sábios e entendidos deste mundo. E agora um representante dos juristas aparece para pô-lo à prova. Mateus e Marcos narram esse episódio com alguns detalhes diferentes. Somente Lucas destaca que é um jurista que faz a pergunta a Jesus, e somente nesse Evangelho se estabelece uma conexão entre o diálogo do jurista e a parábola do bom samaritano.
Ao ser colocado à prova, Jesus conduz o legista a encontrar a resposta à sua pergunta nas próprias Escrituras, o que ele faz com exatidão, citando o texto do Deuteronômio, o Shemá. Jesus conclui a questão com um dito enfático: “Faze isso e terás a vida eterna”. Seu complemento é uma declaração solene de como podemos chegar à vida eterna. Jesus é incisivo, não deixa margens para a dúvida, pois a resposta do jurista é uma citação. Portanto, Jesus evidencia que o seu ensinamento se fundamenta nas tradições do Antigo Testamento, que eram essenciais para qualquer israelita. Diante da segunda pergunta do legista, Jesus responde com a parábola do bom samaritano.
Essa parábola narrada por Jesus marca a segunda parte do episódio. Jesus a situa na estrada de Jericó, que fica a uns 30 quilômetros de Jerusalém. Naquele tempo, era um caminho considerado perigoso, com frequentes assaltos. O personagem é um desconhecido, do qual Jesus dá poucos detalhes. É apenas um homem ferido por salteadores, deixado à beira do caminho quase morto.
Na parábola, Jesus retrata o comportamento próprio do cristão. É um exemplo que ele põe diante de nós. Essa analogia é para ser posta em prática. Os recursos narrativos para construir a trama bem como a caracterização dos personagens têm como único objetivo levar os ouvintes a praticar o que se descreve na parábola. O bom samaritano age movido por profunda compaixão. Ninguém estava ali para aplaudir sua atitude, nem mesmo o ferido à beira da estrada – porque, ao que parece, estava inconsciente. Próximo é todo aquele que encontramos pelo caminho e que necessita de nossa compaixão, de nosso cuidado, independentemente de sua origem étnica ou religiosa. É alguém que depende de nós para ter vida digna.
A dupla pergunta do jurista é transformada em dupla resposta de amor, como norma de conduta para os discípulos. O amor a Deus não pode ser perfeito se falta o amor ao próximo. O bom samaritano passou por cima dos regulamentos de impureza estritamente observados pelos sacerdotes e levitas de seu tempo, os quais, porém, muitas vezes eram rituais vazios de compaixão. A compaixão do protagonista da parábola constitui um exemplo bem preciso do que devemos fazer para herdar a vida eterna e se torna um paradigma no caminho do discipulado. A pedagogia de Jesus tem por fim ajudar o jurista e sua audiência a responder a perguntas fundamentais: Que te parece? Quem se fez próximo? Ele não dá a resposta, mas, diante da resposta que recebe, põe as exigências: “Vai tu e faze o mesmo”.
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
A primeira leitura nos faz um convite para aderir de todo o coração às propostas de Deus, levando-nos a questionar a qualidade de nossa adesão. Nosso compromisso com o Senhor e com nossa comunidade de fé tem de ser radical, não podemos apenas querer acomodar todos os nossos interesses pessoais em primeiro lugar. Pode ocorrer que nossos projetos pessoais abafem ou neutralizem a voz de Deus e nos impeçam de escutar sua proposta. Até que ponto estou disponível para acolher e pôr em prática os preceitos que Deus propõe?
A pergunta do mestre da Lei é típica dos doutores: muito acadêmica. Ele desejava uma resposta com clareza doutrinal. Jesus leva-o a refletir a partir do coração, e não da racionalidade. Trata-se de pôr o amor no centro de nossa ação. Sua resposta nos faz refletir que Deus deve ser o centro de nossa vida, e o amor aos outros vem naturalmente, como consequência. Trata-se, portanto, de fazer que o amor percorra as coordenadas fundamentais de nossa existência, traduzindo-se em obras concretas que transformem também a vida das pessoas que precisam de nós. O amor deixa suas marcas positivas, tanto em nossa vida como na daqueles que nos rodeiam. Permito que minha vida seja pautada por ações que me encaminham para a vida plena com Deus e com os irmãos e irmãs?
Izabel Patuzzo*
*pertence à Congregação Missionárias da Imaculada – PIME. Mestre em Aconselhamento Social pela South Australian University e em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. É licenciada em Filosofia e Teologia pela Faculdade Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo. E-mail: [email protected]