Publicado em maio-junho de 2022 - ano 63 - número 345 - pág.: 44-45
3º DOMINGO DA PÁSCOA – 1º de maio
Por Rita Maria Gomes, nj*
Reconhecimento e testemunho do Ressuscitado
I. INTRODUÇÃO GERAL
No domingo anterior, a liturgia abordava a questão da identificação de Jesus ressuscitado como o mesmo que fora crucificado. A experiência de Tomé de tocar as chagas visava precisamente afirmar que o Crucificado e o Ressuscitado são “um e o mesmo”. Neste domingo, continuamos, em nossa celebração pascal, a reflexão a respeito do reconhecimento do Cristo ressuscitado. Agora o ponto de partida é a partilha de uma refeição de Jesus com seus discípulos, como atesta o Evangelho deste dia. A primeira leitura traz o testemunho corajoso dos apóstolos diante do sinédrio, testemunho esse que ecoa na exaltação do Senhor, presente na resposta do salmo, e se liga com a segunda leitura, que atesta a adoração da comunidade fiel ao seu Senhor.
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. I leitura (At 5,27b-32.40b-41)
A primeira leitura atesta o testemunho dos apóstolos a respeito de Cristo diante do sinédrio. Eles anunciam seu Mestre, sua vida e seus ensinamentos. O texto apresenta, ainda, a resistência ou incômodo que esse anúncio causa na classe dirigente da religião oficial. A razão da resistência é clara: os apóstolos não só anunciam o Cristo ressuscitado, mas também, junto a esse anúncio, denunciam aquelas lideranças por seu papel ativo no processo que desembocou na execução de seu Mestre.
A menção à responsabilidade das autoridades judaicas na morte de Jesus aparece duas vezes no texto. A primeira delas, na boca do sumo sacerdote, como memória dessa acusação. A segunda, na boca dos apóstolos, tendo Pedro como destaque. O fato de Pedro ser destacado nesse trecho se liga diretamente ao Evangelho, que testemunha seu chamado a apascentar o rebanho do Senhor.
2. II leitura (Ap 5,11-14)
A segunda leitura, tirada do Apocalipse, está intimamente ligada à primeira e ao Evangelho. Ela traz o testemunho celeste do Cristo. São os anjos e os santos, no céu, que reconhecem, exaltam e louvam o Cristo, a exemplo do que fizeram os discípulos, na terra, diante do sinédrio. O rebanho do Senhor que fora confiado aos apóstolos, tendo Pedro como líder desse grupo, agora louva seu Senhor e pastor nas alturas celestes.
3. Evangelho (Jo 21,1-19)
O Evangelho deste domingo nos relata o encontro, à beira do lago, de Jesus com seus discípulos, com quem ele partilha uma refeição. Esse texto, chamado de “a pesca milagrosa”, é narrado por João no final de seu Evangelho, distinguindo-se, assim, de Lucas, que o situa no início, no contexto do chamado dos primeiros discípulos. Para João, a pesca e a consequente partilha do alimento são expressões do reconhecimento do Ressuscitado como aquele que vivera com eles e fora crucificado. O Crucificado e o Ressuscitado são a mesmíssima pessoa. Essa é a experiência vívida que ilumina a mente e o coração dos discípulos. E isso não é tudo. Em João, à pesca e à consequente refeição segue-se o chamado de Pedro para apascentar as ovelhas do rebanho de Jesus. O texto conhecido como “primado de Pedro” nos sinóticos é, em João, um chamado a exercer uma missão, delegada a Pedro pelo Ressuscitado.
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
Uma primeira consideração a ser tecida relaciona-se com a questão do reconhecimento do Ressuscitado como o mesmo que fora crucificado. A melhor forma de atestar que o Ressuscitado não era um mito, uma invenção ou qualquer outro subterfúgio dos discípulos era reconhecê-lo como o Mestre com quem conviveram.
Aquele que aparecia diante deles não era uma ilusão ou um fantasma, por isso come com os discípulos, como fizera muitas vezes antes de sua morte. Esse texto, contudo, não fala apenas do Cristo: diz algo também sobre os cristãos. Estes serão reconhecidos pela partilha do pão, ou seja, pela comensalidade repetida em cada liturgia eucarística. Assim, o texto não testemunha apenas o Ressuscitado, mas, por antecipação, também os cristãos.
Uma segunda consideração nos leva a entender que essa experiência de encontro com o Ressuscitado permite aos discípulos a ousadia e a coragem de anunciar o Cristo e de testemunhar seus ensinamentos, ainda que sob o risco de serem presos e torturados. Com isso, adverte os cristãos de todos os tempos de que seguir a Cristo e anunciá-lo comporta o risco de sofrer o incômodo das estruturas injustas há muito estabelecidas. A incompreensão e a perseguição podem fazer e fazem, de tempos em tempos, parte da “herança” dos seguidores do Cristo. Enfim, somos chamados, como Igreja, a unir nossa voz à dos anjos e santos num canto de louvor ao nosso Senhor e Salvador.
Rita Maria Gomes, nj*
*é natural do Ceará, onde fez seus estudos em Filosofia no Instituto Teológico e Pastoral do Ceará (Itep), atual Faculdade Católica de Fortaleza. Possui graduação, mestrado e doutorado em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje), onde lecionou Sagrada Escritura. Atualmente é professora na Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). É membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém, que tem como carisma o estudo e o ensino da Sagrada Escritura. E-mail: [email protected]