Carta do editor

Maio-Junho de 2022

Falar de Deus em tempos de sofrimento

Prezadas irmãs, prezados irmãos, graça e paz!

Sofrer é um verbo que toda a humanidade sabe conjugar. Não somente a humanidade, mas também a criação inteira: “Sabemos que, até hoje, toda a criação geme e padece, como em dores de parto” (Rm 8,22).

Quando nascemos, nossa primeira reação é o choro. Gritamos pela estranheza da luminosidade, que certamente dói em nossos olhos e em nosso corpo todo, em contraste com o conforto outrora experimentado no ventre de nossa mãe. Ao chegarmos a este mundo, aos poucos vamos nos adaptando à temperatura, aos ruídos, aos cheiros, aos sabores. Por vezes, para driblar as dificuldades de adaptação, fazemos caretas, caras e bocas, e, com o tempo, aprendemos a sorrir.

Não bastasse o sofrimento como condição, há também o sofrimento imposto. Desde quando implodiu a pandemia do novo coronavírus, no início de 2020, o sofrimento tem sido a manchete do dia. Mas o sofrimento imposto aos pobres e vulneráveis vem de longa data. A pandemia se encarregou de escancarar a dor, os olhares tristes e os rostos desfigurados de tantos irmãos, jogados nas praças e calçadas de nossas cidades, e nos rincões e sertões esquecidos do Brasil oficial.

O Brasil ficou mais pobre nos últimos dez anos e, com a pandemia, esse empobrecimento se intensificou. Metade da população brasileira hoje está nas classes C e D. É grande também a multidão que vive na indigência. Escandalosamente, a concentração de riqueza aumentou nas mãos de poucos. Os que já eram ricos ficaram ainda mais ricos. Enquanto nos semáforos há gente se humilhando por uma ajuda para não morrer de fome, na TV e nas mídias sociais digitais há quem ostente tênis caríssimos e apresentadores de entretenimento com relógios no pulso que custam mais de 1 milhão de reais. Além disso, é bom recordarmos que, nos momentos mais tensos e sofridos da pandemia, agravados por enchentes e alagamentos, multidões de pobres se humilhavam em filas para conseguir uma carcaça de frango ou um pedaço de osso. Enquanto isso, houve quem ostentasse picanha, camarão, passeio de lancha, motociata e outras insensibilidades…

Os articulistas desta edição de Vida Pastoral lançam luz sobre o desafio de falar de Deus em meio a essa realidade de sofrimento, contrapondo-se a um mundo de ostentação. Temos a alegria de uma conversa com Pe. Júlio Lancellotti, que há anos acompanha os pobres e sofredores da cidade de São Paulo e convive com eles, especialmente com os irmãos em situação de rua. Dom Vicente Ferreira – um bispo com os pés enlameados pelos dejetos de minérios, despejados no meio ambiente por aqueles que só veem cifras e sufocam até a morte mulheres, homens, crianças e a natureza – chama a atenção para a questão do sofrimento como território sagrado que exige solidariedade e discernimento, e aponta a vulnerabilidade socioambiental como a marca forte de nossa cultura. O exemplo mais triste dessa realidade de sofrimento foi o desabamento da barragem de Brumadinho-MG, em 2019. Pe. Eliseu Wisniewski, por sua vez, traz à tona a questão da aporofobia, o rechaço e o ódio aos pobres, tão presentes na estrutura excludente de nossas cidades. O artigo pontua causas e caminhos para sua superação. Por fim, a Profa. Simone Magaldi reflete sobre a possibilidade de um novo humanismo, considerando a pandemia como uma experiência humana aterradora.

Que nosso olhar esteja fixo em Jesus, o Divino Mestre, que nos ensina a compaixão, a empatia, e que todas as nossas atitudes estejam permeadas de ternura para aliviar o sofrimento de tantos irmãos e irmãs e iluminá-los com a luz da esperança – afinal, viver é complexo e maravilhosamente encantador, e não estamos neste mundo fadados ao sofrimento. Nosso distintivo é a esperança, enquanto aguardamos a vinda do Cristo, Salvador.

Boa leitura!

Pe. Antonio Iraildo Alves de Brito, ssp
Editor