Publicado em março-abril de 2022 - ano 63 - número 344 - pág.: 12-21
Por uma educação que humaniza: o horizonte da Campanha da Fraternidade de 2022
Por Patriky Samuel Batista
Introdução
Em cada momento histórico, emergem condições sociais que necessitam de uma atenção prioritária. Tais condições põem em destaque algumas exigências e desafios que se impõem ao anúncio do Evangelho e à promoção do bem comum: o valor da dignidade humana, o empenho pela paz, a capacidade de cuidar e dialogar, o direito e acesso à educação e à cultura. A educação é um dos componentes fundamentais que promovem e favorecem o valor da dignidade humana e, por essa razão, necessita de uma atenção prioritária. Sem ela, não existe verdadeiro progresso que alcance todos os membros de uma nação. Comprometer-se com o bem comum, à luz da fé cristã e da Tradição da Igreja, supõe irrestrito compromisso com a promoção de uma educação integral, a fim de que “todos tenham vida, e vida em abundância” (Jo 10,10).
Em 2022, a CNBB promove a 58ª edição da Campanha da Fraternidade, pondo em evidência o tema da educação. Fraternidade e educação: “Fala com sabedoria, ensina com amor” (Pr 31,26). Partindo do cenário pandêmico da covid-19, neste tempo quaresmal, somos interpelados pela realidade da educação, que exige profunda conversão de todos. Algo pode e deve ser mudado nesse contexto. Conversão que também inaugura um caminho capaz de promover o desenvolvimento pessoal integral, a formação para a vida fraterna e para a cidadania. O horizonte da CF deste ano é um convite a redescobrir os princípios fundamentais de uma educação que humaniza, que promova a dignidade humana e construa a paz. Um caminho que, nas palavras do papa Francisco, deve também ser assumido por meio da adesão ao Pacto Educativo Global.
1. Quem ama cuida, dialoga e educa
Em toda a sua história, a CF se destaca como um espaço de reflexão sobre temas de singular importância para o conjunto da sociedade. Refletir, discernir e atuar sobre tais situações significa dar início a bons procedimentos de transformação da realidade. Situações que só serão superadas quando, vencidos o pecado e a morte, a comunidade cristã for testemunha do Ressuscitado, sendo “sal da terra e luz do mundo” (Mt 5,13-16). Cada Campanha deseja despertar o profetismo do povo de Deus como resposta de uma vida que, reconciliada com Deus e com os irmãos e irmãs, rompe com toda indiferença, contribuindo, assim, para o nascimento e o desenvolvimento de iniciativas que perduram até hoje. Uma das mais belas contribuições da CF reside justamente na arte de iniciar processos em que cada um é chamado a fazer-se dom e serviço para os homens e mulheres de boa vontade.
Belo exemplo é a Pastoral da Educação, que nasce em 1982, quando o tema foi abordado pela primeira vez em uma CF. Reflexão que volta em 1998, apresentando a educação como serviço à vida e à esperança. Notamos, assim, uma linha de continuidade nas reflexões propostas nos últimos anos: uma vida fraterna que se revela no compromisso de superação da violência (2018); vivendo como irmãos e irmãs, conhecendo políticas públicas e participando da sua construção, com especial atenção aos mais pobres (2019); acolhendo a vida como dom de Deus a ser cultivado e como compromisso assumido (2020). Pelo exemplo de Santa Dulce dos Pobres, no início da pandemia, fomos chamados a ver, sentir compaixão e cuidar. Ações que se tornaram verdadeiro projeto de vida solidária: é tempo de cuidar! Quem cuida está aberto e disponível para o diálogo, que vai além de uma conversa. Diálogo é compromisso de quem ama (2021), de quem não se esquece do caminho da correção fraterna (Mt 18,15-20). Diálogo que não deve ser algo pontual, estabelecido somente entre pares, e sim assumido como verdadeiro estilo de vida. Agora a CF-2022 nos convida a promover diálogos na perspectiva da realidade educativa, à luz da fé cristã, propondo caminhos em favor de um humanismo integral e solidário.
2. Gestos e opções que não educam
Em que contexto a CF-2022 será realizada? Não é difícil notar que o cenário educacional, mesmo com significativos avanços desde a primeira Campanha que tratou sobre o tema, ainda é profundamente marcado por inúmeros desafios e contradições evidenciados agora pela pandemia da covid-19.
Perduram a desigualdade social, a falta de oportunidades e de equidade no acesso a uma educação de qualidade, sendo os pobres os mais prejudicados. Muitos modelos educativos fizeram da escola um espaço para disputas ideológicas e de preparação exclusiva para a aprovação no vestibular, não considerando uma educação integral, em favor da convivência social, do serviço à comunidade e da promoção do bem comum. A cada dia, as redes sociais são transformadas em verdadeiro palco de disputas, troca de ofensas, mentiras e total falta de respeito à pessoa. Desconhecem o princípio da caridade, a virtude da prudência e a misericórdia evangélica. Claros sinais das consequências da ausência de um olhar integral, voltado para a educação da pessoa.
Pondo a ciência sob suspeita, promovendo a desvalorização da educação popular e a sabedoria das comunidades tradicionais, corremos o risco de restringir a educação a interesses pessoais e até mercadológicos. O não reconhecimento do papel e da importância dos professores e até mesmo da escola também adia e não favorece a mudança desse cenário. Isso sem falar da ausência de investimentos, da não prioridade da educação como caminho de construção de um futuro melhor para a nação. O descaso para com a educação pública, a indiferença diante dos desafios regionais em um país de dimensões continentais, a ilusão de que o analfabetismo já não existe no Brasil e a apatia diante da triste situação dos inúmeros analfabetos funcionais parecem perpetuar a concepção de que a educação nunca será assumida como prioridade.
O contexto atual está profundamente marcado pelos desafios impostos ao mandamento do amor, em contraste com as consequências mortais do pecado, manifestado nas diversas polarizações, na ausência da escuta do outro, na incapacidade de dialogar e perceber o conjunto da realidade com um olhar de compaixão, de cuidado e misericórdia. Ainda prevalece a cultura da indiferença, do descartável, do desencontro e do desprezo, o descompromisso com o diálogo, sobretudo com o diferente, e a triste realidade da rejeição da fraternidade como elemento constitutivo do ser humano. A isso se soma a crise do senso de pertença e do compromisso comunitário.
Temos ainda, diante dos olhos, uma avalanche de dados e estatísticas que mostram as consequências do descaso pela educação. Muitas pautas políticas pleiteiam soluções individuais restritivas, sem nenhum interesse pela educação pública, que abrange a maioria dos estudantes do país. São crescentes a evasão escolar, a falta de oportunidades para muitos jovens que foram obrigados a deixar os estudos para ajudar a manter a família em situação de vulnerabilidade social e insegurança alimentar. Um ensino remoto sem infraestrutura de qualidade, com dificuldades de acesso à internet. Pais alijados do seu papel educativo e a própria falta de compreensão do papel da família e das instituições de ensino que devem colaborar com a família em sua tarefa de educar. Também é motivo de preocupação a ausência de propostas educativas que promovam a experiência do transcendente, a cultura do encontro e o cuidado com a casa comum.
Muitos projetos e metas educacionais são estabelecidos sem autêntica participação popular, além de não envolverem a expertise das instituições de ensino, a experiência educacional da Igreja e de setores da sociedade que possuem notório empenho por uma educação de qualidade integral, que humaniza as relações. Ademais, universidades e instituições de ensino filantrópicas muitas vezes não são reconhecidas pelos benefícios prestados à sociedade. É inegável a importância de um ensino superior de qualidade, que contribua para o desenvolvimento da sociedade e para a promoção do bem comum. No entanto, é notório que muitos pais e responsáveis pela educação de crianças, adolescentes e jovens focam apenas na formação em vista do ingresso na universidade, delegando a outros a missão de educar para os valores éticos e morais, e para as virtudes, deixando de incluir na educação regras basilares de disciplina e até mesmo noções básicas de higiene. O respeito pelo outro, o cultivo de bons modos, o compromisso com a verdade, o valor de uma vida honesta, a consideração pela sabedoria dos idosos são outros desafios que se impõem a uma educação integral. Isso se observa também no que concerne à educação na fé e à experiência do transcendente. Via de regra, essa responsabilidade fica delegada à catequese paroquial.
A superação desse cenário não nasce da eleição de culpados nem do diagnóstico das causas que nos fizeram chegar até aqui, mesmo que sejam elementos importantes a serem considerados para avançarmos rumo à oferta de um melhor processo educativo. O caminho para a mudança parte de um olhar atento para a realidade, escutando o que muitas vezes não é dito, saindo da zona de conforto perpetuada por um lamento sem fim, despertando a ousadia e a criatividade que podem nascer do resgate da experiência da educação cristã. As mudanças que tanto desejamos para a educação começam quando são assumidas por cada um de nós, em cada decisão e opção cotidianas que incidem nos ambientes. Aqui, é de suma importância a participação em audiências públicas, bem como o envolvimento direto na construção de políticas públicas educacionais e a participação ativa da família no acompanhamento da vida escolar.
Por essa razão, a CF-2022 não se restringe a apresentar este ou aquele modelo educativo como única via de solução, mas deseja provocar uma reflexão: onde a experiência da Tradição cristã pode contribuir para mudar esse cenário? O que a pandemia revela da nossa cultura no que diz respeito à educação? Educar é muito mais do que instruir ou transmitir conhecimento. Educar é um ato de amor e de esperança no ser humano. Educamos porque acreditamos na pessoa, em suas capacidades, em seus dons, talentos e na arte de superação em meio à dor e ao sofrimento. “O sofrimento do outro constitui um apelo à conversão, porque a necessidade do irmão recorda-me a fragilidade da minha vida, a minha dependência de Deus e dos irmãos” (FRANCISCO, 2014).
Cada ser humano tem algo a contribuir, a fim de que nossas relações sejam marcadas pelos princípios da amizade social e da solidariedade guiada pela fé. A educação geradora de compromisso revela a face cristã da solidariedade, que significa muito mais do que alguns atos esporádicos de generosidade, pois supõe “a criação de uma nova mentalidade que pense em termos de comunidade, de prioridade da vida de todos sobre a apropriação dos bens por parte de alguns. Isso significa solidariedade. Não é só questão de ajudar os outros, o que é muito bom fazer, mas é mais. Trata-se de justiça” (EG 188).
Temos a tendência de aprender com maior facilidade sobre os fatos do que sobre nós mesmos. Se o sentido da educação não se restringe aos aspectos técnicos e científicos, que são importantes e necessários, é preciso crescer na consciência de que a educação integral, comprometida com novas formas de economia, de política e de progresso a serviço da vida humana, só atingirá seus objetivos quando todo aparato formativo despertar o nascimento da sabedoria. Ela nasce quando a experiência da beleza da vida e do encontro com o outro edifica pontes, inaugura novo olhar e nova percepção da existência.
Aqui, vale a pena recordar as palavras do papa Francisco dirigidas aos participantes do Seminário “Educação: o Pacto Global”, organizado pela Pontifícia Academia das Ciências Sociais em fevereiro de 2020:
Educar não é apenas transmitir conceitos, mas um trabalho que exige que todos os responsáveis – família, escola e instituições sociais, culturais e religiosas – participem desse processo de forma solidária. Para educar, é necessário integrar a linguagem da cabeça com a linguagem do coração e a linguagem das mãos. Que um educando pense o que sente e o que faz, sinta o que pensa e o que faz, e faça o que sente e o que pensa (PAPA…, 2020).
O sentido de educar também está na coragem de formar pessoas disponíveis para se porem a serviço do outro, da comunidade, da sociedade. O serviço à vida, um dos principais pilares da cultura do encontro, significa inclinar-se sobre quem é necessitado e estender-lhe a mão, sem cálculos nem receio, com ternura e compreensão, como Jesus se inclinou para lavar os pés dos Apóstolos. Servir significa trabalhar ao lado dos mais necessitados, estabelecer com eles, antes de tudo, relações humanas, de proximidade, vínculos de solidariedade (FRANCISCO, 2013b).
3. “E todo o povo vinha até ele, que, sentado, os ensinava” (Jo 8,1)
O Texto-base da CF-2022 segue o método ver, julgar e agir, apresentado este ano com uma linguagem que recupera as pedagogias do papa Francisco: escutar, discernir e agir. Esse método, como já nos lembra o Documento de Aparecida, n. 19, implica contemplar a Deus com os olhos da fé, por meio de sua Palavra revelada. Por essa razão, ver a realidade supõe envolver-se com ela tal como discípulo que é enviado ao mundo (Mt 28,19). Conhecemos determinado chão quando sabemos quem nele pisa, habita e percorre. Uma escuta atenta que ajuda a compreender o que realmente se passa em determinado contexto. Com base na escuta dos sinais dos tempos, é preciso discernir, à luz da fé, os desafios da realidade educativa em seu conjunto, para alcançar propostas plausíveis de superação de lacunas e dificuldades que comprometem a qualidade da educação em todos os âmbitos.
Antes de abordar cada uma das etapas do método, o Texto-base apresenta um ícone da Palavra de Deus. Somos discípulos e discípulas da Palavra. Eis o lembrete! Ela é nossa primeira referência, pois, por meio da Palavra que salva, vemos e ouvimos a realidade e ali identificamos o que não corresponde ao plano de Deus, ao seu Reino de amor e justiça. O Evangelho revela como Jesus atraía pessoas, grupos e a multidão sobretudo pelo seu modo de ensinar. Suas atividades podem ser apresentadas por meio de três atitudes básicas e constantes: anunciar, ensinar e curar. Jesus inicia seu ministério público dando testemunho de vida, fazendo e ensinando (cf. At 1,1). No entanto, parece que o ato de ensinar sobressai aos demais (Mt 4,25; 5,2).
A cena de Jo 8,1-11 nos introduz no tema da CF-2022, ao mesmo tempo que nos ajuda a compreender o modo como Jesus fala com sabedoria e ensina com amor. O capítulo começa afirmando que, ainda de madrugada, Jesus estava no templo ensinando e o povo ia até ele para escutar sua Palavra. De repente, uma mulher surpreendida em adultério é colocada literalmente entre Jesus e seus acusadores. Ela ocupa o centro das atenções. Deve ser julgada, mas não somente ela, já que Dt 22,22 afirma que tanto o homem como a mulher deveriam receber igual condenação. O homem, contudo, não se faz presente. Os escribas e os fariseus recordam a Lei de Moisés e questionam Jesus sobre qual seria seu modo de agir em relação àquela pessoa. Temos aqui belo exemplo do que significa o ato de educar que leva em consideração não o agir por impulso, mas a graça da sabedoria e o primado do amor-misericórdia, que vê a pessoa e as circunstâncias em que ela está inserida. Todos ali estão prestes a serem educados, mas nem todos levam para a vida a educação recebida.
Na verdade, os escribas e fariseus queriam acusar Jesus, condená-lo a partir de sua posição. Nessa hora, o Divino Mestre se inclina e escreve aquilo que São João não registrou, mas ficou gravado para sempre no coração do Evangelho. Inclinando-se Jesus ao lado daquela que estava prestes a ser condenada, percebemos que qualquer pedra que fosse a ela dirigida também o atingiria. Eis que vem a sentença: “Quem dentre vós não tiver pecado atire a primeira pedra!” (Jo 8,7). Ninguém se atreve, e Jesus conclui, indicando novo caminho a ser percorrido: seguir adiante com toda liberdade para não mais pecar (Jo 8,10-11).
Esta é uma das mais belas lições que a CF-2022 nos oferece: educar é não agir por impulso, mas conhecer as circunstâncias, reconhecer a dignidade da pessoa e a liberdade como bases para seu crescimento. Eis importante princípio da educação: crer que todos podem mudar, todos podem ser melhores do que são, todos podem assemelhar-se a Jesus, assumir suas atitudes e valores. Educar supõe proximidade, escuta, diálogo, dedicação, amor, empatia e esperança de que algo pode ser diferente. Orientar para o bem é compromisso de recondução e amor. Não se dá por meio da repressão, mas conta com o precioso auxílio da ternura e a coragem de propor um caminho diferente. Quem está em situação de pecado, quem errou, só muda de vida quando se sente verdadeiramente amado e acompanhado.
Só quem faz a experiência do amor é capaz de ser educado. No amor, a correção é acolhida com maior adesão, superando o ódio e a vingança. Hoje carecemos dessa consciência de que a educação é também lugar para viver o amor que gera vida. Por isso, ao invés de gerar vínculos, humanização e sabedoria, convivemos com diversos paradigmas educacionais que geram indiferença, descompromisso com o outro, espírito de concorrência, disputa e vingança, aumentando o círculo da violência, promovendo o desencontro e agredindo a sacralidade da vida. Como nos alerta o papa Francisco: “Passada a crise sanitária, a pior reação seria cair ainda mais num consumismo febril e em novas formas de autoproteção egoísta” (FT 35).
O amor é quem dá condições para percorrer novo caminho. Educar é conduzir e acompanhar a pessoa, chamada a sair da condição do não saber rumo à consciência de si mesma e do mundo em que vive. A direção da educação é sempre o futuro, os novos horizontes. É o que Jesus (coração que ama) revela na relação com aquela que pecou (miséria). Quando Jesus se encontra com quem deseja uma vida nova, que nasce do perdão e da misericórdia, uma declaração de amor está dada: “Vai e não peques mais” (Jo 8,11). O perdão é a manifestação amorosa da graça de Deus. Uma vez perdoado, educado pelo amor, o coração humano não se cansa de, também ele, transbordar em amor e perdão. Por isso podemos falar de reparação.
4. Os princípios para a construção de um contexto educativo
A CF-2022 nos ajuda a redescobrir alguns princípios fundamentais de uma educação que humanize, que promova a dignidade humana e construa a paz. A educação deve assumir como referência a centralidade da pessoa em sua qualidade de ser de relações aberto ao transcendente. Ela não acontece em um único ambiente e tem a família e a escola como grandes aliadas, não reduzindo sua tarefa apenas ao ensino técnico e científico, pois está sempre atenta à integralidade da pessoa. Educar é um ato de esperança e de amor ao ser humano. A educação também se dá pelas experiências do cotidiano. Esse é um processo permanente e dinâmico.
Acreditar na força transformadora da educação, reconhecer e valorizar todos os atores educacionais situa-nos como eternos aprendizes, pessoas que sempre têm algo a aprender e algo a ensinar. Caminho que supõe novo despertar das relações de cuidado e compromisso com uma ecologia integral. Assim, a educação não pode estar refém de interesses mercadológicos, ideológicos e instrumentais. Ela possui uma dimensão social capaz de promover intervenções concretas em vista do bem comum e da dignidade humana. A educação contribui para o progresso da humanidade, para o desenvolvimento dos povos, concretizando a fraternidade humana e a amizade social.
Santa Edith Stein insere no contexto educacional a importância da empatia como caminho que favorece uma educação integral. Segundo ela, “o fato de viver um valor é fundamental a respeito do próprio valor. Mas, com os novos valores obtidos por meio da empatia, o olhar se abre simultaneamente sobre os valores desconhecidos da própria pessoa” (STEIN, 2003, p. 228, apud BAREA, 2015, p. 102). A empatia é elemento que revela a singularidade da pessoa em suas relações. Atitudes empáticas favorecem o crescimento integral, o amadurecimento e desenvolvimento da pessoa, permitindo, assim, que, onde quer que ela esteja, seja capaz de contribuir para o crescimento de sua comunidade e das pessoas com quem convive. Tal caminho possibilita o exercício de uma pedagogia que humaniza, em que o diálogo e a troca de saberes são possíveis e necessários, mesmo com as diferenças que nos caracterizam.
Segundo a Congregação para a Educação Católica (2014), no documento Educar hoje e amanhã: uma paixão que se renova, mesmo na pluralidade dos contextos culturais e na variedade das possibilidades educativas e também dos condicionamentos do tempo presente, existem alguns princípios que, não somente na escola ou na universidade católica, exprimem a toda a sociedade a visão da comunidade cristã sobre a educação:
- a) o respeito pela dignidade de cada pessoa e pela sua unicidade e, portanto, a rejeição de uma educação e instrução de massa, que tornam a pessoa humana manipulável e a reduzem a um número;
- b) a riqueza de oportunidades oferecidas aos jovens para fazer crescer e desenvolver as próprias capacidades e talentos;
- c) equilibrada atenção aos aspectos cognitivos, afetivos, sociais, profissionais, éticos, espirituais;
- d) o encorajamento para que cada pessoa possa desenvolver os próprios talentos, num clima de cooperação e de solidariedade;
- e) a promoção da pesquisa científica como empenho rigoroso em relação à verdade, com a consciência dos limites do conhecimento humano, mas também com grande abertura da mente e do coração;
- f) o respeito pelas ideias, a abertura ao confronto, a capacidade de discutir e colaborar num espírito de liberdade e de atenção pela pessoa.
5. O Pacto Educativo Global: educação, dom e compromisso
A humanidade só terá verdadeiro progresso por meio da educação. Uma educação integral, hoje necessitada de grande movimento que favoreça ampla aliança de forças – pais, familiares e responsáveis pela educação de jovens, crianças e adultos, com a participação direta de todos os profissionais da educação, comunidades de fé, organizações, instituições e entidades –, dando início a um processo educativo em que o ato de educar forme as próximas gerações para que superem a indiferença e sejam capazes de construir nova realidade.
Assim nasce o Pacto Educativo Global, proposto pelo papa Francisco como resposta que visa buscar caminhos de superação do atual cenário educacional, com a consciência de que, se não houver a união de esforços para educar hoje, o futuro não será diferente do presente. Como afirma a sabedoria africana: “Para educar uma criança, é necessária uma aldeia inteira”. Somos parte dessa aldeia. Por essa razão, é preciso exercitar a escuta de outros ambientes e instituições que desempenham funções educacionais.
Nesse horizonte, a CF-2022 nos estimula a trabalhar por uma educação que humanize e encontre caminhos promotores da vida fraterna. Fraternidade que não é apenas o resultado do respeito às liberdades individuais, nem mesmo da prática de certa equidade (FT 103). Quando não há a fraternidade conscientemente cultivada, quando não há vontade política de concretizá-la, traduzindo-a em uma educação para a fraternidade, dificilmente o diálogo, a descoberta da reciprocidade e o enriquecimento mútuo serão alcançados como valores. Educar é gerar fraternidade.
Não podemos nos esquecer do grande alerta que o papa Francisco nos faz:
A educação será ineficaz e seus esforços estéreis, se não se preocupar também por difundir novo modelo relativo ao ser humano, à vida, à sociedade e à relação com a natureza. Caso contrário, continuará a perdurar o modelo consumista, transmitido pelos meios de comunicação social e através dos mecanismos eficazes do mercado (LS 215).
Eis a proposta: recuperando os princípios de uma educação que humaniza e, com base neles, iniciando processos educativos capazes de ressignificar as relações no horizonte da fraternidade, a CF-2022 proclama que a educação é verdadeiro serviço à vida. Ela colabora na reconstrução do tecido social quando faz opção pelo diálogo como caminho que educa para a liberdade, para o respeito ao outro, para a promoção da cidadania. O Pacto Educativo Global recorda ser urgente uma educação para o bem comum, para o compromisso com a comunidade e, especialmente, para o cuidado com os empobrecidos e vulnerabilizados. Educar é um ato de amor e esperança no ser humano que exige compromisso de todos. Tanto a educação formal como a informal contribuirão para a elaboração de um modelo de progresso e de vida humana que respeite as pessoas e o planeta Terra. Que a CF-2022 desperte em nossas comunidades autêntico espírito educativo integral a serviço do Evangelho, pois, ainda hoje, com Cristo, o coração dos cristãos se compadece ao ver numerosa multidão que vive como ovelhas sem pastor. É o coração compadecido com a realidade, a partir da qual Jesus ensina muitas coisas (Mc 6,34).
Referências bibliográficas
BAREA, Rudimar. O tema da empatia em Edith Stein. 2015. Dissertação (Mestrado em Filosofia). Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2015.
CNBB. Texto-base da Campanha da Fraternidade de 2022. Brasília, DF: CNBB, 2021.
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Patriky Samuel Batista
é secretário executivo de Campanhas da CNBB. Especialista em Pastoral pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje) em Belo Horizonte-MG. E-mail: [email protected]