Roteiros homiléticos

Publicado em janeiro-fevereiro de 2022 - ano 63 - número 343 - pág.: 51-54

4º DOMINGO DO TEMPO COMUM – 30 de janeiro

Por Izabel Patuzzo

Jesus, o profeta do Pai

I. INTRODUÇÃO GERAL

O Evangelho desta liturgia dá continuidade ao tema do domingo passado. O texto nos apresenta a reação dos ouvintes de Jesus na sinagoga de Nazaré, após a proclamação do texto de Isaías e a atualização realizada por Jesus, que diz, em complemento, que essas profecias estão se cumprindo na sua pessoa. A multidão se surpreende com seu anúncio e permanece com os olhos fixos nele. Todos pensam que ele seja apenas o filho de Maria e José. Não podiam esperar tais palavras de alguém que acreditavam conhecer tão bem. Para os habitantes de Nazaré, Jesus era alguém comum entre eles. O relato de Lucas é sobre quem é Jesus e quem as pessoas acreditam que ele seja.

A primeira leitura, do livro do profeta Jeremias, convida-nos a refletir sobre o caminho de sofrimento desse profeta. Jeremias foi escolhido e consagrado pelo Senhor Deus para uma missão difícil: anunciar as catástrofes que poderiam acontecer muito em breve, porque seu povo havia se desviado da Aliança constituída com Deus.

A segunda leitura segue acompanhando a primeira carta de Paulo aos Coríntios, lida nos últimos domingos. Seguindo uma temática distinta dos textos precedentes, o deste domingo fala do amor gratuito, incondicional e desinteressado como imagem do amor cristão. O ponto comum que podemos estabelecer entre as duas leituras é a ideia de que tanto a ação profética como a caridade devem ser frutos da generosidade, sem nenhum interesse próprio. Somente assim podemos levar adiante a missão que nos é confiada por Deus.

Muitos habitantes de Nazaré, contemporâneos a Jesus, esperavam um messias triunfante, que devolveria a soberania nacional a seu povo. Por isso, alguns se maravilharam com o anúncio profético de Jesus na sinagoga, enquanto outros ficaram desapontados. Seguindo seu relato, Lucas nos revelará que Jesus é acolhido por muitos, mas também sofrerá rejeição em seu caminho.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (Jr 1,4-5.17-19)

O profeta Jeremias exerceu seu ministério profético por volta do ano 627 a.C. Nessa época, o Reino de Judá vivia em uma situação muito conturbada em vários aspectos: político, religioso, econômico e cultural. Os últimos reis de Israel tinham se corrompido, fazendo alianças com poderes estrangeiros e trazendo cultos idolátricos para seu povo. Em troca de alianças com reinos mais poderosos, que prometiam segurança, construíram altares para muitos deuses estrangeiros, afastando-se de sua fé no Senhor Deus e absorvendo costumes de outros povos. Tudo isso pôs em risco a identidade religiosa e cultural do povo escolhido.

É nesse contexto que Jeremias proclama as profecias dessa leitura. Ele recorda que sua vocação nasceu do encontro com a Palavra de Deus. Foi chamado e consagrado, por desígnio divino, desde o seio materno. Dizer que Deus o constituiu profeta das nações significa que Deus lhe confiou uma missão universal, mas Israel, enquanto povo escolhido, tem uma missão especial diante dos outros povos e nações. A mensagem que Jeremias anuncia, portanto, não vem de si mesmo; ele cumpre, com muita coragem, o que o Senhor lhe ordenou. Em decorrência dessa missão, irá sofrer rejeição e solidão, porque o que tem a dizer é verdade que não será acolhida com facilidade.

Em seu ministério profético, Jeremias de fato buscou realizar com fidelidade a missão que o Senhor Deus lhe confiou: anunciou e denunciou; demoliu e destruiu o que era contra o projeto divino. Ele também plantou e edificou, mas não teve muita aceitação, nem mesmo de seus amigos e familiares. Sofreu muita rejeição por parte do povo de Jerusalém, de seus sacerdotes e autoridades locais. Foi perseguido e maltratado por seu próprio povo. No entanto, nunca desistiu da missão que Deus lhe confiou.

2. II leitura (1Cor 12,31-13,13)

A segunda leitura deste domingo, da primeira carta de Paulo aos Coríntios, é também chamada de hino à caridade. Nela o apóstolo descreve o amor como um modo de agir que deve caracterizar o cristão. É o amor desinteressado, gratuito, fraterno e solidário. É muito mais que um sentimento, pois não é um agir egoísta, mas capaz de se estender até a quem não conhecemos, porque não busca nada em troca. Paulo exorta a comunidade de Corinto a se nutrir desse amor, cuidando dos que sofrem.

Paulo afirma que, mesmo quando se realizam coisas boas como profetizar, buscar conhecimento na ciência, ter fé em Deus, dar esmola aos pobres (como era costume na cultura judaica), se essas não forem ações fundamentadas no amor, perdem seu valor. Se o objetivo de tais ações for a busca de prestígio e aplausos ou se elas forem praticadas apenas por tradição, não podem ser consideradas frutos da caridade. Para o apóstolo, só o amor dá sentido a todas essas ações, assim como fez Jesus, que sempre foi movido pelo amor. Nesse hino, Paulo enumera as principais características do amor verdadeiro: é  paciente, benigno, não se enche de orgulho, não é invejoso, não guarda rancor, não se alimenta de vingança – mesmo quando ofendido –, não responde com irritação, não compactua com a injustiça, não guarda ressentimento, enfim, é capaz de tudo perdoar e dar nova chance a quem errou e se arrependeu de coração. É o amor incondicional que se inspira no próprio Deus, e não em nós, seres humanos.

3. Evangelho (Lc 4,21-30)

No Evangelho segundo Lucas, o primeiro ensinamento público de Jesus em uma sinagoga se realizou em Nazaré, sua cidade natal. Esse episódio é de grande importância para o evangelista, pois, para ele, em Jesus se cumprem todas as profecias das Escrituras. Os ouvintes da sinagoga, ao se perguntarem se não é ele o filho de José, julgam conhecê-lo muito bem. Os conterrâneos de Jesus o viram crescer, mas não perceberam, em profundidade, quem ele era de fato. Era um conhecimento externo, que não necessariamente os levava a se tornarem seus discípulos.

Esse texto associa a missão de Jesus à do profeta Elias, que visitou a viúva de Sarepta, mudando sua situação de fome em abundância. A viúva pertencia à categoria de pessoas pobres e marginalizadas, que dependiam da solidariedade para a sobrevivência. Jesus também, em sua missão, dirige-se aos pobres e marginalizados. Ele tem consciência de que terá a mesma sorte de todos os profetas que o precederam, os quais não foram bem acolhidos entre os seus. Os habitantes de Nazaré pedem que Jesus realize sinais esplendorosos, como ouviram dizer que havia operado em Cafarnaum. Estão à procura de espetáculo, mais do que de um ensinamento verdadeiro ou de um mestre que os guie nos caminhos das Escrituras. O caminho do discipulado que Jesus propõe é o caminho que também os profetas seguiram, feito de incompreensões, rejeições, riscos e, às vezes, solidão e recusa mesmo dos mais próximos. Jesus cita o provérbio segundo o qual nenhum profeta é aceito em sua própria terra. Isso demonstra a recusa dos próprios parentes a acolher o projeto de Jesus. Não obstante, Jesus revela sua identidade profética, e tudo o que ele proclamou na sinagoga de Nazaré começa a ser cumprido.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

O caminho do ministério profético exige fidelidade à missão confiada por Deus, mesmo diante de incompreensões, rejeição e solidão. A profecia nasce quando nos deixamos provocar por Deus, e não quando conduzimos nossa vida na tranquilidade de manter tudo sob nosso controle. O profeta é alguém que se abre às surpresas de Deus. Nestes últimos tempos, o papa Francisco tem recordado à Igreja que precisamos muito de profetas e que o perfil de profeta consiste em seguir o caminho traçado por Jesus. O papa deixou claro que nenhum profeta é bem-aceito em sua terra, porque a voz profética traz esperança, mudanças de um novo tempo, vai às raízes da verdade e abre novos horizontes para cuidar dos mais necessitados. O profeta arrisca a própria vida para ser fiel ao projeto de Deus. A primeira leitura e o Evangelho nos interrogam se temos coragem de aceitar trilhar o caminho da profecia. Muitas vezes, o medo de críticas, do abandono das pessoas que queremos bem, a opinião dos outros sobre nós nos impedem de sermos profetas. Pelo batismo, participamos da missão profética de Jesus. Ainda nos fala o papa Francisco: ser profeta não consiste em ser um crítico de profissão, mas, ao contrário, o profeta é aquele que reza, olha para Deus e para seu povo, sente dor e chora quando o povo erra ou se desvia do projeto divino. Além disso, ser profeta é fazer o possível para falar e viver na verdade.

Izabel Patuzzo

pertence à Congregação Missionárias da Imaculada – PIME. É assessora nacional da Comissão Episcopal Pastoral para a Animação Bíblico-Catequética da CNBB. Mestre em Aconselhamento Social pela South Australian University e em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. É licenciada em Filosofia e Teologia pela Faculdade Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo. E-mail: [email protected]